A frente ribeirinha de Almada é casa de cavalos-marinhos, mas há ameaças constantes
Projecto mostra que os cavalos-marinhos têm uma presença importante na frente ribeirinha de Almada. Exposição fotográfica sobre estes peixes foi inaugurada esta quarta-feira na Trafaria.
Já se sabia da existência de cavalos-marinhos na frente ribeirinha do concelho de Almada, mas quis-se ir mais longe e saber quantos são e onde vivem exactamente. Uma análise à população desses peixes mostrou que pelo menos parte da frente ribeirinha é uma importante casa de cavalos-marinhos, em especial a Trafaria, onde foram encontrados alguns cavalos-marinhos com mais de 20 centímetros. Mas nem tudo é um mar de rosas e há ameaças constantes a estes peixes, como o lixo marinho e a degradação do seu habitat, assinalou Gonçalo Silva, coordenador do projecto CavALMar, que fez essa avaliação e a apresentou, esta quarta-feira, no Presídio da Trafaria.
“Os cavalos-marinhos têm a capacidade de atrair as pessoas”, começou Gonçalo Silva por dizer na apresentação, em referência também à sala cheia do Presídio da Trafaria, que ali estava para saber mais sobre estes peixes ósseos. O investigador no Mare – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, no núcleo do ISPA-Instituto Universitário, referiu que existem entre 45 e 48 espécies a nível mundial, havendo indivíduos com tamanhos entre um e 30 centímetros.
Em Portugal continental, são duas as espécies – o cavalo-marinho-comum, Hippocampus hippocampus; e o cavalo-marinho-de-focinho-comprido, Hippocampus guttulatus – e as duas existem na frente ribeirinha de Almada. Faltava saber de que forma estavam lá dispostas. Todo esse trabalho começou com um telefonema. Ainda antes da pandemia de covid-19, Mário Rolim, agora coordenador de operações de mergulho do projecto, foi mergulhar para aquela zona e ligou a Gonçalo Silva a dizer que por ali havia cavalos-marinhos e era preciso fazer alguma coisa por eles.
“Não foi preciso muito para me convencer”, recordou Gonçalo Silva, na apresentação. E destacou um dos mergulhos que acabou por fazer: só em 45 minutos debaixo de água, na zona da Trafaria, observaram entre dez e 12 cavalos-marinhos. A partir da certeza de que era preciso fazer algo, elaborou-se um plano e abordou-se a Câmara Municipal de Almada. Assim surgiu o projecto CavALMar, que resulta de um protocolo entre o Mare-ISPA e o município, que financiou a sua primeira fase em cerca de 70 mil euros.
O CavALMar tem tido como grandes objectivos fazer levantamentos em populações de cavalos-marinhos e outros singnatídeos (a família que inclui os cavalos-marinhos) ou caracterizar o seu habitat na frente ribeirinha de Almada. Ao todo foram feitos 86 mergulhos em 13 locais de parte da frente ribeirinha, desde a Cova do Vapor ao Alfeite, ao longo de mais de 70 horas debaixo de água.
Entre Setembro de 2022 e Julho de 2023, foram registados mais de 60 exemplares de cavalos-marinhos e de marinhas, que são da mesma família dos cavalos-marinhos, refere-se num comunicado sobre o trabalho. Esses exemplares foram observados em nove dos 13 locais dos mergulhos. “A baía da Trafaria foi o local onde encontrámos mais cavalos-marinhos das duas espécies. Também encontrámos mais uma espécie de marinha”, referiu, na apresentação, Gonçalo Silva.
Na Trafaria, em todo o período de estudo, foram observados 29 cavalos-marinhos-de-focinho-comprido, sete cavalos-marinhos-comuns e seis marinhas da espécie Syngnathus acus. “Há que salientar que estes valores são elevados para estas espécies, tratando-se de espécies raras, difíceis de detectar, com pouca mobilidade, e que ocorrem pontualmente em áreas muito restritas”, faz notar Gonçalo Silva. No cais da Saudade (Cova do Vapor) e na praia Olho de Boi também foram encontrados mais de três cavalos-marinhos, o que pode indicar que são áreas interessantes para futuras acções.
