“Bomba ambiental no coração da Galiza que Portugal não quer” deixa região contra projecto da Altri
Empresa portuguesa quer produzir na Galiza 400 mil toneladas de celulose solúvel e 200 mil toneladas de fibra têxtil vegetal. O investimento com dinheiros públicos ascende aos 900 milhões de euros.
A Altri Participaciones y Trading, SL, empresa que se dedica à produção de pasta de celulose e a culturas florestais de eucalipto para a indústria de madeira e papel, anunciou em 2022 a sua intenção de instalar na Galiza uma fábrica de produção de celulose solúvel e fibra têxtil vegetal. A nova unidade irá ocupar uma área com 366 hectares e está programada para transformar até 1,2 milhões de metros cúbicos de madeira de eucalipto das espécies Eucalyptus globulus e Eucalyptus nitens.
O projecto, pela sua dimensão e objectivos, tem merecido forte contestação dos residentes nos municípios de Melide e de Santiso (Corunha), Agolada (Pontevedra) e Palas de Rei (Lugo) que serão afectados pelas infra-estruturas associadas à nova fábrica. Cinco organizações ambientalistas espanholas (Amigas da Terra, Ecologistas en Acción, Greenpeace, SEO/BirdLife e WWF) juntaram-se aos protestos das populações e enviaram, no dia 20 de Março, uma exposição escrita à ministra da Transição Energética e Ambiente, Teresa Ribera, e ao ministro da Indústria, Jordi Hereu, contestando a instalação da fábrica.
O contencioso tem-se arrastado desde 2021, quando o Conselho da Junta da Galiza, então liderado por Alberto Núñez Feijóo, actual líder do Partido Popular espanhol, anunciou que a Altri iria instalar uma megafábrica para a produção de fibras vegetais destinadas à indústria têxtil e que iria dar trabalho a 2500 pessoas.
Em Julho de 2023, foi aprovada uma mudança de propriedade do projecto e a empresa promotora passou a ser a subsidiária Greenfiber SL, detida pela Altri (75%) e Greenalia (25%).
Manoel dos Santos, porta-voz da Greenpeace na Galiza, adiantou ao PÚBLICO que a nova fábrica “terá uma capacidade final de produção total de 400 mil toneladas de celulose solúvel por ano, e 200 mil toneladas de Lyocell (fibra têxtil vegetal)”.
A área escolhida pela Altri para instalar o empreendimento irá afectar vários espaços naturais da Rede Natura 2000 e ficará junto da Zona Especial de Conservação (ZEC) da Serra do Careón, que “ainda não foi adquirida”, mas o presidente da Junta Autónoma da Galiza (JAG), Alfonso Rueda, já anunciou a hipótese de avançar para a “expropriação” dos terrenos para onde se projecta a instalação da nova fábrica, salienta o porta-voz da Greenpeace.
O empreendimento foi declarado projecto industrial estratégico (PIE) por se tratar de uma iniciativa “única em toda a Europa”, na qual iria ser feito um investimento “superior a 800 milhões de euros” salienta o Diário Oficial da Galiza (DOG), em comunicado de 20 de Fevereiro de 2024.
Ambientalistas estão contra
Num território que revela enorme sensibilidade ecológica, a transformação de 1,2 milhões de metros cúbicos (m3) de madeira de eucalipto resultará no lançamento, pela chaminé da fábrica com 75 metros de altura, de emissões de “óxido de enxofre, óxido de azoto, monóxido de carbono e diversas partículas de substâncias perigosas”, referenciam os ambientalistas.
O projecto envolve também a utilização de recursos hídricos, “porque o volume de água de que necessita é enorme”, destaca Manoel dos Santos, lembrando que a Altri já solicitou à empresa Águas da Galiza a recolha de 46.000 metros cúbicos (m3/dia) de água e uma licença para descarga industrial no rio Ulla de 30.000 m3/dia de águas residuais tratadas, por um período de 75 anos. “É o que consome toda a província de Lugo ou uma cidade de 350 mil habitantes” sem que tenham sido tomados em conta os cenários futuros de alterações climáticas, que, “tudo indica, reduzirão a disponibilidade de água”, realça o porta-voz da Greenpeace.
Os residentes nos municípios vizinhos do empreendimento temem as consequências da produção de celulose e fibra têxtil nas linhas de água que receberão os débitos utilizados na actividade industrial. “Teremos um enorme impacto ambiental e socioeconómico com o lançamento no rio Ulla da água de um efluente depois de submetido a processos industriais poluentes e de purificação industrial.” Um rio que “já apresenta elevados níveis de poluição e que desagua na ria de Arousa, um dos dois grandes pulmões económicos da Galiza pela relevância do sector das pescas”, alertam as comunidades piscatórias afectadas.
