De Norte a Sul de Portugal, um colectivo quer fazer dos rios um tema de conversa

Desde 2019, o Guarda Rios tem caminhado pelos territórios ribeirinhos para pensar os rios e as suas gentes, com ajuda da arte: “O rio é uma metáfora, uma desculpa para falar de muitas outras coisas.”

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O Observatório dos Rios nas Hortas Urbanas de Tavira João Roldão
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Há uma enguia à solta num terreno baldio junto às Hortas Urbanas de Tavira, no Algarve. Tem vários metros e está colocada em cima de estacas. É articulada, com módulos de madeira e um pano pintado em padrões com lodo vindo da ria de Ovar. Para ser transportada, necessita de várias pessoas. O objecto representa um animal com uma história evolutiva de mais de 50 milhões de anos e um ciclo de vida que começa e termina no mar dos Sargaços, no Atlântico, mas que pelo meio entra em Portugal e se constrói nos seus rios: os rios vivos, os rios mortos, os rios secos, os rios entubados, os rios divididos, os rios esquecidos. Ela tem algo para contar.

“A enguia diria que é das personagens principais”, explica ao PÚBLICO Francisco Pinheiro, artista visual e uma das pessoas que participou na construção da enguia, referindo-se ao trabalho que veio desenvolver em Tavira. “É um bicho muito antigo, faz parte do imaginário do território português. Remete para esses modos de vida e subsistência que são importantes para estas pessoas”, refere. Está também em vias de extinção.

“As enguias e as lampreias são espécies muito comuns, que entram na nossa gastronomia”, diz por sua vez Nuno Barroso, que vem das ciências e trabalha como artista visual há vários anos. Mas “começa-se a perguntar [sobre aqueles animais] em cada sítio onde se vai e respondem ‘ah sim, dantes eu apanhava-as aqui, bastava pôr a mão na água e tirava uma enguia’ e hoje muitas [populações] reduziram-se ou foram erradicadas”.

Esta realidade foi sendo descortinada à medida que os dois artistas foram conhecendo melhor as geografias portuguesas ligadas aos rios. Desde 2019, Francisco Pinheiro e Nuno Barroso encabeçam o colectivo Guarda Rios, composto por um grupo de pessoas interessado nas vidas dos territórios ribeirinhos. Ao longo dos anos, já estiveram no Douro Internacional, no Tejo internacional, no Mondego, no Alqueva, em Mértola, junto ao Guadiana, entre outros locais.

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“Propomos uma cultura da água e uma aproximação aos rios, através de acções artísticas participativas e processos de co-aprendizagem, convivialidade e celebração”, explica-se no site do Guarda Rios. Sempre que chega a um local novo, em imersões de algumas semanas, o colectivo faz caminhadas, observa o território, encontra-se com grupos locais, ouve as histórias, os saberes e as tradições daquele lugar e depara-se com as grandes questões contemporâneas do interior como o despovoamento, um ambiente natural em mudança e o avanço de novas formas tecnológicas de exploração.

“Percebemos logo ao início que os rios eram indicadores chave daquilo que se passa no interior”, explica Francisco Pinheiro. “Comunidades que nasceram junto a um rio e que têm memórias e uma relação afectiva com o rio são cada vez mais escassas.”

Ao mesmo tempo, o grupo leva a arte e as suas ferramentas para dialogar com os locais, oferecendo imagens, instalações, dispositivos, que alimentam as reflexões que são feitas em cada imersão. Além de usarem vários tipos de métodos de recolha de material, passando pelo desenho, a fotografia e o som. “Todo este conteúdo é passível de ser traduzido de forma artística. Acreditamos que o pensamento artístico tem esta oportunidade de criar novas ligações que podem tocar aquela pessoa de uma forma particular”, sustenta Francisco Pinheiro.

Nos próximos meses, no contexto de um projecto financiado pela Direcção-Geral das Artes (DGArtes), o Guarda Rios vai estar em Torres Vedras (distrito de Lisboa), de um a 11 de Junho, em Constância (Santarém), de 24 de Junho a oito de Julho, em Serpa (Beja), em Setembro, em Ermesinde (Porto), também em Setembro, e em Mação (Santarém), em Outubro.

