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Hugo Soares: “Não há risco absolutamente nenhum” de Passos substituir Montenegro

Líder parlamentar do PSD garante que vai “falar com o Chega também para viabilizar o Orçamento do Estado” e diz que o partido de André Ventura ainda está para demonstrar se é “confiável ou não”

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Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, classifica de "efabulações" a hipótese de Pedro Passos Coelho estar a fazer sombra a Luís Montenegro e nega divergências de estratégia com ex-presidente do partido. Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, o social-democrata garante que o Presidente da República "não precisa que ninguém o proteja" na discussão do caso das gémeas que vai ser alvo de comissão parlamentar de inquérito, insiste que o Orçamento do Estado para 2025 vai ser aprovado no Parlamento. E lamenta as buscas na Câmara Municipal de Cascais no dia da apresentação do Programa do Governo.

Vai ser um dos pontas-de-lança das negociações entre a nova maioria e as oposições. Vai ser o polícia bom ou o polícia mau?
Mais do que o polícia bom ou o polícia mau, nós devemos ser os construtores de pontes de diálogo com um único objectivo de encontrar as soluções para os problemas das vidas das pessoas.

Esta semana foi eleito presidente do grupo parlamentar. Já sabe quais são as primeiras iniciativas que o grupo parlamentar vai apresentar?
O grupo parlamentar do PSD apresentará e dará corpo também às iniciativas legislativas que devem concretizar o Programa do Governo. É evidente que são as questões ligadas à protecção do Estado Social, a saúde, a habitação, que são sectores absolutamente em crise, todas as questões ligadas à fiscalidade. Devemos proporcionar aquilo que os portugueses merecem e têm efectivamente direito, seja no acesso à saúde, seja na qualidade da escola pública, seja no acesso à habitação, seja até nos salários dos trabalhadores que exercem funções públicas. Há [trabalhadores de] demasiadas carreiras em protesto porque se sentem desvalorizados, desmotivados.

E é possível responder a essas carreiras de que está a falar? Em que prazo? Até ao Verão, como propõe, por exemplo, o líder do PS?
Quem ouve o líder do PS, deve-se perguntar como é que este propõe que até ao Verão se resolvam várias necessidades de várias carreiras quando nos últimos oito anos esteve num Governo que não as resolveu. Há aqui uma espécie de esquizofrenia política. É algo que raia até alguma hipocrisia política. Tenho a certeza absoluta que os portugueses acharão, no mínimo, estranho. Ora, isto não significa que nós não iniciemos desde já, como já foi anunciado, as negociações com vários sectores de actividade da administração pública.

Então, provavelmente, essa solução só será vertida no próximo Orçamento do Estado.
Não estou a dizer que será no próximo Orçamento do Estado. O que eu estou a dizer é que, em primeiro lugar, é preciso fazer essa negociação. E, em segundo lugar, é uma matéria que compete ao Governo decidir como é que a pode resolver. O PS tem afirmado que está disponível para aprovar um orçamento rectificativo, mas de quem é o orçamento que está em vigor? É do PS. Pedro Nuno Santos propõe-se, como se nada fosse, aprovar um rectificativo quando devia estar a pedir desculpa aos portugueses porque tinha um mau Governo, tinha um mau orçamento.

No dia 29 de Março deu uma entrevista à CNN em que, questionado sobre se o bloqueio no Parlamento empurrava o PSD para negociações com o PS, respondeu que a AD devia dialogar com todos os partidos, em especial com o PS. A AD devia dialogar em primeiro lugar com o PS ou com "todos, todos"? Em que é que ficamos?
A responsabilidade pela estabilidade governativa cabe, em primeira linha, ao Governo. A responsabilidade maior cabe sempre ao maior partido da oposição, que é o PS. O PS deve ser chamado à razão, à responsabilidade para garantir também a estabilidade política. Não estamos a pedir ao PS que governe com o Governo.

Mas pede-se ao PS que tenha um juízo construtivo. Respondendo à pergunta, é mesmo com todos, todos, todos. Eu quero, enquanto líder parlamentar, falar com todos os grupos parlamentares para poder resolver a vida das pessoas. Tanto dialogarei com o Chega como com o Bloco de Esquerda, com a Iniciativa Liberal, com o Partido Socialista, com o PAN ou com o Livre.

Acha possível, então, convencer o Chega a votar a favor do próximo Orçamento de Estado?
Acho possível convencer todos, se for um bom Orçamento.

A AD quase não fala do Chega. Não apela mais à colaboração do Chega porque aconteceu o que aconteceu com a eleição do Presidente da Assembleia da República?
Não, a AD fala com todos.

