Europa faz sprint a aprovar regras ambientais, com Pacto Ecológico em recuo

Eurodeputados deram luz verde a várias directivas de ambiente na última sessão do Parlamento Europeu. Mas já se sentem os efeitos da antecipada vaga da extrema-direita nas eleições europeias.

Foto
Parlamento Europeu teve a última sessão desta legislatura RONALD WITTEK/EPA
Ouça este artigo
00:00
09:19

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

A revisão da nova Política Agrícola Comum (PAC), aprovada no Parlamento Europeu na semana que passou, na última sessão desta legislatura, é um exemplo do caminho para trás que fizeram nos últimos meses várias directivas relacionadas com o Pacto Ecológico Europeu. Num mês apenas, e sem que tenha havido debate algum no hemiciclo, passou a reforma que reduz exigências ambientais e amplia as excepções ao seu cumprimento, para tentar acalmar a revolta dos agricultores em vários países europeus que irrompeu no início deste ano.

Com 425 votos a favor, 130 contra e 33 abstenções, os eurodeputados aprovaram um “pacote de simplificação” das regras ambientais que os agricultores têm de respeitar para receber financiamento europeu. A obrigação de deixar uma parte das terras em pousio desaparece, tal como a obrigação de rotação das culturas. Deixa de ser tão restrita a interdição de manter os solos nus nos períodos mais sensíveis, para evitar a sua erosão.

Prevê ainda uma maior flexibilidade para os países da UE concederem isenções às normas da PAC, por exemplo, em caso de problemas causados por condições meteorológicas extremas. E as pequenas explorações agrícolas com menos de dez hectares – 65% das explorações europeias e destinatárias de 11% dos apoios, segundo o jornal Le Monde – ficarão isentas de controlos e sanções por incumprimento de algumas regras “verdes” da PAC.

“Ao desmantelar salvaguardas ambientais indo ao encontro dos desejos de um pequeno grupo de interesses, fazem uma paródia da crise da natureza e do clima, abalam os processos democráticos e traem a confiança dos cidadãos”, reagiu a organização de defesa do ambiente Bird Life Europe. “Sem solos saudáveis, polinizadores, e água limpa, a agricultura não tem futuro”, sublinha a BirdLife, em comunicado.

Foram destruídos os últimos restos de credibilidade de que a política agrícola da União Europeia protege o ambiente e o interesse público”, condenou igualmente a Greenpeace.

A Comissão Europeia apressou-se a apresentar esta proposta de revisão em Março, sob pressão dos protestos dos agricultores, que, entre outras coisas, se queixavam de serem asfixiados por uma regulamentação excessiva, e do receio do impacto que o seu descontentamento teria sobre as eleições europeias, que se realizam nos 27 Estados entre 6 e 9 de Junho (em Portugal são neste último dia). O Conselho Europeu deu a garantia de que daria o seu aval à legislação aprovada no Parlamento Europeu (PE).

Mas como tudo isto foi feito muito rapidamente – para poder acontecer até 25 de Abril, data da última sessão legislativa do PE –, tornou o debate impossível, notou ao Le Monde Pascal Canfin, presidente da Comissão de Ambiente do PE. Se algumas simplificações eram justificáveis, disse, medidas como a supressão da obrigação de pousio “representam um recuo de dez anos nos esforços de tornar a PAC mais verde”.

E toda esta pressa pode significar que a reforma aprovada é ilegal. Uma opinião jurídica pedida pela Comissão Europeia, diz ainda o Le Monde, sublinhou que, como não foi feito nenhum estudo de impacto, não é possível saber se esta revisão da nova PAC está em conformidade com a Lei do Clima da UE, que prevê uma redução das emissões de gases em 55% até 2030. Já neste ano, a Comissão Europeia recomendou uma nova meta de redução de 90% das emissões de gases com efeito de estufa até 2040.

Os Verdes, que tinham pedido o adiamento da votação do texto, prometem contestar juridicamente esta directiva.

Receio dos extremos

A aproximação do fim da legislatura e das próximas eleições europeias, que as sondagens dizem que deverão dar uma representação significativa à extrema-direita no Parlamento Europeu, alterando o tradicional equilíbrio de forças, tem levado a direita tradicional a aproximar-se mais de lobbies e grupos de pressão interessados em travar o avanço das políticas ecológicas e climáticas.

“Na Comissão Europeia, as direcções-gerais mais hostis ao ambiente assumiram a dianteira, a maioria dos Estados-membros travou a fundo e o Parlamento deixou-se dominar pelas direitas extremas”, escrevia, ainda em Novembro, Stéphane Foucart, jornalista e colunista do Le Monde. “Pela primeira vez, toda a União Europeia – instituições e Estados-membros – engataram a marcha-atrás no ambiente.”

Foto
Agriculor prepara campo para plantar trigo em França Pascal Rossignol/REUTERS

Em alguns países, a extrema-direita é virulenta sobre as questões ambientais. “Claro que vamos revogar o vosso Pacto Verde”, afirmou um eurodeputado do Vox, o espanhol Jorge Buxadé, amarrotando no púlpito papéis com o logótipo do Pacto Ecológico Europeu, relata o jornal El País.

