Associações ambientalistas consideram que o Plano de Acção Nacional para o Lixo Marinho 2024-2026 (PALM 2026), cujo período de consulta pública terminou este mês, constitui um documento “extremamente necessário” e “oportuno”, mas que pode ser “mais ambicioso”.
“Não podemos fazer recair apenas sobre o consumidor a responsabilidade de adoptar comportamentos mais sustentáveis, nomeadamente no que diz respeito à escolha de itens mais duradouros em detrimento daqueles de uso único”, explica ao PÚBLICO Joana Soares, da associação ambientalista Zero.
A ênfase excessiva no consumidor – e não no produtor – foi um de diferentes aspectos abordados pela Zero, juntamente com a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e Sciaena (Associação de Ciências Marinhas e Cooperação), num contributo apresentado durante o período de consulta pública, que terminou no dia 6 de Abril. Este foi apenas um dos 40 comentários enviados com o objectivo de melhorar o PALM 2026.
Estima-se que existam no planeta entre 100 a 140 milhões de toneladas de lixo marinho, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente. Este enorme volume de poluição ameaça não só a biodiversidade marinha, mas também a saúde humana e a dos ecossistemas oceânicos e costeiros. As comunidades que dependem dos recursos marinhos – seja para a pesca ou o turismo – também sofrem os impactos económicos da poluição.
O PALM 2026 detalha ao longo de 144 páginas estratégias de gestão e redução de uma das maiores ameaças à saúde do oceano: os resíduos marinhos. O extenso documento foi aprovado em Conselho de Ministros, ainda pelo anterior Governo, liderado pelo Partido Socialista. Agora, tendo tomado posse um elenco governativo do Partido Social Democrata (PSD), será mantida a comissão de acompanhamento original?
O PÚBLICO tentou obter esta informação junto da Secretaria de Estado do Mar, sob a alçada do Ministério da Economia, mas não obteve resposta. Do mesmo modo, não foi possível precisar qual será o calendário previsto para o PALM 2026 a partir de agora, nem se serão incorporados no documento final contributos apresentados durante o período de consulta pública.
O plano de acção abrange oito eixos de actuação e 27 medidas para diferentes sectores por forma a dar resposta a oito prioridades. Para cada um dos eixos, o documento estipula as medidas consideradas importantes para garantir acções concretas no terreno.
As associações propõem a criação de “um eixo focado especificamente na inovação e investigação, que promova o desenvolvimento de novas tecnologias, métodos, abordagens e soluções para resolver os problemas reconhecidos” na parte inicial do documento, lê-se no comentário enviado, a que o PÚBLICO teve acesso. A aposta em novas tecnologias, assim como na colaboração entre a academia, a indústria e o sector público, é um dos caminhos sugeridos pela Sciaena, SPEA e Zero.
Actuar na causa, não no sintoma
Numa crítica ao objectivo do eixo cinco (“reduzir plásticos de uso único”), Joana Soares enfatiza a importância de actuar na fonte do problema e “não apenas sobre os sintomas”. Remover os resíduos marinhos é fundamental, mas o problema tende a perpetuar-se se os padrões de consumo e descarte se mantiverem. Daí que a ambientalista da Zero sublinhe a importância de plasmar no documento final “acções preventivas a montante”.
“Isto é especialmente importante no que diz respeito à produção e posterior uso de itens de utilização única, que vão muito além dos plásticos. Para isso, é muito importante começar a mudança da narrativa sobre os diferentes materiais que constituem os descartáveis”, avisa Joana Soares.
Embora o plástico seja considerado um dos resíduos mais nocivos para os ecossistemas marinhos, decompondo-se em fragmentos cada vez menores, outras matérias descartadas na areia ou no mar também são fontes de poluição indesejáveis. Por outras palavras: não basta substituir os pratos e talheres plásticos por versões descartáveis feitas de madeira, por exemplo. O que é preciso, para os ambientalistas, é substituir uma cultura de descarte rápido por uma de reutilização sucessiva.
“Os artigos descartáveis e de utilização única feitos de papel, cartão, alumínio e outros materiais não deixam de se descartáveis, sendo também uma importante fonte de poluição que contribui para potenciar o problema do lixo marinho e não para a sua resolução – ao contrário do que muitas vezes é comunicado. Focar apenas nos plásticos já não é suficiente”, afirma Joana Soares.
Compromissos internacionais
Contactado pelo PÚBLICO, Luis R. Vieira, investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar), acredita que o PALM 2026 é um plano que pode colocar Portugal numa posição privilegiada para cumprir as suas obrigações internacionais no que toca à Directiva-Quadro Estratégia Marinha (DQEM), por exemplo, e à prevenção e redução de lixo marinho da Estratégia Europeia sobre Plásticos do Pacto Ecológico Europeu, em vigor desde 2018.
“Há neste documento ideias muito interessantes, como a criação do selo ‘eventos zero resíduos’. Acho que é uma boa iniciativa, mas considero que se deveria ir além – o plano propõe principalmente reutilização da louça e a presença de ecopontos temporários. No entanto, só deveria ser atribuído o selo aos eventos que, de facto, não têm qualquer plástico descartável, que realmente só usem materiais reutilizáveis. Este é um exemplo, entre vários, que deveriam ser mais ambiciosos”, sugere Luis R. Vieira, que desenvolve investigação em ecologia e ecotoxicologia, incluindo costeira e estuarina.
Sanções mais pesadas
O lixo marinho de origem plástica, os contentores à deriva, os derrames de crude e de pellets provocados por navios – o exemplo do que houve no início do ano na Galiza – terão a partir de agora sanções mais duras. Isto porque uma proposta legislativa, aprovada no dia 10 de Abril, actualizou a Directiva 2005/35/CE relativa à poluição naval.
“Descargas ilegais de petróleo e outras substâncias poluentes, como os pellets, são uma ameaça aos mares europeus. Muito recentemente presenciámos uma catástrofe, com a descarga de pellets de plástico e a consequente contaminação da costa galega, que causou mais uma crise ambiental com graves repercussões no ecossistema”, afirma Sara Cerdas, eurodeputada socialista, numa nota de imprensa.
Com sanções mais pesadas para a poluição naval, e com a aplicação das medidas propostas pelo PALM 2026 nos próximos dois anos, espera-se que possa finalmente haver progressos nesse domínio. “Este [o PALM 2026] é um passo fundamental para enfrentar uma das maiores ameaças ao oceano, um problema já bem conhecido, mas que persiste no tempo e que se tem vindo sistematicamente a agravar”, conclui Joana Soares.