Abate de estrela-do-mar que devora corais protege a Grande Barreira da Austrália
Abate direccionado de uma estrela-do-mar voraz, que se alimenta de corais, pode ajudar a proteger os recifes da Grande Barreira na Austrália em tempos de crise climática, sugere estudo da Plos One.
O que pode fazer a Austrália sabendo que tem pela frente aquele que poderá ser o pior Verão da sua Grande Barreira de Coral? Concentrar-se nas ameaças sobre as quais é possível agir directamente, sugerem os cientistas – o que, neste caso, significa continuar a fazer uma gestão proactiva e sustentada de uma espécie de estrela-do-mar que devora corais alarvemente.
Ciclones, episódios de branqueamento de corais e surtos da estrela-do-mar Acanthaster planci são os principais factores de mortalidade de recifes coralígenos na região. É difícil controlar fenómenos naturais exacerbados pela crise climática – como é o caso da subida da temperatura do oceano –, mas é possível fazer o abate direccionado da espécie devoradora de corais, também conhecida como coroa-de-espinhos.
“A gestão baseada na resiliência é essencial para proteger os ecossistemas no Antropoceno. Ao contrário das ameaças climáticas em grande escala aos corais da Grande Barreira de Coral, os surtos de estrelas-do-mar-coroa-de-espinhos que devoram corais (Acanthaster) podem ser geridos directamente através de abate direccionado”, escrevem os autores de um estudo publicado esta quarta-feira na revista científica Plos One.
O estudo avalia os resultados de uma década de estratégias de gestão destas estrelas-do-mar famintas com o objectivo de suprimir surtos e proteger os recifes de corais. Entre os autores do estudo estão investigadores da própria Autoridade do Parque Marinho da Grande Barreira de Coral, incluindo o primeiro autor, Samuel A. Matthews.
Os cientistas comparam a densidade de Acanthaster planci e a cobertura de coral durante a terceira e quarta vaga de surtos, em diferentes áreas dos recifes de corais. A estratégia de gestão da coroa-de-espinhos só começou na quarta onda de surtos, e daí o interesse de usar a vaga anterior como parâmetro.
O estudo sugere que recifes onde houve níveis mais elevados de abate de estrelas-do-mar tiveram aumentos maiores na cobertura de corais, enquanto a taxa de perda de corais foi de mais de 50% em zonas onde houve um baixo esforço de abate.
“Os resultados claros da protecção dos corais demonstram o valor do abate manual direccionado como uma intervenção escalável para mitigar surtos de estrela-do-mar-coroa-de-espinhos e uma poderosa ferramenta de gestão baseada na resiliência para ‘ganhar tempo’ para os recifes de coral, protegendo as funções dos ecossistemas dos recifes e a biodiversidade à medida que o clima muda”, lê-se no estudo da Plos One.
A espécie Acanthaster planci, ou simplesmente coroa-de-espinhos, alimenta-se de pólipos de corais, de onde extrai nutrientes. Estas estrelas-do-mar são descritas como equinodermos muito vorazes, podendo ter um impacto devastador nos recifes se as populações crescerem muito.
Um estudo de 2012, publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences, indicava, por exemplo, que só este predador havia sido responsável por mais de 4o% dos danos que levaram, ao longo de 27 anos, à perda de mais da metade da área de corais da Grande Barreira.
Ciclones e outros desafios
A Grande Barreira de Coral está a enfrentar múltiplos desafios neste Verão (no hemisfério Sul). Além do episódio de branqueamento maciço de corais – o quinto numa janela temporal de oito anos –, a Austrália tem na lista de desafios ciclones, inundações e os já referidos surtos de estrelas-do-mar famintas, segundo um relatório oficial do governo australiano.
Um outro relatório da Autoridade do Parque Marinho da Grande Barreira de Coral, que incluiu um estudo detalhado de 1080 recifes, sublinha precisamente o aumento dos impactos cumulativos nesta estação. De acordo com o documento, descobriu-se que 39% da área estudada estava afectada por níveis muito elevados ou extremos de branqueamento, com os recifes do sul a apresentar os níveis mais elevados de stress térmico.
A Grande Barreira de Coral tem um peso considerável no sector turístico do país, contribuindo com cerca de seis milhões de dólares australianos (3,6 mil milhões de euros) e representando aproximadamente 64.000 postos de trabalho. Por outras palavras, há uma urgência por parte das autoridades nacional em proteger este património natural por razões ambientais, mas também socioeconómicas.
A agência norte-americana para a Atmosfera e os Oceanos (NOAA, na sigla em inglês) já havia alertado em Março que o todo planeta estava a caminhar para um quarto episódio de branqueamento maciço de corais, que poderia provocar a morte de vastas áreas de recifes tropicais, incluindo partes da Grande Barreira de Coral.
Uma vez expostos a temperaturas muito altas, os corais perdem as algas coloridas que habitam os seus tecidos e ficam destituídos de cor. O branqueamento dos corais ocorre na sequência de meses consecutivos em que foram registadas temperaturas recordes no oceano, um fenómeno impulsionado pelas alterações climáticas e agravado pelo padrão El Niño.