O trabalho continuará um tipo de dramaturgia que o grupo desenvolveu ao longo de 2023 em três territórios (Santa Maria da Feira, Ourém e, por fim, em Tavira), no contexto do Observatório dos Rios, um projecto do Guarda Rios especificamente pensado para a Odisseia Nacional – o programa do Teatro Nacional Dona Maria II (TNDM II) que está em marcha desde o início de 2023 e que vai levando espectáculos a todo o território português enquanto o edifício-sede daquela instituição, em Lisboa, termina as suas obras de recuperação.

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O PÚBLICO esteve em Tavira, em Outubro último, para seguir um pouco do processo. No Observatório dos Rios usam-se um “conjunto de cenários, pequenas dramaturgias, jogos e acções desenvolvidas”, segundo o site do Odisseia Nacional. “Depois de três ou quatro anos de residências, de pesquisa, de andar pelo território, temos elementos suficientes para iniciar este processo de contaminação”, diz Nuno Barroso.

Apesar de existir à mesma um encontro entre o colectivo e um território e os seus rios, a comunidade e as suas pessoas, há uma performatividade nova: um jogo dinâmico, pedagógico e lúdico, artístico e científico, com margem para o improviso. E que acaba por ir ajudando a desenrolar a complexidade do território português, o seu brilho e as suas carências, a partir do universo dos rios.

“O rio é uma metáfora, uma desculpa para falar de muitas outras coisas”, diz Nuno Barroso no primeiro dia em que o PÚBLICO esteve com o grupo, nas Hortas Urbanas de Tavira, onde o Observatório dos Rios se instalou. “Os primeiros ajuntamentos humanos foram sempre nos terraços fluviais, que são zonas mais férteis. O início da humanidade está muito associado aos rios.”

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Um tubo para olhar o rio

Parte das hortas urbanas daquela cidade algarvia estão num espaço pertencente ao Centro de Experimentação Agrária de Tavira (CEAT) – que conta com um grande acervo de variedades de plantas importantes como amendoeiras, figueiras e alfarrobeiras.

Há dezenas de talhões, tabuletas designativas – a “Horta da Arminda”, a “Horta do Henrique” –, e vida vegetal variada: feijoeiros a crescer, couves, tomatinhos, várias nespereiras, uma pequena oliveira, muitas flores. “Não tem uma horta igual à outra”, observa Joana Levi, artista brasileira radicada em Lisboa desde 2017 e o terceiro elemento do Observatório dos Rios, convidada especificamente para dar apoio à dramaturgia. “Isto tem um afecto claramente envolvido. É diferente do cultivo intensivo das oliveiras. Aquilo é escravidão.”

Estamos no único talhão comum da horta, que não está atribuído a ninguém e onde foram plantadas árvores de fruto. Há algumas cadeiras de plástico para quem quiser se sentar, criando uma espécie de pequena ágora. O céu está cinzento e de vez em quando há umas pingas de chuva, mas nada que ameace a longa seca que o Algarve atravessa.

Naquele espaço está instalado um tubo de acrílico de dois metros, que é simultaneamente cenário e dispositivo para um dos momentos da apresentação final. Em Tavira, o trabalho do Observatório dos Rios desenvolveu-se ao longo de três semanas. O trio interagiu principalmente com as pessoas que diariamente vão cuidar das hortas. “É incrível ver como há uma adesão enorme das pessoas a estes talhões. Vemos pessoas tirarem dali beringelas gigantes, tomates, ervas aromáticas e batata doce”, descreve Nuno Barroso.

As hortas foram uma conquista. “Na génese esteve um movimento de cidadãos que já tinha tido algumas iniciativas para pôr um travão à exploração do Algarve”, explica ao PÚBLICO por telefone Luís Venâncio, fisioterapeuta e massagista, mas que está ligado àquele movimento e foi escolhido para ser o responsável local das hortas, acabando por fazer o papel de interlocutor entre a comunidade das hortas e o Observatório dos Rios. “Fui um facilitador desde o primeiro dia. Acho que a cultura é algo fundamental na nossa vida. Dei-lhes todo o suporte.”

