Alexandra Leitão: “Será difícil a legislatura chegar ao fim” e “[ainda] mais se a política de não-abertura continuar”
Líder parlamentar garante que o PS “não será força de bloqueio” e admite que há uma “tempestade perfeita” que pode impedir o mandato de quatro anos e meio de chegar ao fim.
Ocupa o núcleo duro da direcção de Pedro Nuno Santos, de quem diz não se poder exigir uma vitória nas europeias, e deixa um aviso ao Governo: não vale a pena chantagear o PS no Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). O partido "não é pressionável", garante a deputada e membro do secretariado nacional socialista em entrevista ao programa Hora da Verdade, do PÚBLICO e Rádio Renascença.
Foi secretária de Estado, ministra da Administração Pública. Traz daí uma certa fama de ser negociadora e de ser dura. Vai ser uma força de bloqueio nas negociações com a AD no Parlamento?
Tinha fama de ser dura, mas fiquei sempre com óptimas recordações dos sindicatos com quem trabalhei. Não serei força de bloqueio porque nós não seremos força de bloqueio. Rejeito essa dicotomia que o primeiro-ministro nos tentou colar no discurso de posse, entre fazer oposição responsável ou ser força de bloqueio.
Vamos fazer oposição forte, assertiva, também colaborante quando tiver de ser, como já se verificou no episódio do presidente da Assembleia da República, mas a fazer o nosso papel e a defender o nosso programa. E isso não pode ser considerado força de bloqueio.
Entre as cinco medidas que o PS vai propor a curto prazo no Parlamento, há várias que o PSD tem votado contra nos últimos anos, como acabar com portagens. Foi uma escolha propositada para abrir uma guerra?
Acho que não. O Governo quer começar a trabalhar e por isso viabilizámos o seu programa. A oposição também tem os seus programas eleitorais e as suas propostas. Não procurámos o que era fracturante com o Governo, mas o que era mais emblemático e importante para nós.
Mas reconhece que há ali medidas que poderão fazer coligações negativas com o Chega e deixar o PSD em maus lençóis.
Coligações negativas, não sei. Eu também já ouvi muita gente do PSD defender, por exemplo, a redução das portagens. Veremos quais as maiorias que se formam. Não houve intenção de cavar uma clivagem artificial com o Governo. Seremos oposição responsável, mas não seremos muleta para o Governo desenvolver o seu programa eleitoral. Temos um programa eleitoral diferente, com uma visão estratégica não-liberal, com enfoque no papel do Estado nos serviços públicos e do Estado social.
Dois ex-ministros das Finanças do PS com peso político vieram dizer que é possível valorizar as carreiras, como as dos polícias, por exemplo, sem um rectificativo. Isso não fragiliza a posição do líder do PS ao insistir neste orçamento rectificativo?
O orçamento rectificativo é ir ao encontro das promessas quer do PS, quer da AD – estamos cá para fazer essa convergência. Comparando o Programa do Governo com o programa eleitoral da AD, há já algum recuo. Na verdade, o meu ponto com o orçamento é mais: não sei se há folga suficiente ou não para fazer isto.
Se no OE2025 estiverem lá várias medidas com as quais concordamos misturadas com medidas das quais discordamos, não vale a pena estar a meter tudo no mesmo pacote para depois criar uma situação de chantagem que o PS, para aprovar umas, tem que aprovar todas. Isso é um sinal de que, de facto, [o Governo] não pretende a abertura e o diálogo que tanto reitera. Quando há vontade, não se colocam as coisas num pacote para depois deixar entre a espada e a parede o principal partido da oposição.
A polémica do IRS mostrou que o primeiro-ministro e a AD não são confiáveis para negociar?
Não sei. É um episódio bastante mau, abala a credibilidade de um Governo de uma maioria ultra-relativa, com um empate técnico de número de mandatos, que ainda está a começar. É um Governo que só vai governar se puder e quiser negociar. E para negociar é preciso haver confiança. Portanto, sim, acho que isto é um problema.
E inquina essa abertura do PS para o diálogo?
Não inquina a abertura do PS. É um episódio que põe em causa a credibilidade [do executivo]. Quanto ao diálogo… quem tem que assegurar a estabilidade e explicar como é que a vai obter é, antes de mais, o Governo. Que nunca se comprometeu nem explicou como é que tenciona fazê-lo. A resposta é sempre ‘vamos dialogar com todos’, quando sabemos que não é assim com os partidos mais à esquerda. Mas, depois, o que encontramos em vários momentos é o sinal contrário.