Este conjunto de circunstâncias acabará por equivaler a “uma bomba ambiental no coração da Galiza que Portugal não quer”. A acusação foi lançada por Olalla Rodil, deputada do Bloco Nacionalista Galego (BNG), o maior partido da oposição no parlamento da Galiza, durante uma conferência de imprensa realizada no passado dia 21 de Março, para denunciar a exigência da empresa portuguesa de que o projecto seja suportado em 25% com financiamento público do Estado espanhol. Nos documentos apresentados, “a Altri afirma que o investimento rondará os 900 milhões de euros, razão pela qual pede entre 200 e 250 milhões”, confirma Manoel dos Santos, destacando outro dado que pode ser decisivo para concretização do projecto: “A empresa quer ter acesso aos fundos europeus do Next Generation”.
Fonte oficial da Greenfiber, SL adiantou ao PÚBLICO que os últimos estudos e estimativas, que foram efectuados para a elaboração do projecto, indicam que o investimento a aplicar “será superior a 850 milhões e espera-se um apoio do Governo central na ordem dos 25% do investimento total”, frisando que a empresa “só avança” se o financiamento com fundos europeus for garantido.
A empresa contesta os argumentos que têm sido divulgados pelos opositores do projecto sobre os impactos da nova unidade industrial nos ecossistemas. “As actividades da fábrica que a Greenfiber, SL pretende lançar na Galiza não representam qualquer risco para as pessoas, os animais ou o ambiente, uma vez que o projecto foi concebido com um elevado nível de exigências ambientais”. Refere ainda que haverá um “cumprimento escrupuloso das normas europeias, espanholas e galegas”.
E destaca os critérios que a empresa se compromete a seguir em relação ao uso da água: “Será purificada antes do seu retorno ao meio ambiente, o que garante que estará nas mesmas condições ou até melhores em alguns parâmetros, já que o processo exige água de alta qualidade. Ao manter a qualidade da água, a flora e a fauna do rio Ulla e as margens de marisco do estuário de Arousa não serão afectadas”. O pré-tratamento, diz a fonte da Greenfiber, SL, “garante que a concentração de partículas será tão baixa que o impacto na atmosfera e na saúde será zero”.
Mas a deputada do BNG não aceita as explicações da Greenfiber, SL, alegando que a construção da fábrica causará “enormes danos a toda a bacia do rio Ulla” e que afectará não só Palas de Rei – localidade para onde está projectado o empreendimento –, mas também outros municípios como Agolada, Santiso e Melide e a ria de Arousa, para onde o rio Ulla descarrega o seu caudal.
“Por isso vamos iniciar uma ofensiva para a defesa da terra, do rio Ulla e da ria de Arousa” apresentando moções nos órgãos concelhios afectados pela fábrica de celulose, no parlamento da Galiza, no Senado espanhol e também no Parlamento Europeu, avançou Olalla Rodil, salientando que existem alternativas “ao modelo colonial que se pretende instalar e, ainda por cima, suportado com dinheiros públicos para colocar uma bomba ambiental no coração da Galiza, que Portugal não quer.”
Um relatório do Conselho da Cultura Galega (CCG), que o PÚBLICO consultou, alerta para o “modelo de exploração completamente destrutivo”, baseado em espécies do género Eucalyptus e na região galega.
Salienta que a área ocupada na Península Ibérica por esta cultura exótica “excede a existente noutros países europeus”. Assim, a área plantada com estas espécies em Espanha e Portugal estende-se por cerca de 1.480.000 hectares, enquanto os restantes países europeus ocupam cerca de 100.000 hectares, destaca o relatório, salientando uma consequência: “Não é surpreendente que em Espanha e Portugal exista uma considerável preocupação social sobre os efeitos ambientais deste tipo de culturas.”
E explica os seus efeitos nos ecossistemas: “São realizadas plantações florestais maciças com máquinas pesadas que removem o solo a grande profundidade. A maquinaria pesada entra nos terrenos, tanto durante o plantio como no corte e na retirada da madeira, e em inúmeras ocasiões produz danos irreversíveis ao património cultural ", analisa o relatório do CCG.
No passado dia 25 de Março, a Federação das Indústrias CCOO da Galiza divulgou um comunicado onde pedia “sanidade e diálogo” para que se pudesse realizar um projecto que “vai gerar muito emprego na região” e “vai aumentar os preços da madeira” pagos aos “100 mil proprietários florestais num território que já conta com 650 mil hectares de eucalipto plantados”.
Manoel dos Santos faz referência a um fluxo constante de madeira de eucalipto entre a Galiza e o Norte de Portugal. “É muito possível que a escolha da Galiza pela Altri se deva ao facto de o governo galego ter revelado ser mais permissivo com o cultivo do eucalipto do que o português, que restringiu mais o cultivo após os incêndios de Pedrógão Grande.”
A nova unidade fabril “utilizará matéria-prima (madeira de eucalipto) proveniente de duas florestas galegas”, salienta a Greenfiber, SL, que ainda não iniciou a construção da nova fábrica e ainda não dispõe de terreno para o fazer. A sua aquisição está dependente da garantia de financiamento público em cerca de 250 milhões de euros.
Entretanto, um grupo de técnicos da empresa de celulose liderada pelo director do projecto, Bruno Dapena, realiza sessões de esclarecimentos aos residentes dos municípios afectados, mas têm sido recebidos com fortes protestos, que terminam com um grito recorrente: “Altri, non! Altri, non!”