Mercearia mais antiga do Porto vai fechar e ser substituída pela Ale Hop

Abriu portas em 1880 e assistiu a muitas vidas da História portuguesa. Agora vai fechar e ser arrendada para uma loja Ale Hop. Dono diz que o negócio foi prejudicado pelo “capitalismo selvagem”.

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A Mercearia do Bolhão, na Rua da Formosa, onde também está a Pérola do Bolhão (na imagem), vai ser substituída por uma Ale Hop, mas fica a apenas 140 metros de outra loja da mesma marca Nelson Garrido
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Quem reinava quando abriu portas era D. Carlos, já tinha 30 anos quando a República foi implantada, estava em pleno funcionamento quando começou a I Guerra Mundial, assistiu à ascensão da ditadura em Portugal e depois à sua queda. Na Mercearia do Bolhão, a mais antiga do Porto, ainda se chegaram a fazer compras em réis antes do escudo; e em escudo antes do euro. Quase 150 anos depois de se ter instalado no coração da cidade, em 1880, está agora a poucos dias de encerrar para ser substituída por uma loja Ale Hop — a apenas 140 metros, mesmo ao virar da esquina, de outra loja da mesma cadeia espanhola.

O encerramento da Mercearia do Bolhão já está a ser divulgada à clientela que ali faz compras e foi noticiada esta sexta-feira, 19 de Abril, pelo Porto Canal. As portas vão fechar-se definitivamente a 30 de Abril, para que o espaço seja arrendado à empresa espanhola, mas as prateleiras cada vez mais despidas já vão denunciando o fim de uma história com 144 anos. Alberto Rodrigues, o proprietário, já anunciou em cartazes a liquidação total do espaço, com produtos à venda com 40% de desconto para escoar os expositores.

Vítor Franco, um dos funcionários da loja, que chegou a conhecer um dos fundadores da Mercearia do Bolhão, apenas um ano antes da sua morte, aos 94 anos, diz que "as lojas novas estão a dar cabo do comércio tradicional". É uma percepção de que Alberto Rodrigues também partilha: em 1998, quando se tornou o dono da mercearia — o quarto desde que ela foi fundada, após ter passado ainda pelo filho do fundador e depois por outro administrador — "tinha um rol impressionante de clientes".

Mas a seguir veio a pressão turística, com menos residentes e mais turistas em alojamentos locais, e isso levou a "uma transformação muito grande" do negócio, criticou, em declarações prestadas ao Porto Canal. "Agora, o capitalismo selvagem toma conta de tudo, não tem barreiras", disse ele. Teve de ceder: "Chega uma proposta de uma multinacional. Eu faço umas contitas… e acho que já vou nesta embalada." Alberto Rodrigues admite mesmo a possibilidade de vender definitivamente o espaço no futuro, em vez de o arrendar.

"Penso ‘que pena, que pena’, mas também que, se as pessoas gostam de ver estes espaços, também é preciso que os ajudem", lamenta ao Porto Canal: "Se eu visse aqui hipóteses de aumento, ou se tivesse um familiar que pegasse nisto…". Mas "tudo tem um fim": "Saio daqui com um bocado de tristeza, saio. Se estivesse mesmo a facturar bem, eu ia fazer o sacrifício de me manter à frente disto. Mas vêm outras coisas mais rentáveis. É como tudo..."

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