Ao PÚBLICO o investigador assinalou que estas conclusões ainda são “muito provisórias” e que não se sabe se a população está a diminuir ou a aumentar na frente ribeirinha. “Na ria Formosa, [no Algarve] nos últimos anos, as populações [de cavalos-marinhos] foi monitorizada e chegou-se à conclusão de que houve uma redução de 90%”, exemplifica. “Em Portugal, quase nada se sabe sobre cavalos-marinhos, com excepção do trabalho feito na ria Formosa.” As informações agora da frente ribeirinha de Almada ajudarão no apoio com medidas de conservação das espécies.
Na zona da Trafaria também foram encontrados cavalos-marinhos que chegavam aos 22 centímetros. “Ficámos surpreendidos com o tamanho! Não esperávamos que fossem tão grandes”, recorda Gonçalo Silva. Outro episódio que recorda é o do colapso de um pontão artificial no porto de pesca em 2022. Nessa altura, mais de 20 cavalos-marinhos tiveram de ser resgatados e temporariamente alojados no Oceanário de Lisboa. Um ano depois, foram devolvidos ao estuário do Tejo.
Uma exposição na Trafaria
As ameaças aos cavalos-marinhos na frente ribeirinha de Almada são constantes. Entre os perigos estão a pesca ilegal e acessória; a poluição; o ruído subaquático; ou a destruição de habitat. “Encontrámos ameaças muito graves, sendo as mais urgentes ligadas à poluição”, realça Gonçalo Silva, referindo que é preciso não só retirar esse lixo do mar como também não permitir que lá chegue.
Na exposição fotográfica inaugurada nesta quarta-feira, da autoria de Sylvie Dias, que é videógrafa e fotógrafa subaquática, é retratada a poluição e o seu impacto na população de cavalos-marinhos. E não só: ao todo, são 14 os painéis com fotografias de mergulhos na frente ribeirinha de Almada. A exposição de rua pode ser vista até 29 de Setembro na Rotunda da Trafaria – Praceta do Porto de Lisboa. Há informações sobre o CavALMar e outras sobre cavalos-marinhos.
Há ainda muito trabalho a fazer na frente ribeirinha de Almada, tanto com cavalos-marinhos, como com a restante biodiversidade. “É preciso continuar a fazer o levantamento da biodiversidade”, assinalou Gonçalo Silva na conferência “Cavalos Marinhos de Almada: Um Património Único a Preservar”, organizada pela Câmara Municipal de Almada (CMA) e que teve a presença da presidente do município, Inês de Medeiros (PS), assim como de outros investigadores do Mare ou de representantes da Docapesca, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), da associação Sciaena e de pescadores locais.
Quanto à continuação deste projecto, Duarte Mata, director do Departamento de Intervenção Ambiental, Clima e Sustentabilidade da CMA e que também participou na conferência, refere que “não faz sentido não continuar” e que se “vai analisar e encontrar parcerias” para que possa, de facto, avançar. “O projecto fez o diagnóstico da situação actual”, diz. “Temos agora informação que nos permite tomar a decisão sobre o futuro.” Segue-se uma fase de conservação e de trabalho de literacia, considera.
Gonçalo Silva refere que um trabalho como este sobre os cavalos-marinhos na frente ribeirinha de Almada nunca tinha sido feito. Agora terá de ser continuado e deverá investir-se na conservação, bem como na inclusão da comunidade local, das entidades e autoridades presentes nesta zona. “Gostávamos muito que esta população [de cavalos-marinhos] fosse um orgulho local e nacional”, espera o investigador. Afinal, os cavalos-marinhos têm essa capacidade de atracção.