UE quer 25% de matérias-primas críticas que consome vindas da reciclagem

Regulamento exige ainda que 10% das matérias-primas críticas venham da mineração na própria União Europeia. Para a Zero, nova directiva não aposta o suficiente em atenuar a procura destes materiais.

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O lítio é uma das matérias-primas críticas e estratégicas que está na lista da União Europeia Adriano Miranda
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Após aprovação do Conselho da União Europeia em Março, o novo Regulamento Europeu das Matérias-Primas Críticas entrará em vigor no final de Abril. A directiva dita uma série de medidas para a União Europeia (UE) se tornar mais autónoma em relação a substâncias como o alumínio, o lítio e o nióbio através da mineração, do processamento e da reciclagem.

“Este acto legislativo corresponde a um conjunto abrangente de medidas para garantir o acesso da União Europeia a um aprovisionamento seguro, diversificado e sustentável de matérias-primas essenciais, indispensáveis para um vasto conjunto de sectores estratégicos”, explica a Zero, numa série de respostas dadas ao PÚBLICO. Mas “deveria ser mais ambicioso”, avalia a associação ambientalista.

O regulamento é fruto da Declaração de Versalhes de há dois anos. Com a invasão da Rússia e o início da guerra na Ucrânia em Fevereiro de 2022, e após a pandemia, ficou claro que a dependência de matérias-primas e fontes de energia de determinados países deixava a União Europeia particularmente vulnerável a situações de crise. A título de exemplo, refira-se que a UE importa 93% do magnésio e 86% das terras raras (um conjunto de 17 elementos onde se incluem o lantânio, o neodímio e o térbio) da China.

Perante esta situação, o regulamento definiu uma lista de mais de 40 matérias-primas raras que integram a nova legislação, das quais várias são consideradas estratégicas: o bismuto, o boro, o cobalto, o cobre, o gálio, o germânio, o lítio, o magnésio, o manganês, a grafite, o níquel, os metais do grupo da platina, a sílica, o titânio, o tungsténio e as terras raras.

“As matérias-primas críticas são indispensáveis para um grande número de sectores estratégicos, incluindo a indústria de impacto zero, a indústria digital, a indústria aeroespacial e os sectores de defesa”, lê-se num comunicado de imprensa de Março da Comissão Europeia.

Mineração, processamento e reciclagem

Segundo o regulamento, até 2030 a União Europeia tem de extrair pelo menos 10% da quantidade anual consumida destas matérias-primas a partir do solo da União Europeia – ou seja, terá de as minerar. Depois, terá de processar internamente pelo menos 40% da quantidade anual consumida. Além disso, pelo menos 25% da matéria-prima consumida terá de ser proveniente da reciclagem feita a nível da União Europeia.

A questão da reciclagem é “uma grande novidade”, diz ao PÚBLICO Pedro Nazareth, director executivo do Electrão, o operador que recolhe, separa e põe para reciclar a maior fatia de resíduos eléctricos e electrónicos (REE) em território nacional. Nas baterias e nos condensadores de alguns destes REE existem matérias-primas raras como o lítio, o cobre, o níquel e o tântalo.

Com este regulamento, olha-se para “os sistemas de recolha de reciclagem não como um problema do lixo que temos para gerir, mas como uma fonte de materiais, alguns dos quais críticos, de que precisamos para garantir a nossa soberania de modelo económico e enquanto nações”, afirma Pedro Nazareth, que se refere aos produtos eléctricos e electrónicos como uma “mina urbana” a ser explorada.

Facilitação no licenciamento de projectos

Uma quarta medida importante do regulamento é que um único país fora da União Europeia não poderá providenciar mais do que 65% de qualquer tipo de material raro estratégico “em cada fase relevante do seu processamento”, explica o comunicado da Comissão Europeia. Este ponto serve para evitar que a UE fique dependente de um único país para a importação das matérias-primas raras.

Para a Zero, o regulamento não aposta o suficiente em “atenuar a procura de matérias-primas” – ou seja, diminuir o lado da procura através da “eliminação progressiva dos produtos de utilização única com matérias-primas essenciais, a introdução de um sistema de passaporte de materiais e o incentivo à eficiência, suficiência e substituição sustentável de materiais”, defende.

Um dos pontos mais referidos sobre o novo regulamento é a facilitação dos processos de licenciamento de projectos ligados aos materiais raros como a mineração. Os projectos de mineração poderão receber o licenciamento num período máximo de 27 meses, enquanto os projectos de reciclagem e de processamento têm um período máximo de 15 meses para receberem a autorização.

No entanto, há quem tema que, ao acelerar o processo de licenciamento, as questões ambientais sejam descuidadas. “Há riscos na medida em que mediante a complexidade do projecto este poderá ‘queimar’ etapas tidas como fundamentais para acautelar eventuais problemas futuros, assim como conflitos com as populações”, segundo a Zero.

No contexto do novo regulamento, todos os países da União Europeia terão de desenvolver programas nacionais para explorar os recursos geológicos. “Espera-se que estes não surjam numa lógica de facilitismo sem acautelar de forma séria os impactes ambientais, sociais e económicos”, alerta a Zero.

Mobilizar para a reciclagem

Por outro lado, os 25% vindos da reciclagem são uma meta pouco ambiciosa, segundo a Zero. “A reciclagem deverá reduzir cada vez mais a necessidade de extracção primária e os impactes que lhe estão associados, pelo que a meta deveria ser superior”, diz.

No entanto, a associação ambientalista concede que há passos a dar para a reciclagem destas matérias-primas se tornar uma realidade. “Os sistemas e tecnologias de reciclagem não estão frequentemente adaptados às especificidades destas matérias-primas. A inovação desempenha um papel importante” neste processo, adianta.

Mas para Pedro Nazareth os 25% são um objectivo “muitíssimo ambicioso”, diz. “Há um conjunto de elementos e de actores que têm de funcionar com muitíssimo desempenho para que nós consigamos chegar lá”, explica.

O primeiro desafio será identificar e mapear nos REE – grupo de resíduos que agrega desde os televisores, telemóveis, baterias e pilhas até às lâmpadas e aos painéis solares – onde estão as várias matérias-primas essenciais. “Há um trabalho de aumentarmos o conhecimento da constituição dos produtos que estamos a gerir em fim de vida, que é um processo sensível e demorado”, observa Pedro Nazareth, acrescentando que este trabalho já foi iniciado ao nível da União Europeia. Só a partir deste mapeamento será possível saber de que material se pode retirar cada resíduo.

Depois, é necessário haver um diálogo com os recicladores acerca desta informação. Para o responsável, este esforço terá de envolver o Governo, os municípios, os recicladores, os operadores de gestão de resíduos, as empresas e os cidadãos.

Mesmo que o conhecimento da reciclagem avance de modo a saber retirar aquelas matérias-primas críticas, será sempre necessário assegurar que os REE cheguem aos locais de reciclagem. “Temos de ser pragmáticos na abordagem da gestão de resíduos. Se os eléctricos e pilhas não estão a chegar ao fim de vida de forma selectiva, temos de começar a dar alguns recursos [à reciclagem] para separarmos o lixo comum, quando o cidadão não o faz”, refere Pedro Nazareth. “A gestão de resíduos, na óptica da preservação dos recursos e da protecção do ambiente e da saúde humana, por si só já nos devia mobilizar. Mas quando o tema vai para o campo da soberania, acho que nos impele ainda mais a reforçar a acção.”