No discurso de tomada de posse, que é bastante pouco dialogante, na linha do ‘vocês é que têm que decidir se querem fazer oposição ou se querem ser força de bloqueio’. Depois, a forma como o programa de governo foi construído, com aquelas medidas dos programas eleitorais dos vários partidos escolhidas unilateralmente e sem conversa prévia. E, depois, este entendimento que perpassou durante o debate do Programa do Governo, de que se a oposição viabiliza o programa significa que ou faz, no futuro, uma moção de rejeição, ou até lá tem que deixar governar, o que significa viabilizar tudo.
Acho isto absurdo no plano político e errado tecnicamente no plano jurídico-constitucional. Viabilizar um programa de governo é permitir que comece a trabalhar.
Há uma semana, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, dizia-se convicto de que o PS acabará mesmo por viabilizar a proposta de OE2025. O que é que tem para lhe dizer?
Eu gostava de lhe perguntar onde é que ele firma tal convicção.
Ele diz que o PS vai ser convencido [a viabilizar].
É sempre bom que alguém ache que nos consegue convencer. O Orçamento do Estado não é um projecto de lei sobre uma medida concreta, é a expressão financeira anual de um programa. É uma definição de políticas públicas que está na génese de visões estratégicas diferentes para o país e, portanto, é nessa medida que o PS tem sempre dito que é praticamente impossível, porque estaríamos a viabilizar uma visão estratégica diferente da nossa.
Mas é nesse ‘praticamente’ que o PSD nota que há margem para conseguir negociar e convencer o PS a viabilizar o documento.
É praticamente impossível por esta visão global que eu dei. Mas, bom, pelo que vimos nestas duas semanas entre a tomada de posse e o programa de governo, eu diria que por este andar vejo a coisa cada vez mais difícil. Se o entendimento que têm sobre o Programa do Governo é que por viabilizarmos supõem que é para sempre… eu diria que pelo andar da carruagem não estão a tornar a coisa mais fácil.
E como responde aos seus camaradas de partido, como José Luís Carneiro, que têm pedido insistentemente para que não se feche a porta ao diálogo para a viabilização de um orçamento?
Respondendo com aquela chapa 5 ‘somos um partido plural’ e que é praticamente impossível não fechar totalmente, mas é fechar quase totalmente.
Agora... a bola também não pode estar só do lado do Partido Socialista. Eu diria que a questão aí está mal colocada: quem governa é que tem a obrigação de dizer qual é a sua solução para a estabilidade. Portanto, a bola está, antes de mais, do lado do Governo. E depois vamos ver os sinais que esse governo dá, ao encontro do que vem, o que inclui, o que quer ouvir e o que quer negociar.
O PS tem insistido muito nessa ideia de que é oposição, mas oferece-se para o rectificativo, para participar na escolha da localização do aeroporto. Não está o PS a querer governar demais quando afinal é oposição?
Acho que não. Participar nessas decisões é ser uma oposição construtiva nas matérias em que há convergência – administração pública, decisão do aeroporto. Isso não é tentar governar por interposto Governo.
O PS tenciona relançar a revisão constitucional, tendo em conta que já tinham chegado a uma série de entendimentos com o PSD?
O contexto é muito diferente, em vários aspectos, é prematuro nesta fase estar a responder sobre isso. Não quer dizer que não houvesse actualizações que pudessem melhorar, mas a Constituição de 76 serve perfeitamente os propósitos do Estado Social, do Estado de Direito Democrático que nós somos. Não é algo que nos pareça urgente ou premente.
O facto de o Chega, neste momento, ter outro peso na AR, também é fonte desse cepticismo para uma nova revisão constitucional?
Não especificamente. Para rever a Constituição, são precisos dois terços e a AD com o Chega e a IL não têm. É mesmo porque estamos num momento diferente, com uma correlação de forças diferente, com um conjunto de prioridades identificadas. Não estou a pôr totalmente de lado, mas, neste momento, não vamos avançar já com isso. Nem identificámos isso como prioridade no programa eleitoral.
O PS vai apresentar um projecto de resolução para que o Programa de Estabilidade seja sujeito a votação? Seria um risco chegar a Bruxelas fragilizado por um chumbo?
Vamos analisar. Ainda não posso responder a isso. Nós não contribuiremos para dificuldades na nossa relação com a União Europeia ou com a credibilidade que queremos ter. Isso não significa viabilizações cegas, mas iremos tentar contribuir para a solução.