O Chega é um parceiro confiável?
Nós vamos falar com todos. Chamo a atenção para a responsabilidade especial do PS por ser o maior partido da oposição e pelos deveres históricos que tem do ponto de vista da nossa democracia. Não significa que eu não entenda que o PSD, no Parlamento, deva falar com o Chega também para viabilizar o Orçamento do Estado e outros instrumentos legislativos.

Mas depois do que aconteceu com a eleição do PAR, o Chega é um partido confiável para se negociar?
Creio que o Chega, nas negociações que nós teremos que fazer, mostrará se é confiável ou não, consoante aquilo que forem as negociações e as posições que vai assumir.

Da forma como se tem comportado agora, ainda não formulou um juízo?
Estamos a iniciar a legislatura, ainda não houve uma medida legislativa aprovada. Por que é que não haveremos de construir maiorias para resolver os problemas da vida das pessoas? Nós queremos recuperar o tempo de serviço dos professores. É um compromisso eleitoral. Algum partido no Parlamento está contra? Eu ainda não ouvi ninguém a colocar-se contra. Nós queremos usar um serviço nacional de saúde forte, que seja a base do Sistema Nacional de Saúde, mas que tenha a complementaridade do sector social para podermos ter rapidamente um programa de emergência que procure assegurar a medicina familiar a todos os portugueses e que permita recuperar o tempo de atraso brutal nas consultas e nas cirurgias. Alguém está contra isto?

O Partido Socialista não acompanha. O Chega, talvez.
O PS vai ter que dizer isso. Vai ter que dizer que prefere que as pessoas não tenham médico de família ou que não tenham uma cirurgia ou uma consulta a tempo porque acham que só o Estado é que pode prestar o cuidado. As mesmas questões que se colocam ao PS colocam-se aos outros partidos.

Como é que o grupo parlamentar do PSD vai votar o projecto de instalação de comissão de inquérito parlamentar ao designado caso das gémeas brasileiras e que envolve o Presidente da República?
Há uma predisposição do Chega para apresentar uma comissão de inquérito. Atendendo àquilo que foram as audições já realizadas em sede de Parlamento na anterior legislatura, face aqueles que foram os conhecimentos públicos já prestados por vários intervenientes, mas sobretudo àquilo que é uma investigação em curso por parte do Ministério Público, o PSD será contra a instalação dessa comissão de inquérito. Se ela vier a acontecer, o PSD participará nos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito.

Vai indicar deputados?
É evidente. Nós somos institucionalistas e respeitamos as decisões do Parlamento. Esta nossa posição não significa que achemos que não há matérias que devem ser esclarecidas. Parece-me evidente que há contradições no que diz respeito a membros do Governo do PS.

Só vê contradições nos membros do PS?
Sim, eu não vi mais contradições absolutamente nenhumas.

Admite que o Presidente seja chamado a responder por escrito a algumas questões?
Eu creio que o Presidente da República foi absolutamente claro. Se houver questões que devem ser formuladas ao Presidente da República, que sejam. É o normal, é o funcionamento das instituições. Não vejo nisso nenhum drama. Agora, o meu entendimento é que não se justifica uma comissão parlamentar de inquérito porque está a decorrer uma investigação no Ministério Público. E nós devemos ter cuidado na banalização do instrumento do inquérito parlamentar.

A ideia que há é que o PS não quer a comissão de inquérito para proteger membros do Governo socialista e o PSD para proteger o Presidente da República.
Do meu lado, recuso liminarmente essa ideia. Em primeiro lugar, o Presidente da República não precisa que ninguém o proteja. É o mais alto magistrado da nação, é um cidadão à margem dos partidos.

Acha que há risco de coligações negativas no Parlamento?
Para isso acontecer, é preciso que Chega e PS se juntem.

Foto
Hugo Soares Rui Gaudêncio

Acha que isso seria contranatura ou improvável?
Creio que é altamente contranatura e muito improvável. Mas eu não digo que não possa acontecer, já vi de tudo.

Como é que viu os elogios de Pedro Passos Coelho a André Ventura esta segunda-feira, felicitando o líder do Chega pelo bom trabalho que tem vindo a fazer na Assembleia da República?
Confesso que nem sequer tinha conhecimento desses elogios. Se é a opinião de Pedro Passos Coelho, acho muito bem que a tenha exteriorizado. Sem problema absolutamente nenhum.

Não causa desconforto à direcção do PSD?
Não causa desconforto absolutamente nenhum. Não é a primeira vez que André Ventura se aproveita de algumas declarações de Pedro Passos Coelho para dizer: "Estão a ver? Até Pedro Passos Coelho concorda connosco." Faz parte do jogo político e do jogo partidário por parte de André Ventura. Convivo com isso com muita naturalidade.

