A propósito da falta que o professor António Amorim nos vai fazer (1952-2024)

A história dos nossos institutos confunde-se com a história do António Amorim. Foi fundamental para os sítios e para as pessoas.

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Testemunhámos no sábado, 13 de Abril, uma demonstração indirecta da qualidade excepcional do António. Só tinha visto uma multidão tão grande, tão heterogénea e tão amiga num funeral quando nos faltou a Raquel [Seruca]. O António era uma pessoa fora de série, singular a todos os níveis e marcou gerações de alunos, mestrandos, doutorandos, investigadores e até, calculem, professores. Daí a presença de dezenas de personalidades de diversificados universos sócio-profissionais que apreciavam, a sério, o António Amorim. Desde o professor Salema nos seus 90 e tal, e muitos amigos do “nosso” tempo, até aos (muito) jovens elementos do seu Grupo, entre comovidos e comovidíssimos.

O professor António Amorim e o grupo da Genética Populacional da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto vieram trabalhar para o Ipatimup [Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto] em 1992. O instituto tinha sido criado em 1989 com uns estatutos que tínhamos copiado do INEGI [Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial, localizado na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto] graças à ajuda do Rui Sá, cunhado do António (sempre fomos o país dos primos e cunhados).

O recrutamento do António Amorim e da sua gente para ao pé de nós veio a revelar-se um sucesso apesar de nos ter dado, à chegada, uma notícia desmotivante para quem o tinha convidado para fazer investigação em cancros – “Meus caros, estamos interessados em estudar genes “neutros”, não em genes “patogénicos” (sic, à maneira do António). Assim foi, embora alguns colaboradores – não ele, valha a verdade – foram amolecendo um pouco quanto à resistência à aproximação etiopatogénica das doenças em geral, e às doenças neoplásicas, em particular.

A liderança do António Amorim e a sua capacidade para envolver revoadas de colaboradores foi determinante para a solidificação e a melhoria científica do Ipatimup. Deliberadamente não andei a escabichar os detalhes – posso estar a cometer algumas injustiças –, mas lembro-me muito bem, dos primeiros tempos com a Fátima [Santos], a Leonor [Gusmão], a Maria João e o Jorge… e depois a Susana, a Luísa, a Cíntia e depois … até às manas Quental. (Um parêntesis para referir que sei que novas estrelas apareceram e já estão a brilhar, mas a minha memória para nomes foi-se. Sorry).

O António foi o grande responsável pela harmonização de uma experiência única de reforço do núcleo motor de muitas e desvairadas gentes, sem limitar a diáspora “intra” e “extra” muros, graças a seriedade, competência e liberdade (a sua e a dos outros).
Assistimos com orgulho à criação da Portugalia Genetica em 2004 que continua vivíssima, hoje, no I3s [Instituto de Investigação e Inovação em Saúde], assim como ao desenvolvimento do Ipatimup de que o António foi director entre 1998 e 2008, em articulação com o Mário Seixas.

A colaboração do António com o Rui Mota Cardoso foi instrumental para a realização anual das Conferências do Equinócio do Ipatimup desde 1997. Este “par” constituiu também um tandem notável na co-organização do programa “Os Outros em Eu” na Porto 2001 [Capital Europeia da Cultura]. Só quem viu a camioneta transformada pelo Joaquim Vieira em mega-objecto audiovisual representando o DNA, cheio de chaves genéticas multicoloridas, projectadas e distribuídas por um António Amorim façanhudo e entusiasmadíssimo, só quem viu, dizia, é que pode acreditar na excepcionalidade da coisa, há mais de 20 anos, num Porto a ressuscitar.

Sinto que o texto já vai bastante grande e só falámos da ciência e da genética populacional em sintonia com a genética forense. Não houve espaço para salientar um professor exemplar de Biologia da Universidade do Porto. Também não tenho espaço para descrever o que foi a aventura da construção do Programa GABBA (Programa Graduado em Áreas da Biologia Básica e Aplicada) no ano 1996/1997 sob a chefia da Maria (professora Maria de Sousa) a partir de quatro mestrados da Universidade do Porto ancorados fisicamente no IBMC [Instituto de Biologia Molecular e Celular] e no Ipatimup, desde a decisão de juntar o mestrado da Faculdade de Ciências aos nossos mestrados.

O GABBA ocupou um quarto de século durante o qual o António Amorim desenvolveu todas as funções e todos os cargos imagináveis aqui e ali. Tal como todos nós, tivemos momentos bons e menos bons no GABBA – para mim a história mais bonita de educação na pós-graduação em Portugal –, mas penso que quem aguentou mais, e durante mais tempo em situação difícil, foi o António com respaldo da Fátima [Carneiro], do Alexandre [do Carmo] e da Maria. Em 2020 já existia o I3S, a pandemia tinha chegado, o GABBA estava terminal e a Maria faltou-nos.

Reconheço a necessidade de lembrar estas recordações porque a história dos nossos institutos confunde-se com a história do António Amorim. Foi fundamental para os sítios e para as pessoas. A ausência dele faz-me(nos) muita falta.

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