Parlamento polaco dá passo rumo à liberalização do aborto

As quatro propostas de lei que repõem o direito ao aborto vão ser debatidas por uma comissão parlamentar especial, mas a coligação do Governo mantém-se dividida.

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Manifestação pelo direito ao aborto na Polónia em Junho de 2023 REUTERS/Kacper Pempel
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A Polónia está perto de voltar a garantir o direito à interrupção voluntária da gravidez, embora as diferenças entre os membros da coligação governamental se mantenham quanto ao grau de liberalização.

Nesta sexta-feira, a maioria parlamentar aprovou o envio de quatro propostas de liberalização do aborto para uma comissão especial que as irá apreciar ao longo dos próximos meses. É a primeira vez desde 1996 que propostas legislativas para liberalizar o acesso ao aborto na Polónia não são chumbadas de imediato pelo Parlamento, recorda o movimento Greve das Mulheres Polacas, num comunicado.

A garantia do direito às mulheres polacas de aceder ao aborto foi uma das promessas mais relevantes da campanha eleitoral do ano passado, em que uma ampla coligação de forças políticas desde a esquerda até aos conservadores católicos conseguiu pôr fim ao domínio dos nacionalistas do Partido Lei e Justiça (PiS).

“Prometemos que iríamos parar de discutir e mantivemos a nossa palavra”, afirmou o presidente do Parlamento, Szymon Holownia, depois da votação. “Fizemo-lo por respeito pela democracia e preocupação com a durabilidade da coligação. Agora deixamos o destino destas leis nas mãos dos membros da comissão”, acrescentou.

Desde 2021, na sequência de uma decisão do Tribunal Constitucional (controlado pelo PiS), que o aborto só é permitido em casos de violação ou incesto, ou se a saúde ou a vida da mulher estiverem em risco. De fora ficam os casos em que são detectados problemas ou deficiências no feto.

A restrição ao aborto, defendida pelo PiS, criou um profundo clima de suspeição entre a classe médica, renitente em fazer interrupções por receio de punições, mesmo em situações de risco para as mulheres grávidas. Vários casos de mortes nos últimos anos tiveram ampla projecção mediática e social.

Apesar de ser uma promessa importante, os membros da coligação que apoia o Governo liderado por Donald Tusk estão divididos quanto ao alcance da nova leia do aborto. Duas das propostas prevêem a possibilidade de interrupções da gravidez até às 12 semanas sem quaisquer restrições, enquanto outra estabelece a despenalização da prática. Um projecto de lei apresentado pelo partido cristão Terceira Via repõe o quadro legal anterior à decisão do Tribunal Constitucional, permitindo o aborto para casos de deficiências fetais.

Os grupos de defesa dos direitos humanos saudaram as votações das propostas, dizendo que abrem caminho para a revogação do regime altamente restritivo actualmente em vigor na Polónia. "É um passo importante em frente na direcção de um alinhamento da lei com a maioria dos países europeus onde o aborto é legal", afirmou o Centro Europeu para os Direitos Reprodutivos, através de um comunicado.

O director das campanhas da Amnistia Internacional na Polónia, Miko Czerwinski, disse que o Parlamento polaco "deu um passo significativo para acabar com as restrições cruéis e draconianas no acesso ao aborto". "À medida que estes projectos prosseguem para a próxima etapa de aprovação é crucial que os políticos escutem as vozes da sociedade civil e das pessoas afectadas directamente pela quase proibição total do aborto e que aproximem a lei dos padrões internacionais dos direitos humanos", acrescentou.

Não está fixado qualquer prazo para que a comissão parlamentar conclua os trabalhos, mas as activistas pelos direitos das mulheres querem que o processo seja rápido. "Esperamos que a coligação governamental assegure que o diploma legislativo aprovado chegue à secretária do [Presidente] Andrzej Duda em Junho, no mais tardar", afirmou a porta-voz da Iniciativa WSCHOD, Wiktoria Jedroszkowiak, num comunicado. "É um regulamento bastante simples, na verdade, trata-se de retirar uma linha do Código Penal."

Em sentido contrário, o presidente da Conferência Episcopal Polaca, o arcebispo Tadeusz Wojda, lamentou a decisão e pediu aos cristãos polacos que reservem o próximo domingo como um dia de "orações especiais em defesa dos que estão ainda por nascer".

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