Há 56 empresas que são responsáveis por mais de metade da poluição por plástico (com marca)

Estudo diz que existe uma relação directa entre produção e poluição de plástico. Para o evitar, é preciso que as empresas “reduzam os plásticos nos seus produtos e evitem alternativas lamentáveis”.

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A Coca-Cola é a empresa de bens de consumo mais responsável pelos resíduos de plásticos em que é possível identificar a marca a que pertencem Eduardo Bodiño, Más Río Menos Basura, 2023
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Pode parecer uma conclusão óbvia, mas agora há números que o provam: cada aumento de 1% na produção de plástico está associado a um aumento de 1% na poluição por plástico, segundo um estudo publicado nesta quarta-feira na revista Science Advances, que estabelece uma ligação directa entre a produção de plástico e a poluição ambiental. O estudo destaca que as empresas de bens de consumo rápido são as que mais contribuem para este problema.

Além disso, os investigadores concluíram que 56 empresas globais são responsáveis por mais de metade de toda a poluição por plásticos provenientes de marcas. Os dados referem-se a uma análise feita aos resíduos recolhidos em mais de 1500 recolhas de lixo em 84 países — incluindo Portugal.

A Coca-Cola é a maior responsável pelos resíduos de marcas, com 11% do total de resíduos que exibem uma marca, seguida da PepsiCo (5%), da Nestlé (3%), da Danone (3%) e da Altria/Philip Morris International (2%). As cinco maiores empresas foram responsáveis por 24% do plástico produzido por marcas, e 19.586 empresas foram responsáveis por todo o plástico com marca.

As principais empresas responsáveis que foram identificadas produzem produtos alimentares, bebidas ou tabaco. "São as empresas de bens de grande consumo que contribuem de forma desproporcionada para a poluição plástica", sublinha Sybil Bullock, co-autora do estudo, em declarações ao PÚBLICO.

A autora afirma que as conclusões do estudo "servem para enfatizar a necessidade urgente de acção no âmbito do tratado global sobre plásticos, que defende a eliminação de produtos de plástico de alto risco".

"O nosso estudo sublinha o papel fundamental da responsabilidade das empresas no combate à poluição por plásticos. Nós, enquanto indivíduos, não somos responsáveis pela crise dos plásticos, o ónus para tomar medidas decisivas recai sobre estas 56 empresas globais”, defende a autora do estudo Lisa Erdle, directora de Ciência e Inovação do The 5 Gyres Institute.

A análise foi realizada durante um período de cinco anos e utilizou dados da auditoria de marca #BreakFreeFromPlastic de 1576 eventos de análise da poluição por plástico em 84 países. Este estudo representa a primeira quantificação consistente da relação global entre produção de plástico e a poluição, avança o comunicado da Break Free From Plastic. Estas análises são feitas por cidadãos voluntários que fazem limpezas de resíduos e documentam o lixo recolhido e as marcas a que correspondem. Os dados foram submetidos por mais de 200 mil voluntários.

Em Portugal, foram também encontradas centenas de resíduos de plástico. Entre as marcas mais registadas em Portugal (em números reduzidos, comparando com outros países) estão a Unilever, Super Bock, Fini, Tetra Pak, Luso ou Penacova. Aqui é possível verificar os impactos em cada país incluído na análise, desde 2018.

Voluntários do Greenpeace Indonésia participam numa auditoria de marca em 20 de janeiro de 2024 em Jacarta, Indonésia Ezra Acayan, Break Free From Plastic, 2024
Ezra Acayan, Break Free From Plastic, 2024
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Voluntários do Greenpeace Indonésia participam numa auditoria de marca em 20 de janeiro de 2024 em Jacarta, Indonésia Ezra Acayan, Break Free From Plastic, 2024

É preciso maior transparência das marcas

Já os artigos de plástico sem marca totalizam 52% da percentagem média total do plástico. Há alguns factores que fazem com que os resíduos de plástico deixem de ter a marca perceptível, como “a degradação pela água, sol e ar, tempo de permanência do material no ambiente, qualidade da tinta utilizada e tipo de material ou morfologia”, lê-se no estudo. Por isto, os investigadores dizem ser precisa mais transparência por parte das marcas “na produção e rotulagem dos produtos e embalagens de plástico para melhorar a rastreabilidade e a responsabilização”.

Os autores sugerem, no estudo, “a criação de uma base de dados internacional de acesso livre na qual as empresas sejam obrigadas a comunicar os seus produtos, embalagens, marcas e emissões para o ambiente”. Além disso, recomendam “o desenvolvimento de normas internacionais sobre a marca das embalagens para facilitar a sua identificação”.

A investigadora Sybil Bullock confessa que a equipa não esperava uma correlação tão directa entre produção de embalagens de plástico e resíduos de plástico. "O facto de ser uma relação de 1:1 é revelador. O que isto significa é que, à medida que as empresas dependentes do plástico aumentam as suas operações, contribuem directamente com mais resíduos". O que dá também força à tese de que o tratado global dos plásticos se deve focar mais na produção e não apenas no fim de vida dos plásticos (como a reciclagem).

Como travar a poluição global por plástico?

Os investigadores concluíram que, “para combater eficazmente a poluição global por plásticos, se exige que as empresas produtoras de resíduos de plástico reduzam os plásticos nos seus produtos e evitem alternativas lamentáveis”. "A ciência não podia ser mais clara: reduzir a produção de plástico é essencial para travar a poluição por plásticos", resume Sybil.

