Meio milhão nas ruas de Buenos Aires contra Milei
A maior manifestação popular desde a tomada de posse de Milei foi desencadeada pela ameaça de encerramento de várias universidades públicas por falta de financiamento.
Ao fim de quatro meses no poder, o Presidente argentino, Javier Milei, viu-se confrontado com uma das maiores manifestações antigovernamentais dos últimos anos. Cerca de meio milhão de pessoas encheram as ruas de Buenos Aires nesta terça-feira em protesto contra as políticas de austeridade impostas pelo Governo.
As manifestações foram convocadas pelas organizações que congregam as universidades argentinas, sindicatos e associações estudantis, unidas na denúncia do desinvestimento nas instituições de ensino superior no país, mas depressa se tornaram uma contestação global às políticas de Milei.
Mais de meio milhão de pessoas encheram o coração de Buenos Aires, numa marcha que teve ponto de partida em várias universidades e faculdades e desembocou na Praça de Maio — a polícia aponta para apenas 150 mil manifestantes. Noutras grandes cidades argentinas, como Córdoba, Mendoza ou Rosário, também se organizaram protestos maciços que, no total, terão juntado um milhão em todo o país, segundo o jornal de esquerda Página 12.
A marcha de Buenos Aires juntou estudantes, professores, trabalhadores de vários sectores e políticos de toda a oposição. Muitos levavam consigo livros, como símbolo do que consideram um ataque do Governo à educação pública e gratuita, vista como um legado fundamental da Argentina democrática.
Várias universidades estatais têm divulgado alertas para a situação calamitosa vivida nas instituições causada pela falta de financiamento. Até mesmo a Universidade de Buenos Aires (UBA), a mais prestigiada e a maior do país, avisou recentemente que corre o risco de ter de suspender o seu funcionamento nos próximos meses por não ter orçamento suficiente para pagar contas.
“A universidade lutando também está ensinando” ou “a UBA não se vende, a UBA defende-se”, eram alguns dos slogans escutados durante a manifestação.
Em causa está o financiamento das universidades, que terão o mesmo orçamento para este ano, apesar de a inflação ter subido 300% e o preço de serviços como a electricidade terem aumentado mais de 500% desde então.
Ao lado dos estudantes actuais, muitos antigos diplomados vieram prestar solidariedade à sua luta, engrossando as fileiras das manifestações contra as políticas de Milei. “Vim em honra e agradecimento pelo que sou hoje”, dizia ao Página 12 Silvia Quiroga, antiga estudante de Economia na UBA. “Tenho 73 anos, podia ter ficado em casa, mas não. Tenho motivos pelos quais lutar, além do meu país que amo”, afirmou.
“Venho para defender a universidade pública e porque os meus princípios estão muito longe dos do actual Governo”, disse à Reuters o arquitecto Pedro Palm, de 82 anos, e antigo estudante da UBA. Para além de estudantes, também estiveram na manifestação de Buenos Aires representantes de colectivos importantes, como as Mães da Praça de Maio.
O Governo tentou minimizar a importância das manifestações. Milei passou o dia a fazer e partilhar publicações na rede social X em que os protestos eram apresentados como pouco participados e organizados apenas por movimentos peronistas. “Não temos o desejo de encerrar universidades”, garantiu o porta-voz presidencial Manuel Adorni.
Ao fim do dia, Milei publicou uma imagem de um leão a beber de uma chávena em que se lê “lágrimas de esquerdistas”.
O Governo está apenas disposto a aumentar em 70% o orçamento das universidades para despesas correntes, que não incluem os salários que correspondem a 90% dos gastos das instituições.
A forte contenção dos gastos públicos faz parte do ambicioso plano de Milei para conter o défice e a inflação. Quando se apresentou às eleições presidenciais, o economista que se apresenta como um anarcocapitalista não escondeu que as suas medidas teriam um forte impacto nos serviços públicos, mas nada disso o impediu de ser eleito Presidente, derrotando o candidato peronista, Sergio Massa.
Desde então, embora muitas das suas reformas tenham caído por terra por não dispor de uma maioria parlamentar, Milei conseguiu suspender todas as obras públicas, encerrar vários organismos estatais e despedir dezenas de milhares de funcionários públicos.
No início da semana, Milei apresentou a primeira grande vitória do seu Governo com a publicação do primeiro excedente orçamental, de 0,2% do PIB, em 16 anos, dizendo que este será o ponto de partida para uma “nova era de prosperidade na Argentina”.