Exemplo dessa travagem a fundo, ou recuo, em que a extrema-direita e a direita têm sido cúmplices, por vezes com o apoio de forças mais moderadas, mas cedendo igualmente ao populismo, é o bloqueio em torno da Lei do Restauro da Natureza. Apesar de aprovada em Fevereiro, após um percurso atribulado no Parlamento Europeu, e muitas modificações, ficou em suspenso no Conselho Europeu porque a Hungria – governada por uma figura de extrema-direita, Victor Orbán – lhe retirou o seu apoio. Mas também a rejeição do regulamento europeu sobre o uso de pesticidas pode ser um exemplo desse recuo.

No discurso na Sorbonne feito na semana passada pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, em que apresentou o seu roteiro para evitar o “declínio” e a “morte” da Europa, as questões da transição ecológica deixaram de valer por si e passam a ser aspectos integrantes de outros desafios, salientava o Le Monde, como da energia, da competitividade e da produção – a sua “ecologia à francesa, criadora de valor”, como disse num discurso em Setembro de 2023.

Macron defendeu, como já fez noutras vezes, um recuo nas normas ambientais para melhorar a competitividade da Europa face à China e aos Estados Unidos. “Não podemos viver de forma duradoura sob as normas ambientais mais exigentes e pensar que continuaremos a criar empregos. O risco é que sejam abandonadas”, alertou.

Directivas aguadas

Outra legislação ambiental aprovada pelo Parlamento Europeu mesta semana, na sua última sessão, exibe sinais desse recuo – defendido por muitos líderes por receio de uma reacção de negação da opinião pública contra as regras para defender o clima e o ambiente, explorada pela extrema-direita eleitoralmente.

Veja-se a directiva da Diligência Devida sobre Sustentabilidade Corporativa, que afectará um número mais reduzido de empresas do que era previsto nas versões iniciais do diploma.

A lei impõe às empresas a responsabilidade de evitar, identificar e remediar violações dos direitos humanos e sociais, bem como danos ambientais causados ao longo das suas cadeias de valor em todo mundo. Isto pode significar o uso de trabalho infantil para fabricar as roupas que vendem, a desflorestação para criar pastos para alimentar o gado que só chega ao nosso prato sob a forma de bifes e hambúrgueres, ou a poluição de fábricas que tem impacto sobre comunidades inteiras. Um caso recente foi a denúncia de que o grupo da Zara usa algodão "sujo" vindo do Brasil, por não respeitar esses princípios.

Os Estados-membros chegaram a acordo, em Dezembro, após duas tentativas falhadas, mas para que o texto fosse agora aprovado pelo PE, por 374 votos a favor, e 235 contra, foram introduzidas grandes limitações no documento.

Se o acordo de Dezembro previa que estas regras seriam aplicáveis a empresas com mais de 500 assalariados e que tivessem um volume de negócios mundial líquido de pelo menos 150 milhões de euros, bem como a empresas com um mínimo de 250 funcionários se as suas vendas ultrapassassem 40 milhões de euros anuais, e pelo menos metade fossem provenientes de sectores de risco (têxteis, agricultura, minerais).

O texto aprovado, no entanto, responsabiliza apenas empresas com mais de mil assalariados e um volume de negócios superior a 450 milhões de euros. Isto reduz de forma drástica o número de empresas às quais a lei pode ser aplicada, em comparação com o acordo de Dezembro: de perto de 16.300 para 5400, diz a organização não-governamental Global Witness.

Aproveitar os pequenos passos em frente

Ainda assim, é um passo em frente. “Apesar do âmbito substancialmente reduzido nas últimas fases da negociação, a aprovação final pelo PE faz a UE dar um passo em frente rumo à responsabilidade empresarial”, comentou a organização ambientalista WWF.

Aproveitar os pequenos passos em frente, e lutar para que não haja recuos, parece ser o destino próximo das políticas ambientais na União Europeia, que se tem apresentado como campeã da defesa do clima e do ambiente. Exemplo disso foi a aprovação, também nesta semana, de limites mais rigorosos para a poluição atmosférica, que serão vinculativos e devem ser cumpridos até 2030.

Foto
Poluição do ar em Varsóvia, na Polónia PAWEL SUPERNAK/EPA

Com estas regras aprovadas pelo PE, os cidadãos passam a poder requerer indemnização quando vierem a sofrer de problemas de saúde causados por poluentes em suspensão no ar, sejam eles resultantes de emissões negligentes ou intencionais.

O problema é que os limites estabelecidos no diploma europeu, apesar de serem agora mais estritos, são ainda mais elevados do que os recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na revisão das regras que fez em 2021.

Por exemplo, o limite anual da exposição a partículas PM 2,5, que são das que maior impacto têm na saúde humana, foi revisto de 25 para dez microgramas por metro cúbico. No entanto, o valor recomendado pela OMS é metade disso, cinco microgramas por metro cúbico por ano.

Algo de semelhante passa-se com o dióxido de azoto (NO2), um gás altamente tóxico que resulta da queima de combustíveis fósseis. O limite anual é reduzido de 40 para 20 microgramas por metro cúbico, mas a orientação da OMS é que a exposição não deve exceder dez microgramas.

Mas é um princípio, disse ao Azul Francisco Ferreira, presidente da Zero: “Esta nova directiva fica aquém do desejável e necessário, isto é, um total alinhamento com as recomendações da OMS, mas é efectivamente um passo muito importante nesse caminho de se atingir uma poluição zero [em 2050]”, salientou.