Para isto, é fundamental que se elimine, gradualmente, os produtos de utilização única não essenciais e evitáveis, optando-se pela concepção de produtos seguros e sustentáveis que reduzam a procura global de produtos. Assim, aumenta-se a possibilidade de reutilização, reparação e reciclagem.

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Resíduos de plástico com marca das duas empresas mais poluentes The Coca-Cola Company e PepsiCo recolhidos por voluntários ucranianos em 2020 Julia Kalashnikowa, NGO We Are From Ukraine, 2020

Os autores afirmam no estudo que a "forte relação linear entre a produção de plástico e a poluição por plástico de marca, em todas as geografias e em sistemas de gestão de resíduos muito diferentes, sugere que a redução da produção de plástico é a principal solução para travar a poluição por plásticos".

"Este estudo científico confirma o que os activistas e as comunidades afectadas pela poluição por plásticos têm vindo a dizer há anos: quanto mais plástico é produzido, mais plástico é encontrado no ambiente”, reforça Sybil Bullock, directora de campanha associada do movimento Break Free From Plastic, citada pelo comunicado da organização.

A co-autora reforça ao PÚBLICO as reivindicações da Break Free From Plastic sobre ser imperativo que "as empresas tomem medidas imediatas para eliminar progressivamente as embalagens de plástico de utilização única, a fim de abordar eficazmente os impactos ambientais, sociais e económicos destes plásticos de utilização única".

Além disso, Sybil Bullock defende a urgência de "acabar com o apoio a falsas soluções, como a queima de plástico e a reciclagem química". "As embalagens de utilização única contribuem desproporcionadamente para a poluição por plásticos de marca e os sistemas de gestão de resíduos desempenham um papel importante na resolução do problema, mas são insuficientes para eliminar as emissões de plástico para o ambiente", dizem os investigadores.

Voluntários da Green Africa Youth Organization e da End Plastic Pollution Uganda examinam resíduos de plástico de marca e registam dados de auditoria de marca em Kampala, Uganda Nirere Sadrach, End Plastic Pollution Uganda, 2022
Voluntários do Trash Hero Thailand posam com os resíduos que recolheram no âmbito de uma auditoria à marca em 2022 Trash Hero Thailand, 2022
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Voluntários da Green Africa Youth Organization e da End Plastic Pollution Uganda examinam resíduos de plástico de marca e registam dados de auditoria de marca em Kampala, Uganda Nirere Sadrach, End Plastic Pollution Uganda, 2022

Desta forma, os autores relembram que é necessária, também, a acção por parte de gestores de marcas de produtores e decisores políticos para dar prioridade a esta redução do plástico.

O tratado global sobre plásticos

Durante esta semana, líderes globais, cientistas, organizações sem fins lucrativos e lobistas reúnem-se no Canadá para fazer progressos num primeiro tratado global sobre plásticos. O objectivo é dar resposta à crise da poluição do plástico, naquela que é a quarta ronda de negociações (INC-4) para elaborar um tratado global para controlar a poluição dos plásticos. Mas, para isso, precisam de negociar e chegar a um consenso primeiro.

Um voluntário em Lviv, Ucrânia, a registar dados sobre copos de utilização única Andriana Syvanych, Zero Waste Lviv, 2021
Um guia visual ajuda os voluntários a categorizar os diferentes tipos de resíduos de plástico durante uma auditoria de marca na Tailândia em 2020 Wason Wanichakorn, Greenpeace Thailand, 2020
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Um voluntário em Lviv, Ucrânia, a registar dados sobre copos de utilização única Andriana Syvanych, Zero Waste Lviv, 2021

Se os Governos conseguirem chegar a um acordo, este tratado poderá tornar-se o pacto mais importante para combater as emissões globais de gases com efeito de estufa desde o Acordo de Paris de 2015.

Existem entraves que podem ser determinantes sobre o quão longe o tratado deve ir. Produtores de plástico e petroquímicos, como a Arábia Saudita, o Irão e a China, têm mostrado oposição a restrições na fase de produção de plástico e à proibição de determinados produtos químicos. Estes países focam a atenção apenas nas medidas de combate na comercialização e defendem que o tratado deve centrar-se só no controlo dos resíduos de plástico.

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Uma equipa de voluntários transfere sacos de resíduos de plástico do seu barco para terra, a fim de começar a auditar a amostra no âmbito de uma auditoria de marca no Brasil em 2021 Renato Errejota, Limpando Trilha, 2021

Do outro lado da moeda, as organizações sem fins lucrativos e uma coligação de países denominada High-Ambition Coalition (Coligação de Alta Ambição para Acabar com a Poluição Plástica, numa tradução livre), que engloba mais de 60 países e inclui os EUA, Japão, Austrália, Ruanda, México e Emirados Árabes Unidos, ambicionam a meta de diminuir o uso de plástico até 2040 e defendem um tratado forte que aborde a produção e exija transparência e controlo dos produtos químicos utilizados. As negociações desta semana têm o desafio de encontrar pontos comuns entre as partes interessadas.

"No momento em que os líderes mundiais negoceiam um Tratado Global sobre Plásticos no INC-4, esta semana em Otava, Canadá, esta investigação serve de ferramenta para apoiar um tratado juridicamente vinculativo de grande ambição que inclua disposições sobre a responsabilidade das empresas, dando prioridade a medidas de redução da produção de plástico e promovendo sistemas de reutilização e recarga", afirma ao PÚBLICO investigadora Sybil Bullock.


Texto editado por Claudia Carvalho Silva