Ao longo da temporada de três semanas, houve uma série de encontros que culminaram numa apresentação no último fim-de-semana. “Conseguimos agarrar o público na segunda sessão. Vamos devagar. Não dizemos que vai ser uma participação pública”, explica Francisco Pinheiro.

Nesse encontro, o grupo reuniu-se na biblioteca do CEAT. A conversa foi ajudada pela bibliografia que tem alimentado o pensamento do Guarda Rios: desde Ovídio, passando por A Prática da Natureza Selvagem, de Gary Snyder, O Lobo e as Estrelas, de Telmo Ferraz, Laudato Si, do Papa Francisco, The Sea Around Us, de Rachel Carson, Pensar Como uma Montanha, de Aldo Leopold, até vários guias de campo e o depoimento de António Velho, um pescador da Bemposta conhecido com Escalo, que tinha conversado com o colectivo numa das suas imersões.

“Achei interessantíssimo colocarem livros à frente de cada pessoa e pôr as pessoas a falar, que é uma coisa que as pessoas evitam. Essa adorei”, recorda Luís Venâncio. “Houve uma noção de muito do que se está a passar [a nível nacional] – as barragens, como mudam o ecossistema, como mudam alguns modos de vida”

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Na horta, o tubo de acrílico também é um dispositivo para iniciar conversas. “Aqui passamos para perceber o que é o fundo do rio”, diz Francisco Pinheiro, que é o enunciador daquela proposta que se vai desenvolvendo em diálogo com o público.

No tubo, com a ajuda das pessoas, é colocado material com granulometrias diferentes: primeiro os calhaus, de seguida as pedras mais pequenas, por fim a areia. Depois, soma-se a água, que preenche os espaços entre os sedimentos. Desta forma, o tubo passa a representar a zona hiporreica, onde as águas subterrâneas e as águas superficiais se misturam nos sedimentos do fundo do rio, e que funciona como um grande filtro da água, além de ser um habitat para pequenos organismos e um importante berçário.

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“É toda esta parte invisível que é importante dar a ver. Vermos a água a escorrer, a ser absorvida”, diz Francisco Pinheiro. “Vamos falar de toda a cadeia energética e alimentar do rio. Quanto mais diversa é, mais saudável o rio é.” A experiência também serve para problematizar a forma como os rios são muitas vezes tratados. “Há a ideia do progresso de entubar os rios na cidade. Quando se entuba, isto desaparece. Agora, começa a haver uma ideia de retirar o rio dos tubos”, reflecte Nuno Barroso.

Ao mesmo tempo, o tubo de dois metros no meio do talhão da horta abre os olhos a quem passa ali, funciona como uma instalação. Há um pensamento estético neste tipo de dispositivo? “Claro. Queremos suscitar curiosidade e que as coisas tenham uma certa magia, um encanto. Vimos desse mundo”, responde Nuno Barroso.

“Navegar pela margem”

Dentro da Odisseia Nacional, o Observatório dos Rios integrou o programa Atos, com parceria da Fundação Calouste Gulbenkian, que foi à procura de várias estruturas artísticas no país e de dezenas de projectos para pensar os vários territórios a partir deles próprios e envolver as comunidades.

O Guarda Rios “tinha este trabalho e reflexão sobre as águas, e como nós queremos pensar o país, achámos que seria muito interessante pensar os rios e os seus ecossistemas”, explica ao PÚBLICO Luís Sousa Ferreira, adjunto de direcção artística do TNDM II, por telefone. O responsável já conhecia o trabalho do colectivo, que teve uma passagem pelo 23 Milhas, um projecto cultural de Ílhavo onde Luís Sousa Ferreira foi director.

