Os dois Leões de Ouro da 60.ª Bienal de Veneza foram para a Oceânia
A Austrália, com Archie Moore, recebe o prémio de melhor pavilhão nacional, e o Mataaho Collective, da Nova Zelândia, o Leão de Ouro da exposição internacional. Vida indígena no centro dos projectos.
Archie Moore, artista que ocupou o pavilhão da Austrália na 60.ª Bienal de Artes de Veneza com o projecto kith and kin, uma gigantesca árvore genealógica de pessoas indígenas desenhada com giz nas paredes escuras do espaço expositivo, venceu o Leão de Ouro para melhor representação nacional. Os prémios da bienal foram atribuídos este sábado, numa conferência de imprensa.
O Leão de Ouro da exposição internacional foi para o Mataaho Collective, sediado na Nova Zelândia. Este grupo de mulheres trouxe até Veneza uma instalação em que um emaranhado de peças de fibra evoca a feitura de tapetes que, na ancestral tradição do povo maori, ao qual as integrantes do colectivo pertencem, são empregues em cerimónias e acontecimentos como o trabalho de parto.
Julia Bryan-Wilson, presidente do júri da bienal (que também incluía a curadora e investigadora indonésia Alia Swastika, o historiador de arte nigeriano Chika Okeke-Agulu, a curadora italiana Elena Crippa e a curadora colombiana-francesa María Inés Rodríguez), afirmou que, em kith and kin, estão inscritos nas paredes “65 mil anos de história” de populações indígenas, “quer registada, quer perdida”.
Archie Moore, que começa a colossal esquematização de nomes próprios pela sua própria árvore genealógica, pede aos espectadores para “preencherem os espaços em branco”, reveladores das fendas e dos apagamentos nos arquivos históricos, “e assimilarem a fragilidade inerente deste arquivo lamentoso”, referiu a historiadora de arte e curadora norte-americana.
Ainda nas representações nacionais, o júri atribuiu uma menção especial ao Kosovo, que tem no seu pavilhão The Echoing Silences of Metal and Skin, da artista Doruntina Kastrati, que trabalha sobretudo com a escultura, a instalação e o vídeo. “Pequena, todavia potente”, esta instalação “refere-se ao trabalho industrial feminizado e ao desgaste dos corpos das mulheres trabalhadoras”, contextualizou María Inés Rodríguez.
No âmbito da exposição internacional, e além do Leão de Ouro concedido ao Mataaho Collective, cuja instalação é ao mesmo tempo “uma cosmologia e um abrigo”, como argumentou Julia Bryan-Wilson, foi atribuído o Leão de Prata de jovem artista promissor a Karimah Ashadu, nigeriana nascida no Reino Unido e radicada na Alemanha.
Ashadu, que trabalha com a imagem em movimento e não só, foi distinguida pelo seu vídeo Machine Boys, bem como por Wreath, a escultura em latão a ele associada. Com uma “intimidade abrasadora”, Machine Boys documenta a “vulnerabilidade” de homens jovens da Nigéria agrária que migraram para Lagos e acabam a conduzir “moto-táxis ilegais”, descreveu a jurada Alia Swastika, que destacou a forma como a nigeriana capta com sensibilidade a “precariedade económica” daqueles jovens e, em simultâneo, critica de forma subtil a sua “performance de masculinidade”.
A palestiniana Samia Halaby, figura crucial da pintura abstracta, e La Chola Poblete, artista da Argentina que aborda “histórias de representação colonial” através de uma perspectiva trans e indígena, receberam ainda menções especiais. A veterana Halaby, de 87 anos, dedicou o seu prémio aos jornalistas assassinados em Gaza. Poblete, por sua vez, disse ser “a primeira artista trans não-branca que consegue vir à Bienal de Veneza”. O seu trabalho esteve em Portugal, na Kunsthalle Lissabon, entre Abril e Junho do ano passado, naquela que foi a sua primeira exposição individual em solo europeu (de seu nome PAP ART).
A cerimónia começou com a entrega de dois Leões de Ouro de carreira, cujos destinatários eram já conhecidos: foram distinguidas Anna Maria Maiolino e Nil Yalter. Brasileira de 81 anos nascida em Itália, Maiolino, que se iniciou enquanto membro da Nova Figuração brasileira, movimento surgido nos anos 1960 que incorporava elementos e referências da arte pop, relacionou-se com várias disciplinas ao longo dos anos, desde o desenho à xilogravura, passando pela escultura, instalação, performance, poesia ou fotografia. A turco-francesa Nil Yalter também tem uma prática multidisciplinar, sendo uma pioneira da videoarte.
A exposição principal da edição deste ano da Bienal de Veneza tem como título e mote Estrangeiros em Todos os Lugares. Os mais de 300 criadores que a integram, oriundos de 80 países, são, na maior parte dos casos, artistas diaspóricos, indígenas, migrantes ou expatriados, por exemplo.