O PS vai indicar deputados para a Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras, mas a contragosto...
Acho que há outras prioridades em termos de Comissões Parlamentares de Inquérito com temas mais importantes.
Quais?
O PCP entrou com uma CPI sobre a ANA que nos parece que pode fazer bastante sentido.
Admite que o Presidente da República possa ser chamado a responder por escrito? E se ele recusar, qual é a percepção pública que fica?
Acho que temos que aguardar para ver. É uma matéria muito sensível, obviamente, porque envolve o Sr. Presidente da República,
O Chega pode cometer essa bravata de provocar uma reacção do Presidente da República. O que é que o PS faz?
Vamos ver em que moldes é que vem, em que momento e com que fundamentos; mas, à partida, diria que temos que analisar, é uma questão sensível. Deve ser vista com responsabilidade institucional, sem bravata, de uma forma que contribua para criar confiança da população nas instituições. Às vezes parece que o Chega está, sobretudo, empenhado em minar a credibilidade e a confiança dos políticos.
Também do Presidente?
Dos políticos em geral, desde logo esquecendo que também é o que é. Mas que lhes serve um propósito: é um contexto em que crescem, mas que é muito mau para a democracia e cria um conjunto de percepções que, nuns casos têm base factual, noutros casos não têm. Nós contribuiremos para a descoberta da verdade sempre com sentido institucional, sem populismos, sem aquela coisa de ‘são todos iguais’. E espero da parte do PSD, a mesma atitude, claro.
No seio das relações institucionais com o Presidente da República, e sabendo-se da dificuldade que será aprovar o OE2025, antevê pressões de Belém para que o PS viabilize o orçamento em nome da estabilidade governativa?
Não vou fazer nem essa previsão, nem essa antevisão. Percebo que o senhor Presidente da República se preocupe com a governabilidade e com a estabilidade, mas sei que o fará no quadro dos limites das suas competências constitucionais. Portanto, não antevejo como um cenário possível, e o PS também não é pressionável.
Passadas duas semanas da posse do Governo, tivemos estas buscas à Câmara de Cascais. Como interpreta esta ligação que foi feita ao ministro Miguel Pinto Luz e à construção da fábrica de máscaras. Ainda não ouvimos no PS uma posição sobre esta questão. Há alguma cautela?
Não sei exactamente em que sentido coloca a questão da cautela: do ponto de vista de comentar em tempo real uma questão de um processo judicial? Nem sabemos bem em que fase, e por isso, sim, há essa cautela e tem que haver. Tivemos, nos últimos anos, um conjunto de episódios relacionados com a justiça, o que faz com que sejamos muito cautelosos.
Em abstracto, se Pinto Luz, ou outro governante, for constituído arguido, qual é a possibilidade de se manter em funções?
Em termos constitucionais, a manutenção em funções não é prejudicada pela constituição como arguido.
Essa é a posição, por exemplo, de António Costa…
Do ponto de vista jurídico-constitucional, não prejudica, e do ponto de vista político não devemos ter uma posição em abstracto fechada quanto à questão da constituição de arguido. Poderá haver circunstâncias em que a constituição como arguido coloca dificuldades de natureza política à manutenção de um determinado cargo, e poderá haver outras circunstâncias em que não.
Há três questões a que é preciso responder: se o próprio perceber se tem condições ou não, a confiança do seu hierárquico (de quem o convidou), e também os contornos exactos da questão. Se a pergunta é: uma pessoa que é constituída arguida deve sair do governo? A minha resposta é: em abstracto, não automaticamente. Se pode haver situações em que a constituição como arguida, em função destas três perguntas e destes contornos, deva levar à saída? Em alguns casos, sim.
Temos também o caso do primeiro-ministro, sobre a construção da sua casa em Espinho. Se for constituído arguido, isso pode fragilizar de alguma maneira a acção do Governo?
A constituição como arguida de qualquer pessoa, político ou figura pública, infelizmente tem sempre algum efeito de fragilização pela percepção pública que cria. Se essa fragilização só por si deve determinar a saída do cargo, acho que não. Isto vale como princípio geral e não para A, B ou C. Pode haver casos em que as características concretas que rodeiam a situação fragilizem a tal ponto a pessoa que a questão se possa colocar.
Há pouco falámos sobre diálogo, mas não sobre o diálogo à esquerda. O PS aceitou aquele convite do Bloco de Esquerda, mas afinal a reunião nem sequer foi marcada. Isso não é prioritário, o PS corre em pista própria e ponto final?
