Portugal vai liderar dois projectos de protecção de corais no Mediterrâneo
Jean-Baptiste Ledoux, cientista do Ciimar, em Matosinhos, conquistou financiamento para dois projectos de conservação e restauro de jardins de corais afectados pelas ondas de calor no Mediterrâneo.
O Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar), em Matosinhos, vai liderar dois novos projectos de conservação e restauro de jardins de corais afectados pelas ondas de calor no mar Mediterrâneo. “Foi inesperado, fiquei muito feliz”, conta Jean-Baptiste Ledoux, investigador da equipa de genómica evolutiva do Ciimar, que recebeu na mesma semana a notícia dos dois financiamentos.
Trata-se de dois projectos diferentes, focados em espécies distintas (coral-vermelho e gorgónia-camaleão), mas com o mesmo objectivo: usar a genética populacional para proteger corais em áreas protegidas específicas do mar Mediterrâneo – tanto na região de Marselha, em França, como na Catalunha, em Espanha. A bacia mediterrânica está particularmente ameaçada pela crise climática, uma vez que abriga vastos jardins de corais sensíveis ao calor e, simultaneamente, está a aquecer mais rapidamente do que outras regiões oceânicas.
Até agora, a genética e a genómica da biodiversidade não eram áreas científicas muito consideradas nas políticas de conservação e restauro, explica ao PÚBLICO Jean-Baptiste Ledoux. “Isto está a mudar e isto é uma boa notícia”, diz a sorrir o cientista francês, radicado em Portugal, que acaba de arrecadar financiamentos que, segundo refere, totalizam cerca de 120 mil euros.
Os projectos têm objectivos duplos e que se complementam. Por um lado, os cientistas querem identificar as zonas com maior diversidade genética que vão conseguir responder melhor aos desafios da crise climática – seja o aumento das temperaturas ou outro tipo de pressão ambiental. Por outro, a equipa ambiciona identificar nas comunidades coralinas factores genéticos que confiram a certos indivíduos maior tolerância ao calor.
Num mundo ideal, tudo seria conservado. Mas não há recursos para proteger todas as populações de corais. “Temos de escolher as populações que vamos conservar ou não. Vamos ajudar nessa escolha, temos de criar prioridades dentro das áreas marinhas protegidas”, explica Jean-Baptiste, sublinhando que populações que são geneticamente mais diversas têm mais capacidade para resistir às alterações climáticas.
Corais-vermelhos na Catalunha
Um dos projectos aprovados é dedicado à conservação e gestão do stock dos corais-vermelhos (Corallium rubrum) no Mediterrâneo. Estes corais são muito populares no sector da joalharia, sendo por isso alvo de sobrepesca na região – um quilo desta mercadoria pode ascender aos mil euros.
O trabalho vai ser dividido em duas partes. Numa primeira fase, há o objectivo de contribuir para a avaliação do stock de pesca de coral-vermelho em toda a bacia mediterrânica. A Comissão Geral das Pescas do Mediterrâneo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla inglesa) apoia o projecto, uma vez que a agência internacional também está a trabalhar na avaliação dos recursos existentes de coral-vermelho.
Numa segunda parte, os cientistas pretendem fazer o estudo da genética populacional da comunidade de corais de dois parques naturais espanhóis: o de Montgrí e o Cap de Creus, ambos na Catalunha. O objectivo desta etapa consiste em verificar se a espécie Corallium rubrum apresenta factores genéticos de resistência às ondas de calor marinhas.
“Os indivíduos que têm esse património genético podem ser usados para o restauro local de populações. Se conseguirmos identificar estes factores, estes indivíduos podem ser utilizados para um restauro local de populações. Trata-se de soluções baseadas na natureza”, esclarece o cientista do Ciimar. Esta abordagem será usada nos dois projectos liderados por Ledoux com diferentes espécies de corais.
O financiamento das duas partes do projecto dos corais-vermelhos foi assegurado pelo programa Genómica da Biodiversidade da Europa (Biodiversity Genomics Europe, em inglês), uma iniciativa que aposta no uso da genómica para melhorar a compreensão da biodiversidade no continente e reverter a sua perda.
Gorgónias-camaleão em Marselha
O outro projecto liderado por Jean-Baptiste Ledoux centra-se na espécie Paramuricea clavata, vai ser desenvolvido em parceria com cientistas do Parque Nacional de Calanques, em França, e conta com o financiamento da organização Pure Ocean Fund. “Vamos estar focados na zona de Marselha, onde, em 2022, houve um episódio de mortalidade maciça de P. clavata [gorgónia-camaleão]”, diz o cientista.
Em Setembro de 2022, as temperaturas da água na costa mediterrânica estiveram entre 4 a 5 graus Celsius acima da média. Nalguns pontos da bacia, os termómetros chegaram aos 30 graus Celsius. Jardins inteiros de corais feneceram. Foi como um “fogo debaixo de água”, descreveu na altura à agência AFP Solène Basthard-Bogain, directora de uma associação especializada na conservação dos ambientes marinhos.
Jean-Baptiste Ledoux recorda que, apesar de o episódio de 2022 ter sido particularmente trágico, a subida das temperaturas das águas tem sido um problema recorrente em Marselha e na região. “Vemos uma intensificação e uma aceleração destas ondas de calor marinhas e isto é uma má notícia para muitas espécies do mar mediterrânico”, avisa o cientista do Ciimar. Não só corais podem morrer, mas também algas, esponjas e bivalves, por exemplo.
A Paramuricea clavata é um familiar dos corais moles que oferece serviços ecológicos cruciais ao bom funcionamento do ecossistema, assegurando habitat e refúgios a diferentes espécies. Se a gorgónia-camaleão desaparece, não colocamos em risco apenas a existência local de uma espécie, mas também a de tantos outros organismos que dela dependem.
Os dois projectos coordenados pelo Ciimar – nos quais estão envolvidos investigadores de outras entidades, incluindo a Universidade de Barcelona e o Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve – abrem caminho para a recuperação de jardins de corais no Mediterrâneo, mas as expectativas de recobro da biodiversidade devem ser moderadas.
“Será muito difícil voltar ao estado de biodiversidade original, como era há 100 anos. Agora, ao nível local, tenho a esperança de que podemos fazer muitas coisas em áreas protegidas. É isto o que vamos tentar fazer com estes projectos: trabalhamos com áreas marinhas protegidas em Marselha (França) e na Catalunha (Espanha) e aqui, sim, vamos tentar colocar toda a nossa energia para desenvolver medidas de conservação baseadas na genómica para tentar conservar estas espécies nestas zonas”, promete o investigador francês.