Frederico está a viver na Faculdade de Arquitectura. “É uma provocação e não uma solução” para a crise da habitação
O estudante Frederico Catarino montou uma residência autorizada e ao ar livre no jardim da Faculdade de Arquitectura do Porto. É o projecto de tese e uma crítica aos preços da habitação em Portugal.
Frederico Catarino está há uma semana a viver no jardim da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto — e não está sozinho. Não como último recurso face aos preços galopantes da habitação, salvaguarda, mas como crítica à crise e “caricatura, tanto utópica e distópica, da situação de alguns estudantes no ensino superior português”.
A “residência pop-up”, como lhe prefere chamar, foi montada a 12 de Abril e fica nas traseiras do edifício principal da FAUP. “Vivo aqui por escolha e sei que sou privilegiado por poder escolher viver na rua. Este espaço é o tema da minha tese de mestrado e, ao estar a dormir aqui, acabo por tomar conta dos pertences das pessoas que vivem aqui também”, explica ao P3.
Às 14h20, o estudante do último ano de arquitectura é o único residente no espaço sem tecto, ao ar livre, pronto para receber seis pessoas. Está sentado à mesa, que foi montada com pranchas metálicas e alicerces das obras, a beber café e ouvir música. Atrás ficam os beliches improvisados. Foram construídos com andaimes de dois andares — o suficiente para criar seis espaços abrigados e com alguma privacidade para dormir.
Frederico, 24 anos, ocupa um dos compartimentos do rés-do-chão. Todos têm colchão e estão totalmente tapados por uma cortina. Durante o dia, a estrutura metálica também funciona como local para estender as tolhas de banho e o espaço entre a relva e as divisões é usado para guardar o calçado.
A ideia da residência começou a formar-se em Janeiro, quando pensava em temas para a dissertação de mestrado. Nessa altura, a senhoria disse-lhe que teria de sair do apartamento onde vive, na baixa, junto à Torre dos Clérigos, até 15 de Julho, data em que o imóvel vai entrar em obras. Antes de decidir se regressa a casa dos pais que vivem em Torres Novas, Santarém, ou se volta a procurar casa no Porto, montou os quartos no jardim da faculdade.
“Em princípio, é um projecto que tem início e fim e que foi feito com autorização da direcção da faculdade. Tem o lado crítico, claro, mas também acaba por ser uma coisa experimental. Na primeira semana tive pessoas que ficaram cá uma noite e não precisavam, mas agora começo a ter alunos que realmente precisam de um sítio. Há uma rapariga dos arredores do Porto, de Ermesinde, que está à procura de quarto há meses e um rapaz que vive em Braga”, revela.
Segundo o jovem, quem aqui dorme fica poucos dias. Na grande maioria das vezes são estudantes que vivem longe da universidade e que têm poucos transportes públicos para regressarem a casa. Outros são alunos que ficam a trabalhar em projectos até tarde e acabam por passar a noite na "residência".
Depois de ouvir as histórias dos colegas durante a noite, Frederico fica com a sensação que é dos poucos estudantes deslocados que teve a sorte de encontrar um quarto no centro da cidade por um valor que considera acessível. Está a pagar 395 euros por um quarto individual. O achado, diz, foi recente, mas na mesma casa também há quem durma em marquises improvisadas e quartos sem janelas, as mesmas condições que lhe foram oferecidas nos últimos meses.
Conversas sobre habitação de dia, jantares e música à noite
Além de estadia, o espaço que imaginou e programou inclui conversas organizadas pela associação de estudantes/ Colectivo Parte e jantares entre alunos, professores e quem mais se quiser juntar na cozinha ao ar livre da “residência”. “Por um lado, é divertido porque temos vários eventos mas, por outro, ninguém quer que o alojamento estudantil chegue a este ponto”, alerta.
A crise da habitação é um tema recorrente das discussões até porque, defende, “a arquitectura não é só construir casas e escolher janelas”. Cabe-lhe o papel de marcar uma posição política e apresentar soluções, defende. “A minha tese vai incidir sobre o que aconteceu aqui e como foi criar esta residência. Depois vai ter um lado mais teórico sobre o porquê de termos de criar espaços assim e discutir este assunto. É uma provocação, uma caricatura, uma ironia e não uma solução do problema actual da habitação.”
As “discussões à mesa” acontecem todas as noites a partir das 19h, mas as vagas estão limitadas a 20 pessoas. Para garantir um lugar para jantar basta enviar mensagem privada para a conta de Instagram @proxima_faup, criada pelo estudante. O valor cobrado depende dos ingredientes necessários para preparar a refeição.
O menu do jantar da noite passada foi pesto de favas com esparguete e o chef de serviço é um dos docentes de arquitectura. Mas já não há lugares. Segundos depois de Frederico revelar o que é o jantar, há um estudante que chega e pergunta se ainda há vaga para mais um. O número de convidados subiu assim para 21.
Na bancada, que também é feita de pranchas, está um pequeno fogão, forno e botija de gás de campismo, uma panela grande e algumas travessas e copos de plástico. Atrás dos quartos fica a zona de lavar a loiça com uns tantos pratos e talheres a secar e, tapado por uma cortina, o chuveiro aquecido com a luz do sol. Como a faculdade está aberta 24h, podem usar a casas de banho sempre que quiserem.
Residência que é “mais do que casa”
Além da residência desmontável que Frederico construiu no jardim com a ajuda de colegas, os estudantes de Arquitectura estão a apresentar mais projectos ao abrigo do programa Mais do que Casas.
O projecto junta 25 escolas de Arquitectura do país e mais de 600 alunos e investigadores que, até quarta-feira, 24 de Abril, estão a apresentar projectos sobre "o que poderá ser o futuro da habitação nos próximos 50 anos". “É a perspectiva de como habitar espaço público, que carências existem e o que deve ser debatido”, explica Teresa Calix, vice-directora da faculdade.
Em relação à residência pop-up, o Frederico Catarino só se arrepende de não ter pedido desde o início ajuda a colegas e ao Colectivo para arranjar materiais e montar a estrutura metálica. “A ideia original até era criar cinco estruturas como esta, espalhadas pelo Porto, mas mais ilegais. Seria montar, habitar, desmontar e não teriam casa de banho ou chuveiro. Nas primeiras duas noites aqui dormi sozinho até que um rapaz do Colectivo apareceu para me ajudar”, recorda. Nas últimas noites já teve a companhia de pessoas que se inteiraram do projecto. A "residência" deverá ser desmontada no domingo, 28 de Abril.