Não, não significa isso. A reunião está mesmo prestes a ser marcada e não há nenhuma leitura política de ainda não ter ocorrido. Foi dito que seria depois do programa de governo. Para nós diálogo é mesmo diálogo, à esquerda, naturalmente. O PS orgulha-se bastante do entendimento que teve à esquerda entre 2015 e 2019, que foi um Governo de crescimento, de estabilidade.
Este encolher da esquerda em Portugal é inevitável e duradouro, tendo em conta a tendência europeia de virar à direita?
Existe essa tendência, de facto, muito por causa não do crescimento das direitas moderadas, mas por causa do crescimento das direitas radicais, populistas, de extrema-direita. Não acho que seja uma inevitabilidade, em Portugal, como no resto da Europa. Há fases, há ciclos, e creio que dependerá também de uma série de factores.
Essa tendência poderá acentuar-se nas europeias de Junho. Estamos a 15 dias do fim do prazo de entrega das listas para as eleições. Quando e como é que o PS vai decidir nomes? Ou está à espera que a AD apresente o cabeça de lista primeiro?
Creio que não é isso. Este início de legislatura foi intenso. O prazo para apresentação é 29 de Abril, portanto, já também não falta muito. Não posso dizer mais.
Francisco Assis veio colocar-se quase na beira do palco há alguns dias, faz sentido esse nome novamente?
Eu não li declarações que possam ser interpretadas assim. Mas é uma pessoa com experiência, muita capacidade política e intelectual, de conhecimento, e com grande aceitação. Não vou antecipar nada, é matéria do secretário-geral.
Se a AD não ganhar as eleições europeias, isto poderá acelerar o calendário eleitoral? Montenegro fica muito fragilizado politicamente?
Tenho ouvido e lido muita coisa nesse sentido: que viabilizar ou não esta ou aquela medida, ou o orçamento, terá muito a ver com o estado em que cada partido chega a essa altura, medindo o pulso pelas sondagens. E mesmo que sejam verdade naquele momento, podem não ser verdade daí a 15 dias; o tempo está muito acelerado em política e na sociedade em geral. Seria [estranho] da minha parte dizer que qualquer partido não olha, não pensa.
Eao contrário: se o PS não vencer as eleições, em que estado político fica Pedro Nuno Santos no partido? Seriam as segundas eleições nacionais que perderiam.
A acontecer uma derrota – que eu não antevejo e que não espero, mas que temos sempre que equacionar como possível –, isto faz parte de um ciclo que era muito difícil. Para o qual o actual secretário-geral e toda a sua equipa entram muito em cima, a dois ou três meses de eleições, num contexto completamente anómalo, de um Governo de maioria absoluta que cai pelas circunstâncias conhecidas… e portanto não se podem tirar outras ilações disso.
E nessa sua calculadora não entra qualquer cenário de uma vitória do Chega? Ou que mexa com este pódio de primeiro e segundo lugar do PS e PSD.
Quer dizer, não entra nem deixa de entrar. Limito-me a dizer que seria muito mau para a União Europeia, sobretudo, se for num contexto em que noutros países também há a vitória desses partidos populistas, mais nacionalistas. Será uma hipótese que, a suceder – eu espero que não ocorra, e acho que não ocorrerá –, teremos que lidar com ela.
Até que ponto acredita que esta legislatura vai até ao fim, como acredita a AD?
Não sei se eles acreditam mesmo. Vão repetindo, repetindo, como se acreditassem. Tenho algumas dúvidas que acreditem mesmo.
Qual é a sua convicção?
Obviamente que uma legislatura em que a coligação que governa tem mais dois deputados do que o maior partido da oposição, em que o maior partido da coligação tem o mesmo número de deputados que o maior partido da oposição, em que um partido que tem 50 deputados tem um comportamento muito imprevisível e nem sempre pelos melhores motivos… é um bocadinho uma tempestade perfeita.
Não o digo por ser líder parlamentar do maior partido da oposição: qualquer analista olha para isto e diz que não é propriamente a legislatura candidata para fazer os quatro anos e meio, convenhamos. É verdade que, pelo meio, tem uma eleição presidencial, o que cria aquelas limitações constitucionais de seis meses… Mas também é verdade que tivemos o PS numa maioria absoluta que, por razões totalmente exógenas à política, também não chegou ao fim.
Eu diria que esta legislatura será difícil de chegar ao fim. Uma coisa também digo com verdade: será mais difícil de chegar ao fim se esta política de não-abertura continuar. Mas, enfim... veremos.