Não é só apoio: estas imagens mostram o que um animal pode fazer por uma pessoa sem abrigo

As fotografias deste estudo publicado na Plos One foram tiradas por pessoas em situação de sem abrigo que vivem com os seus animais nas ruas de Seattle (EUA).

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Garland-Lewis et al.
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Garland-Lewis et al.
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Em Outubro de 2018, a investigadora Gemina Garland-Lewis e os colegas começaram a planear um estudo fotográfico com algumas das pessoas que, aos milhares, vivem em situação de sem abrigo com os seus animais de companhia em Seattle, nos Estados Unidos.

De acordo com os dados que recolheram, vivem nas ruas deste estado 13.368 pessoas, de um universo de mais de 582.462 em todo o país, mas não há dados sobre quantos têm cães ou gatos ao seu cuidado.

O objectivo do estudo, lê-se no estudo publicado a 13 de Março na revista científica Plos One, era chegar ao contacto com algumas pessoas em situação de sem abrigo, através de associações de apoio social, para as desafiar a retratar o seu dia-a-dia e as adversidades que enfrentam.

Conseguiram que 19 pessoas — 12 dos quais adultos e sete com menos de 21 anos — aceitassem a proposta e entregaram-lhes um kit com duas câmaras fotográficas descartáveis e um bloco de notas, caso quisessem apontar testemunhos sobre as fotografias que iriam tirar. A maioria fotografou apenas os animais de companhia: uns preferiram captá-los a brincar, outros durante passeios em espaços públicos e alguns no interior das carrinhas e carros onde vivem com os donos. Em alguns (raros) casos, as pessoas apareceram nas imagens, mas sem revelar a identidade.

No total, Gemina e a equipa receberam 900 fotografias, 75 das quais seleccionadas para uma exposição que andou pelos locais mais movimentados de Seattle em 2019. A exposição durou dez dias e o objectivo era criar empatia e combater o estigma que, dizem os autores do estudo, está frequentemente associado a pessoas sem abrigo que têm animais de companhia, vistas como incapazes de cuidar deles.

Para a exposição, escolheram as imagens sobre as quais tinham mais contexto e as que os donos dos animais mais gostaram de tirar.

Foto
Cadela George a brincar com um peluche Garland-Lewis et al.

Entre a galeria está a imagem de George, uma cadela retirada ao dono pelos serviços de protecção animal da cidade e que foi, pouco tempo depois, devolvida. Na fotografia, George aparece deitada no banco de um carro a brincar com o brinquedo de peluche. “Podem ver que ela é o centro da minha vida nesta imagem”, escreveu o tutor, que optou por manter o anonimato.

“Quando ela foi embora, eu não queria tirar fotografias, não queria fazer nada, queria a minha cadela. Era a única coisa na minha cabeça. Fui até [ao abrigo] e [foi-me dada uma hora] para pegar no que precisasse e ir-me embora. Nesse dia, nem sequer pedi roupa interior limpa, peguei em todas as coisas da George para garantir que recuperava a minha cadela, porque ia lutar até à exaustão e processar a cidade se fosse preciso [para] recuperá-la, não havia maneira de a manterem longe de mim”, lê-se na legenda.

No estudo, os investigadores revelam que o animal é, muitas vezes, o único motivo pelo qual o dono se levanta todos os dias e tenta procurar trabalho. Além do companheirismo, destacam, ter um animal de companhia quando se vive na rua traz vantagens para a saúde física e mental, incluindo ter um apoio emocional para lidar com problemas de saúde mental tais como a depressão, e uma motivação para se manterem afastados de comportamentos de risco, tais como dependências e tentativas de suicídio.

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Dono do cão diz que se tentou suicidar duas vezes junto desta árvore Garland-Lewis et al.
Foto
Participaram no estudo 19 pessoas que vivem em situação de sem-abrigo com os animais Garland-Lewis et al.

Os autores escolheram uma imagem para abordar o tema do suicídio: a de um cão junto a uma árvore. Na legenda, o tutor do animal revelou que se tinha tentado suicidar duas vezes naquele local. Deixou o cão com um amigo, mas pensar no animal fê-lo não avançar.

Aos investigadores, os participantes revelaram que não se arrependeram de ter animais apesar de viverem na rua, mas quando questionados sobre as dificuldades económicas que esta responsabilidade acarreta, dois deles admitiram que actualmente não o fariam, porque o vêem como um entrave para encontrar trabalho e casa.

Segundo o estudo, os que têm um emprego fazem-se acompanhar pelo animal porque não têm locais seguros onde os deixar. E, para estes, mais do que ração ou cuidados veterinários gratuitos, conseguir uma família de acolhimento temporário que cuide do cão ou gato até conseguirem estabilidade financeira seria a melhor ajuda que poderiam ter.

A exposição foi vista por cerca de 500 pessoas. As fotografias eram acompanhadas por frases como "O que pensavas antes e o que pensas agora?" ou "O que fizeste para ajudar?".

Foto
Fotografia de gato no interior da carrinha do dono Garland-Lewis et al.

Numa das fotografias, o dono fotografou o gato no interior da carrinha onde vive e escreveu: “Viver como sem-abrigo com um gato numa carrinha não é diferente de viver com um gato numa casa ou num apartamento. Simplesmente não temos os mesmos rendimentos. Somos todos iguais, todos pessoas.”

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