Começa esta segunda-feira, em Lisboa, o julgamento de onze apoiantes do movimento Climáximo, que se estende até à véspera do 25 de Abril. Ao lado do Campus da Justiça, durante os três dias de audiências, activistas pela justiça climática assentam arraiais para mostrar o seu descontentamento.
Os onze manifestantes em julgamento, com idades entre 20 e 58 anos, estão acusados de crimes de desobediência e, nalguns casos, também de atentado à segurança de transporte rodoviário. Em caso de condenação, arriscam penas superiores a um ano de prisão.
Contudo, com “solidariedade e resistência”, o movimento Climáximo promete não deixar passar em branco a dimensão política da data deste julgamento dos “Onze de Abril”, que acontece nos dias que antecedem a celebração dos 50 anos da Revolução dos Cravos.
“É uma triste ironia que demonstra as contradições da sociedade em que vivemos”, considera Maria Mesquita, uma das activistas acusadas. Num momento em que se celebram as conquistas do movimento de resistência que conseguiu pôr fim ao Estado Novo, afirma a activista, “está-se a criminalizar as pessoas que estão a lutar pela vida”.
Coreografia da desobediência
De acordo com a equipa legal do colectivo, da qual Maria Mesquita faz parte, só nos últimos três meses do ano passado os apoiantes do Climáximo participaram em “29 acções directas para alertar a população” de que “os governos e as empresas declararam guerra contra as pessoas e o planeta”. Nesse período, foram registadas mais de 60 detenções: “entre 60 e 80 detenções, dependendo se contamos as identificações que ainda não tiveram seguimento por uma queixa”, descrevem.
Esta semana, os onze activistas são levados a julgamento devido a uma acção que decorreu a 14 de Dezembro do ano passado, um dia depois do encerramento da COP28, a cimeira do clima das Nações Unidas que, reunida no Dubai, chegou a conclusões que os activistas (assim como uma grande fatia da comunidade científica) consideram insuficientes.
Nesse dia, dois manifestantes penduraram-se num dos viadutos da Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, junto à entrada do túnel do Marquês, com uma faixa vermelha, enquanto oito pessoas sentaram-se na avenida, segurando outra faixa e condicionando o trânsito.
“O Governo e as empresas declararam guerra à sociedade e ao planeta”, lia-se numa das tarjas. Durante o bloqueio, uma pessoa dava apoio aos activistas pendurados, enquanto outra tirava fotos e vídeos da acção.
Depois de onze pessoas terem sido conduzidas para a esquadra, o Climáximo convocou uma vigília para junto da esquadra do Calvário. Repetiu-se, enfim, a “coreografia” já conhecida de outras acções “disruptivas” dos grupos de acção directa.
Afinal, o que querem os activistas?
Um ensaio produzido pela “equipa legal” do Climáximo em Janeiro deste ano descreve a perspectiva dos apoiantes do movimento nas já diversas vezes em que se cruzaram com o sistema de justiça.
Para os activistas, a forma como as autoridades (polícias e tribunais) lidam com aquilo que descrevem como “manifestações espontâneas” é uma escolha: entre as “várias decisões pessoais que cada funcionário do Estado está a fazer e podia optar por não fazer”, deter e levar activistas a tribunal por desobediência “não é procedimento, não é protocolo, é escolha”, afirmam.
Apesar de estar previsto na Constituição “o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização”, o facto é que a lei também prevê que possam ser interrompidas pelas forças de segurança as manifestações públicas que “perturbem grave e efectivamente a ordem e a tranquilidade públicas [ou] o livre exercício dos direitos das pessoas” (como, por exemplo, cortar o tráfego num eixo rodoviário importante sem aviso prévio).
Contudo, mesmo sem questionar necessariamente a legalidade das decisões até hoje tomadas, os activistas apelam à margem de decisão de agentes e magistrados que permitiria reconhecer, de alguma forma, a legitimidade política das acções. “Como todos aprendemos como crianças, há várias formas de não colaborar com as regras de um jogo”, escrevem.
Afinal, recordam os activistas pela justiça climática, “todos têm o dever de proteger, preservar, respeitar e assegurar a salvaguarda do equilíbrio climático, contribuindo para mitigar as alterações climáticas” - uma frase que não é da sua autoria, mas consta da própria Lei de Bases do Clima.
“A lei é feita de regras que criamos de acordo com a sociedade na altura e tem que ser interpretada de acordo com o contexto”, nota Maria Mesquita. “É por isso que existem tribunais e juízes, para interpretá-la.”
Questionada sobre o impacto da manifestação sobre os direitos de outras pessoas, a estudante relembra o seu direito constitucional e acrescenta que “aquilo que está em jogo é muito maior”: “Há uma falsa sensação de normalidade quando estamos a falar do colapso das condições materiais para a vida. Não consinto que os governos estejam a condenar tudo aquilo que eu amo [através da inacção]”, afirma.
Além disso, acrescenta: “Se o meu prédio estiver a arder e eu partir a porta do meu vizinho que estava em casa a ver um filme, vou ser condenada depois por partir essa porta?”
Diálogo
Tal como a chamada “litigância estratégica” é feita nos tribunais com objectivos que vão além da mera vitória legal do caso - ou seja, também a projecção mediática e o debate espoletado são factores que determinam uma vitória relativa -, estas acções de desobediência civil também ajudam a pôr o tema da justiça climática na agenda, ainda que nem sempre (aliás, poucas vezes) sejam vistos de forma consensual.
Maria Mesquita reconhece que estas acções podem ter o efeito de polarizar opiniões, mas faz parte do processo: “queremos trazer este debate para cima da mesa porque as pessoas precisam tomar uma posição, o que estamos a fazer é obrigar a sociedade a uma conversa connosco”.
Uma palavra-chave que muitas vezes fica perdida entre o “fogo de artifício” da acção directa é diálogo: “Ninguém tem o plano perfeito para acabar com a crise climática e para fazer de forma justa”, reconhece. “Nós estamos a aprender em conjunto, queremos chamar mais pessoas a juntarem-se e construírem a solução connosco.”
Entre os dias 22 e 24 terão lugar as “Assembleias de Abril”, um conjunto de debates, workshops e “assembleias de acção” organizadas pelo Climáximo para reflectir sobre a importância de resistir em nome da justiça climática, na Alameda dos Oceanos durante as manhãs, no Passeio do Tejo à tarde.
Todos os dias, às 19h30, estão também agendadas sessões sobre os “Julgamentos de Abril”, com declarações das arguidas à imprensa sobre o decorrer do julgamento, assim como testemunhos de cientistas e outros activistas. Segue-se sempre um “jantar com convívio” com um momento musical.
Pelo meio, esperam, poderá ser possível construir um plano que responda às preocupações dos activistas tendo por base a ciência e as preocupações com a justiça social, o que passa por uma transição que tenha também em conta a economia. “Temos que começar a construir o plano, mas acima de tudo temos que começar a aplicá-lo”, urge Maria Mesquita. “Já não temos tempo.”