Movimento Acção Ética vai propor “estatuto” e subsídio para a “mulher dona de casa”
Paulo Otero, um dos autores da proposta, admite que também os homens poderão beneficiar do subsídio, mas que “a mulher é mais propensa” a estar em casa. Ideia não reúne consenso no próprio movimento.
É um movimento de acção cívica fundando em 2021 por personalidades conotadas com a direita conservadora, como o antigo ministro das Finanças e da Segurança Social António Bagão Félix e o professor catedrático de Direito Paulo Otero, e quer criar um estatuto legal e fiscal para a "mulher dona de casa" – ainda que alguns dos seus integrantes não subscrevam a ideia.
O Movimento de Acção Ética vai avançar com a proposta no próximo mês e, nas palavras de Paulo Otero, o hipotético subsídio também pode ser atribuído a homens, caso estes se encontrem numa situação semelhante. No entanto, argumenta o professor universitário, as mulheres são "mais propensas" a estar em casa, uma vez que realizam "actividades insubstituíveis" e que "a maternidade é reservada às mulheres".
Na visão de Paulo Otero, existem "dois tipos de mulheres domésticas". O primeiro, considera, é "o elo mais fraco da cadeia", mulheres que estão desempregadas por não conseguirem empregar-se ou "por não terem possibilidades de pagar uma creche". Estas mulheres são, segundo o jurista, as mais propensas a "serem vítimas de violência doméstica", por estarem economicamente dependentes dos maridos e, por essa razão, não denunciarem as agressões de que são alvo.
O segundo "tipo" de mulheres domésticas, segundo Otero, são "simultaneamente trabalhadoras fora de casa" e muitas vezes, "por causa disso, não conseguem obter qualificações académicas". O jurista defende que também estas devem receber esse "rendimento líquido mensal ou anual".
Proposta não é unânime entre membros do movimento
Paulo Otero afirma que não há qualquer intenção por parte do Movimento Acção Ética de vir a integrar um partido político, mas sim de "apenas debater ideias". "Não queremos criticar ninguém", diz, lamentando que haja pessoas "que não estão abertas ao diálogo". É também por se colocar fora do debate partidário, justifica, que a proposta do subsídio a ser apresentada pelo movimento não contém nenhum tipo de referência a um valor monetário concreto. Otero reconhece que a proposta "teria implicações financeiras". No entanto, sublinha que "o movimento não se move por euros, mas sim por valores", defendeu.
Contactado pelo PÚBLICO, o ex-ministro das Finanças e ex-membro do CDS-PP Bagão Félix, co-fundador da organização, afirma "nada poder acrescentar" em relação à proposta de subsídio, que diz não conhecer. "Certamente terá sido abordada a título pessoal", comentou.
Na passada segunda-feira, o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho apresentou um livro escrito por 22 personalidades, incluindo membros do movimento, centrado no tema da família, que, disse Bagão Félix ao PÚBLICO à data, gosta de ver "natural", ou seja, na sua óptica, constituída por um homem e uma mulher.
Entre alguns dos autores do livro Identidade e Família que foram contactados pelo PÚBLICO, há quem não se reveja na medida relativa às mulheres donas de casa. O jurista e antigo ministro socialista Guilherme d'Oliveira Martins, por exemplo, garante que a sua participação na obra "não envolve qualquer concordância com propostas" como a aludida por Paulo Otero, e recusa "um conceito passadista da família".
Outros autores, por seu lado, aprovam a ideia: Jaime Nogueira Pinto, politólogo e escritor, considera que, embora "não parecendo uma medida determinante", esta "parece positiva", justificando que há na Europa uma "crise demográfica, de uma baixíssima falta de natalidade", que crê que a proposta possa ajudar a resolver. Parece-lhe "um estímulo a uma maior disponibilidade para acompanhar os filhos", mas acrescenta que "nunca deverá ser entendida como uma discriminação ou um obstáculo intencional para as mulheres que queiram optar por uma carreira profissional".
Em 2018, numa conferência da corrente do CDS Tendência Esperança em Movimento, Otero tinha afirmado não gostar do 25 de Abril, numa intervenção recuperada esta semana nas redes sociais. Ao PÚBLICO, justifica-se: "Há quem tenha o 25 de Abril na boca e na prática contraria os valores da revolução", pelo que considera "irrelevante gostar ou não", desde que se tenham presentes "os valores da liberdade".
Texto editado por Pedro Guerreiro