Estamos a reflorestar a Europa com árvores que não vão resistir até 2100

Espécies arbóreas que consideramos adequadas hoje para reflorestar a Europa podem não sobreviver até 2100 devido à crise climática, sugere estudo. Seca e escaravelhos estão entre as ameaças.

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A escolha das espécies arbóreas torna-se, em tempos de crise climática, uma decisão ainda mais importante na gestão florestal, defendem os autores Matilde Fieschi
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Um dos grandes desafios da gestão florestal é o tempo: as árvores são seres vivos longevos e, com a crise climática, talvez uma espécie que esteja adaptada às condições do presente não sobreviva às do futuro. Um estudo científico, publicado nesta segunda-feira na revista Nature Ecology & Evolution, revela que as espécies arbóreas que consideramos adequadas hoje para reflorestar a Europa podem não sobreviver até 2100 devido à mudança do clima.

Os cientistas avaliaram a distribuição de 69 espécies de árvores nativas em toda a Europa – incluindo o carvalho, o pinheiro e o salgueiro – tanto em florestas virgens como reflorestadas. Para prever o comportamento destas espécies no futuro, os autores desenvolveram um modelo capaz de estimar a sua capacidade de sobrevivência até ao final do século. As conclusões do estudo indicam que algumas espécies podem estar ameaçadas mesmo num cenário de alterações climáticas moderadas.

A principal conclusão é que as alterações climáticas terão um forte impacto no ecossistema florestal. Os padrões são muito regionais, pelo que não são possíveis mensagens gerais sobre quais as melhores espécies de árvores a plantar em toda a Europa. No entanto, a forma como a floresta europeia irá reagir [ao desafio] está nas nossas mãos. O que plantarmos hoje irá moldar as florestas do futuro, e esta decisão é uma das mais prementes neste momento”, explica ao PÚBLICO Johannes Wessely, primeiro autor do estudo da Nature Ecology & Evolution.

No que toca a Portugal, os autores não adiantam dados desagregados. Sei que gostariam de ter resultados mais específicos para Portugal, mas isso é bastante complicado. O que se vê em Portugal são muitas mudanças. Muitas das espécies de árvores que são adequadas numa região actualmente não sobreviverão nessas regiões até ao final do século. Por outro lado, durante o século, diferentes espécies tornar-se-ão adequadas para plantação nesses locais”, comenta Johannes Wessely, numa resposta por email.

Escolher espécies a dedo

Escolher a dedo a espécie que vamos plantar importa sobretudo porque as florestas europeias já estão a perder demasiadas árvores – seja por causa da seca hidrológica, seja devido aos escaravelhos. “Na Europa, por exemplo, a mortalidade de árvores aumentou fortemente nas últimas três décadas, e as recentes vagas de mortalidade de espécies arbóreas foram provavelmente sem precedentes nos últimos 170 anos”, lê-se no artigo.

Estas mudanças na paisagem europeia trouxeram enormes desafios à política e à gestão florestal. Isto porque não basta plantar árvores para substituir as que morreram; é preciso escolher espécies resilientes. Como as árvores tem um ciclo de vida longo, as espécies que estamos a escolher para reflorestar a Europa devem estar adaptadas não só ao clima do presente – em que há a ocorrência de geada, por exemplo –, mas também ao de um futuro mais quente e seco.

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Exemplos de mortalidade de árvores na Europa causada por infestação de escaravelhos Rupert Seidl/DR

O estudo considera três cenários climáticos distintos: um optimista, um moderado e outro pessimista. Estes cenários resultam de cálculos sobre como poderá ser o clima no futuro em função do crescimento das concentrações de gases com efeito de estufa. Foram elaborados pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) das Nações Unidas para que a comunidade científica possa trabalhar com referências precisas e comparáveis.

Madeira, carbono e habitat

As florestas são uma ferramenta poderosa na acção climática, mas, simultaneamente, elas próprias estão ameaçadas pela subida das temperaturas médias globais. Fenómenos climáticos extremos mais intensos e frequentes – como a seca hidrológica ou as ondas de calor, que por sua vez favorecem fogos florestais – fazem com que seja irrealista esperar que estes ecossistemas continuem a funcionar ecologicamente da mesma forma. A pressão climática vai ameaçar, por isso, os próprios “serviços” que a floresta presta à sociedade, como o sequestro de carbono e o fornecimento de madeira ou habitats.

No estudo, as espécies foram também avaliadas no que toca ao seu potencial para fornecer madeira, armazenar carbono e proporcionar habitats em cenários climáticos actuais e projectados. Os cientistas verificaram que o número médio de espécies de árvores por quilómetro quadrado capazes de sobreviver ao longo do século XXI poderia diminuir em cerca de 33% e 49% nos cenários mais optimista e mais pessimista, respectivamente.

Por outras palavras, haverá ainda menos espécies disponíveis para a indústria florestal nas décadas vindouras. Consoante a geografia, entre um terço e metade das espécies de árvores hoje existentes não resistirão.

“O nosso trabalho mostra claramente a gravidade com que a vitalidade das florestas é afectada pelas alterações climáticas. Não podemos depender apenas de uma nova mistura de espécies de árvores; são essenciais medidas rápidas para mitigar as alterações climáticas para a protecção sustentável das nossas florestas”, afirma o primeiro autor do estudo, Johannes Wessely, numa nota de imprensa da Universidade de Viena, na Áustria.

Onde fica a diversidade?

Além disso, no cenário climático moderado, apenas uma média de três espécies com potencial para fornecer madeira, habitat e armazenamento de carbono permanecem adequadas por quilómetro quadrado, sublinha uma nota da Nature. Isto cria um certo “estrangulamento” das possibilidades de espécies ou, por outras palavras, as escolhas ficam profundamente limitadas pelo clima.

“O que raramente é considerado, no entanto, é que as alterações climáticas podem criar um considerável estrangulamento de espécies para a gestão florestal de hoje: espécies que são climaticamente adequadas em uma determinada região actualmente podem não ser mais adequadas num clima futuro”, lê-se no artigo.

Este estrangulamento significa que, na prática, os gestores florestais terão poucas opções se quiserem escolher espécies compatíveis com o clima do presente e do futuro. Isto significa, na prática, recriar espaços com menos diversidade – o que não costuma ser saudável para um ecossistema.

“As florestas mistas compostas por muitas espécies de árvores são uma medida importante para tornar as florestas mais robustas contra perturbações como os escaravelhos. No entanto, nalguns locais da Europa, podemos ficar sem espécies de árvores para estabelecer florestas mistas tão coloridas”, explica o co-autor Rupert Seidl, investigador da Universidade Técnica de Munique, citado no mesmo documento.