Ao mesmo tempo, a raiz artística do colectivo traz várias possibilidades. “Não é uma aula de um biólogo. Como é que a arte pode partir da nossa realidade para nos dar múltiplas perspectivas dessa mesma realidade”, refere Luís Sousa Ferreira, que defende ser necessário, antes de tudo, proporcionar uma consciência ambiental do território onde se vive para, a partir daí, compreender o que se quer defender.

Nesse sentido, um dos objectivos da programação do TNDM II foi levar o fazer artístico para longe dos grandes centros culturais, criando espaços para promover reflexões sobre os problemas de cada região. “Quem é que fala dos incêndios? Quem é que fala da desertificação, de monoculturas, de envelhecimento? Que arte é que fala sobre isso? Para eu me rever, me ajudar, me apaziguar, me revoltar, como é que me ajudam a pensar a minha circunstância?”, questiona Luís Sousa Ferreira.

O Guarda Rios vai procurando as respostas a essas perguntas adentrando no território. Em Tavira, o grupo não só foi conhecendo a cidade, os seus museus, os seus lugares de encontro, as associações algarvias ligadas ao ambiente, como se aproximou das suas periferias naturais, visitando a ria Formosa, que é um ecossistema importantíssimo na zona costeira da região, mas também indo para dentro.

Na manhã seguinte à visita das hortas, o trio tinha um encontro marcado com o Centro de Ciência Viva de Tavira no pego do Inferno, onde, devido a um desnível, a ribeira da Asseca formou ali uma cascata e produziu em baixo um fundão com um pequeno lago, que também será alimentado por águas subterrâneas. Localizado a alguns quilómetros a noroeste de Tavira, o pego ocorre 100 metros antes da ribeira se fundir com outro curso de água e dar lugar ao rio Séqua, que na antiga ponte de Tavira se torna o rio Gilão, e desagua no mar. Mas naquela manhã, entre o canavial intenso, percorria-se aquela centena de metros sem pisar água.

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“Estamos fartos de caminhar por leitos secos. Do Minho ao Algarve”, constata Nuno Barroso, sem muita alegria, que explica que o grupo até desenvolveu um mote: “Caminhar pelo leito, navegar pela margem”.

Quem for procurar pelo pego do Inferno a um motor de busca, vai encontrar imagens de um corpo de água volumoso de cor turquesa e uma cascata viva. A realidade de Outubro passado era outra. O nível da água do pego estava cerca de dois metros abaixo do normal e nem um fio de água corria pela parede da cascata.

“Isto está muito mau, acho que nunca vi isto tão mau”, diz João Afonso, biólogo marinho do Centro de Ciência Viva de Tavira, o guia no terreno nessa manhã. O biólogo está habituado a vir ao pego analisar a qualidade da água a partir da variedade de macroinvertebrados existentes no leito. “Nunca vi a cascata sem correr nada de todo”, constata por sua vez Diogo Domingos, microbiólogo, também daquele centro.

Francisco Pinheiro encontra a uns metros do pego um cágado com a carapaça virada ao contrário. Nuno Barroso vai fotografar uma rã enorme. Uma libélula passa por ali. Um freixo que cresce na falésia do pego estende as suas enormes raízes expostas pela descida do nível da água. Com uma pequena rede, João Afonso vai arrastando poucos metros de leito do pego para ir capturando os macroinvertebrados que habitam entre lodo, terra e pequenas pedras. Há vida, mas é como se ela sustivesse a respiração.

“Dependendo das ordens [de animais] encontradas, estas vão indicar se a qualidade da água vai estar boa ou má”, explica o biólogo. “Se encontrarmos poucas ordens e muitas larvas de mosquitos, minhocas, anelídeos, significa que a qualidade da água não está boa”, refere, adiantando que faz estas análises com as escolas e com a Agência Portuguesa do Ambiente, mas sempre num contexto de voluntariado. Neste caso, os pequenos animais encontrados vão ser objecto de observação à tarde numa nova sessão que o Observatório dos Rios vai realizar na horta.

