Cientistas querem usar a genómica para que “os nossos netos possam continuar a beber café de qualidade”
Sequenciamento do genes do café arábico (Coffea arabica) revela que a planta tem ainda menos diversidade genética do que se pensava, o que a deixa mais vulnerável às alterações climáticas.
Cientistas descodificaram o genoma do café mais popular – a espécie arábica (Coffea arabica) –, e descobriram que a sua base genética é ainda menos diversa do que se imaginava. Esta limitação deixa a planta numa posição vulnerável face às alterações climáticas, tornando difícil seleccionar cultivares resistentes sem a ajuda da genómica, sugere um artigo publicado esta semana na revista científica Nature Genetics.
“O café tem afinal uma base genética ainda mais estreita do que se pensava anteriormente, e isto pode causar problemas à produção de café devido às alterações climáticas. Portanto, precisamos destas novas ferramentas genómicas para acelerar a criação [de novas cultivares], de modo a que os nossos netos ainda possam beber café de alta qualidade, mesmo vivam num mundo drasticamente diferente do nosso”, afirma ao PÚBLICO Jarkko Salojärvi, primeiro autor do estudo.
Cultivares são variedades de plantas desenvolvidas através do cultivo com o objectivo de seleccionar determinadas características. Agora, com a crise climática, os cientistas estão preocupados em compreender melhor a genética do café para desenvolver com rapidez, recorrendo a ferramentas da ciência genómica, cultivares com maior tolerância térmica.
“Com as alterações climáticas em curso, prevê-se que a área adequada para a produção de café diminua drasticamente, havendo relatórios que afirmam que essa mesma área poderá ser reduzida para metade já em 2050. Uma solução que é possível graças aos nossos recursos genómicos consiste em criar rapidamente cultivares mais resistentes ao calor”, diz Salojärvi, professor na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura.
Um dos principais resultados do estudo da Nature Genetics reside no facto de todas as cultivares de café estarem “altamente relacionadas”. Por outras palavras, são todas muito próximas geneticamente, a exemplo do que pode acontecer em aldeias muito pequenas, remotas e isoladas. Quando há uma onda de calor, a população não resiste porque apresenta as mesmas características.
“Esta base genética comum significa que há muito pouca variação na resistência ao calor entre as cultivares. Da mesma forma, o material selvagem tinha uma quantidade muito baixa de variação, por isso há muito pouco material para os criadores de café trabalharem. Além disso, muitos dos indivíduos selvagens já estavam relacionados com as cultivares até certo ponto”, observa Jarkko Salojärvi.
A sequenciação do genoma da planta do café permitiu identificar as letrinhas que compõem as longas moléculas de ADN da espécie Coffea arabica. Esta molécula consiste no material genético dos seres vivos, ficando guardada nos núcleos de todas as células de todos os organismos vivos – incluindo uma simples planta de café.
As origens do café arábico
O cientista sublinha que este estudo da Nature Genetics também tem o mérito de mostrar como a ciência genómica pode oferecer “uma visão independente da história de uma espécie” – neste caso da planta Coffea arabica. “Mesmo que as espécies não consigam falar, elas ainda assim podem contar-nos a sua história”, diz Salojärvi, numa resposta por e-mail.
Para conseguir reconstituir o puzzle genómico do café arábico, os investigadores estudaram genomas de quase 40 plantas diferentes desta espécie, incluindo uma amostra de 1700, emprestada pelo Museu de História Natural de Londres, que o naturalista sueco Carlos Lineu, pioneiro da taxonomia moderna, usou para nomear precisamente a Coffea arabica L. Os cientistas também recorreram a duas outras espécies de café.
O estudo permitiu compreender melhor as origens genéticas da espécie. Os resultados encontrados pelos cientistas sugerem que o Coffea arabica se desenvolveu, há mais de 600.000 anos, através do cruzamento natural de outras duas espécies de café (a Coffea canephora e a Coffea eugenioides). Esta ocorrência terá tido lugar em áreas florestais que, hoje, correspondem à Etiópia.
“Recorremos a informação genómica de plantas vivas da actualidade para voltar no tempo e, assim, traçar um quadro o mais exacto possível da longa história do café arábica, bem como para determinar a forma como as variedades modernas estão relacionadas entre si”, afirma o co-autor Victor Albert, professor do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade de Buffalo, em Nova Iorque, nos Estados Unidos, citado numa nota de imprensa.
Victor Albert já havia integrado a equipa que sequenciou, em 2014, o primeiro rascunho de outra planta de café, a Coffea canefora, publicado então na revista Science. Esta espécie, juntamente com a arábica, domina actualmente o mercado internacional da bebida.
Para tentar recuar no tempo e descobrir as origens do café arábico, os autores do estudo recorreram a modelos informáticos capazes de procurar assinaturas genómicas entre várias amostras. Os resultados encontrados revelam a ocorrência de três estrangulamentos populacionais durante a história do café arábico, sendo que o mais antigo ocorreu há cerca de 29.000 gerações, ou seja, 610.000 anos. Isto sugere que o café arábico se formou algures antes disso, entre 610.000 e um milhão de anos atrás, refere a nota de imprensa da Universidade de Buffalo.
“É bastante claro que este evento de poliploidia é anterior aos humanos modernos e ao cultivo do café”, diz Albert. “Por outras palavras, o cruzamento que criou o café arábico não foi algo feito pelos humanos”, conclui o cientista.