Sonhar em Negro: como singrar no cinema britânico

Uma série cómica da BBC Three com co-produção da A24 segue as aventuras e desventuras de um londrino de origem jamaicana que quer ser realizador. Estreou-se recentemente na Filmin.

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Kwabena (Adjani Salmon) e Amy (Dani Moseley) tentam singrar no meio do cinema em Londres Anup Bhatt
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Kwabena, ou Kwabs, quer ser realizador. Estudou para isso, mas não vem de uma família com dinheiro e, trabalhando para viver, está sempre a falhar reuniões que lhe podem dar aquela oportunidade de mudar a vida. Imagina-se, frequentemente, como alguém com mais coragem, mais garra, capaz de dizer o que pensa e contrariar aqueles que o rodeiam. É só na cabeça dele, contudo. Quer contar a história de amor dos avós, que vieram da Jamaica no período de imigração para o Reino Unido conhecido como Windrush, primeiro como curta-metragem, depois como longa.

Não é fácil, o que querem dele não é propriamente isso, e é mais fácil encontrar financiamento para certos tipos de filmes sobre a vida de pessoas negras em Londres mais ligados ao crime e a estereótipos do que para estas histórias românticas de época. Há muito azar à sua volta, muito racismo casual e situações embaraçosas. É esta a premissa de Sonhar em Negro, série original da BBC Three que só chegou cá agora via Filmin – a primeira temporada, estreada originalmente no Verão passado, tem seis episódios, e já há uma nova a caminho. Tem, tal como outra série recente estreada na Filmin, Such Brave Girls, co-produção da A24, o selo de culto da distribuição e produção americanas.

É uma comédia com toques surreais, seja a imaginação dele a funcionar, de uma forma que nem sempre sabemos logo o que é que é real dentro da série e o que não é, ou toques como dois Kwabenas, um com mais consciência racial e outro com menos, a aconselharem-no tipo diabo e anjinho, ou um bebé que fala. É uma criação de Adjani Salmon, que é também o actor principal. A série nasceu primeiro na Internet, em 2018 – é complicado, apesar de serem histórias, pessoas e contextos muito diferentes, não traçar um paralelo com Insecure, a série americana que Issa Rae fez a partir do sucesso da série web The Mis-Adventures of Awkward Black Girl. Três anos depois, veio um episódio-piloto que ganhou um Bafta (da cerimónia à parte com categorias mais técnicas, neste caso o de talento emergente em ficção).

Ainda é possível encontrar, na rede social Linkedin, o perfil do criador. Nele, este fala de ter nascido na Jamaica, de se ter mudado para o Reino Unido para fazer um mestrado em realização e ter feito um filme sobre uma família. Menciona ainda ter criado uma produtora especializada em anúncios e vídeos comerciais e institucionais, algo que é explorado na série. Ou seja, haverá aqui muita autobiografia.

Ao longo dos episódios, a carreira do protagonista vai sofrendo vários percalços, entre possíveis mentores que estão em posição de o ajudar, financiadores e concursos. Nem tudo é azar e microagressões na vida de Kwabena, que tem colegas de trabalho que lhe perguntam por bons filmes negros para ver em encontros ou o arrastam para noites muito desconfortáveis de karaoke. Tem um primo casado com quem vive (Demmy Ladipo como o primo e Rachel Adedeji como a sua mulher), uma amiga dos tempos da escola de cinema que trabalha numa agência e o quer ajudar a produzir filmes (Dani Moseley) e até uma namorada que conhece no autocarro (Babirye Bukilwa). Num dos primeiros encontros com ela, falam de filmes favoritos, e ela gosta de Love & Basketball, de Gina Prince-bythewood, drama romântico do ano 2000 sobre desistir de carreiras por amor, mas ele prefere mostrar-lhe Viagem a Tóquio, de Yasujirō Ozu, o que poderá dar uma ideia de algumas das referências do próprio criador.

A série tem várias caras relativamente novas, especialmente para um público português, mas também algumas figuras da comédia britânica dos últimos anos, como Peter Serafinowicz (de Look Around You, The Peter Serafinowicz Show, entre mil e um outros papéis em tudo, de séries a filmes mainstream), no papel de um patrão particularmente desprovido de noção, ou Jessica Stevenson (co-criadora e co-protagonista de Spaced, série na qual Serafinowicz também apareceu), como uma agente.

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