“Vamos tentar não destruir muito o fundo”, refere João Afonso. O resultado da pesquisa não foi famoso, poucos macroinvertebrados são encontrados. As questões são cumulativas. Além da seca, o pego está colonizado pelo peixe-mosquito, endémico dos Estados Unidos, que foi introduzido há décadas em Portugal para comer mosquitos, mas que se alimenta sobretudo de zooplâncton, importante regulador dos cursos de água. “O problema é que o pego está tão seco que tudo é comido”, adianta o biólogo.

“Claramente, o melhor é fazer a menos do que fazer a mais”, observa Joana Levi, que está sentada e vai ouvindo a história da introdução do peixe-mosquito em Portugal, que não deu bons resultados. Semanas depois, a artista fala sobre a importância destes mergulhos no território que o Guarda Rios faz. “Estar num lugar e ver as coisas, perceber [o que se passa], às vezes vale muito mais do que ler uma bibliografia gigante sobre aquilo”, relata, por telefone. “As fontes teóricas não fariam sentido sem as experiências no lugar, acho que é o ouro do processo ali com eles.”

Para a artista, há uma dimensão do afecto que faz parte do trabalho desenvolvido no Observatório dos Rios e que é muito importante no encontro com as pessoas. “Um rio é uma entidade viva, não é um recurso”, observa Joana Levi. “O diferencial no campo estético é relacionar com, é redimensionar a relação que se pode ter, e isso transforma-se quando a gente se afecta, quando aquilo que adoece o corpo do rio é o que nos adoece sensivelmente. E isso não quer dizer que não possa ser político, que não tenha base científica, nada está excluído, mas algo se dá no campo sensível. Acho que a arte tem que se ocupar desses temas. Senão, está alienada. Acredito que a potência de transformação passa por aí.”

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Sempre a água

Joana Levi é quem conta a história da enguia na apresentação final. À volta de uma fogueira, ela relata a longa travessia que o animal faz desde o mar dos Sargaços até aos rios portugueses – onde vive dezenas de anos –, das suas várias mudanças de forma, cor e tamanho, e de como ela está a desaparecer, com as múltiplas barreiras que são colocadas nos rios, com a sua pesca e a poluição.

“Um bicho que está cá há tantos milhões de anos, quando se extinguir, será que estaremos cá?”, indaga Francisco Pinheiro, exprimindo uma relação entre a sobrevivência da enguia e do ser humano que o PÚBLICO ouviu mais do que uma vez por esses dias.

Estes embates com a realidade também alimentaram as discussões que o Observatório dos Rios foi tendo. “Vamos sempre bater à questão da água. Aqui no Algarve, foi a questão dos abacateiros e outras produções que num determinado momento têm uma certa valorização económica e se está a sacrificar territórios atrás de territórios”, diz Nuno Barroso, referindo também a questão da salinização dos solos que ameaça aquela região. Em Tavira, “esta sensibilidade relativamente ao solo e às águas subterrâneas foi das coisas mais diferenciadoras”, aponta por sua vez Francisco Pinheiro.

As barreiras que vão partindo os rios são outro tema recorrente com que o Guarda Rios se depara. “Para nós, é importante perceber como é que uma barragem é comunicada ao público. Interessa-nos a narrativa oficial a par da do pescador ou daquela pessoa com mais idade que tem uma memória muito específica do território”, explica Francisco Pinheiro.

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Uma das peças usadas pelo grupo é uma caixa de madeira inclinada, do tamanho de uma mesa, onde se coloca bastante areia e serve para imitar a formação do rio. Ao deixar-se cair água de uma torneira, na parte de cima da caixa, é possível ir vendo como ela vai escavando com o leito de um rio. É preciso algum tempo, espera, observação.

“Temos um enorme interesse de fazermos deste tema uma coisa normal, das pessoas começarem a ir aos rios, darem um mergulho no rio. Perceberem o que é o Tejo, irem a Vila Velha de Ródão”, exemplifica Francisco Pinheiro. “Tornar estes territórios num tema de conversa, de comum, que entre na cultura.”