Mas foi Passos Coelho quem felicitou André Ventura em público pelo bom trabalho que tem vindo a fazer na Assembleia da República e deixou o conselho de que gostava que o PSD se entendesse com o Chega.
Ele não disse isso assim. Não falou em partidos. No fundo, o que Pedro Passos Coelho quis dizer não é mais do que aquilo que eu aqui disse: que estou disponível para, na dialéctica parlamentar, dialogar com todos os partidos.

Acha normal que um ex-líder e ex-primeiro-ministro venha, uma semana depois da tomada de posse, falar desta forma do Chega no que pode ser visto como uma tentativa de pressionar o PSD a aproximar-se mais do Chega do que olhar só para o PS e pressionar só o PS?
Quem viu as coisas assim foi os olhos de quem quis ver assim.

Não acha que isso enfraquece o actual primeiro-ministro?
Mas enfraquecer o primeiro-ministro porquê? Não queiramos ver coisas onde elas não existem.

Acha que há o risco de Passos Coelho querer liderar o PSD se Luís Montenegro não conseguir aprovar o seu orçamento ou haver algum golpe interno?
Em primeiro lugar, estou absolutamente convencido que o Orçamento do Estado será aprovado em negociação, em diálogo com todos os partidos que têm assento parlamentar. Não, não há risco absolutamente nenhum de o país mudar de primeiro-ministro, nem o PSD de liderança. Isso não existe. Isso é outra efabulação. O PSD terá eleições brevemente porque acaba o mandato [do actual presidente] e qualquer candidato se pode apresentar. Não me parece que seja razoável, atendendo às circunstâncias conhecidas. O presidente do PSD ganhou todas as eleições em que participou como líder do partido.

Governar em duodécimos poderá ser uma possibilidade? Em anteriores ocasiões, desdramatizou e disse que um Orçamento do Estado chumbado não seria motivo para a queda do Governo.
Disse que o chumbo de um Orçamento do Estado não determina por si a queda de um governo. O que determina a queda do governo é uma decisão do Presidente da República ou do próprio chefe de governo, que se pode demitir.

A baixa de IRC, de que o PS discorda, poderá ser feita em lei autónoma ou no Orçamento do Estado?
Vamos voltar quase ao início da nossa conversa. A diminuição do IRC é uma proposta do programa eleitoral da Aliança Democrática e assumimos os nossos compromissos porque é assim que também se recupera o prestígio das instituições. Há um propósito na descida do IRC. Em primeiro lugar, é tornar a nossa economia mais competitiva, precisamos de captar investimento estrangeiro para criar riqueza e pagar melhores salários. Em 2013/14, fizemos um acordo com o PS para descer o IRC e a receita [fiscal] aumentou porque a economia cresceu mais. Portanto, creio que é uma medida essencial.

Então, essa descida pode ser apresentada em separado?
Não extrapolem das minhas palavras aquilo que eu não estou a dizer. Já que estamos a falar do PS, o PS vai fazer depender do IRC aprovar ou chumbar um Orçamento do Estado que pode determinar, ou não, o fim de uma legislatura?

O PS já veio dizer que é contra a privatização total da TAP e avisou que não iria apoiar no Parlamento uma opção desse género. Portanto, qual será o modelo de privatização da TAP que defendem? E vão aprová-lo com quem?
Sobre a TAP, já conheci todas as posições ao PS. Mas qual é o interesse de algum investidor entrar para o capital social da TAP, se não for para ter uma maioria que lhe permita gerir e administrar a empresa? Vamos fazer essa discussão. Não devemos dramatizar estas coisas.

Como é que interpreta estas buscas na Câmara de Cascais, no dia em que o Governo apresenta o Programa do Governo?
Essa pergunta deve ser feita ao Ministério Público e à Polícia Judiciária. Eu não sou dado a teorias da conspiração. O tempo do Ministério Público não é o tempo da política. Eu respeito muito os tempos autónomos das investigações criminais, é assim que deve ser. Dir-me-á, mas gostaria que não tivesse sido hoje porque o Governo estaria a passar melhor as medidas que quer aprovar para mudar a vida das pessoas? Ah, claro que gostaria. Agora, não sou eu que tenho o poder da investigação criminal em Portugal.

Há outro inquérito que também está aberto e que visa o primeiro-ministro por causa da sua casa em Espinho. Já há vários meses que foi aberto e ainda não se sabe o desfecho. Estão com alguma ansiedade, à espera que o Ministério Público tome uma decisão?
Não, nenhuma ansiedade. Devemos ter consciência do seguinte: quando um inquérito é aberto, é sinal que a Justiça está a funcionar. Muitas vezes, no curso da investigação, há até a constituição de arguido. E depois o Ministério Público decide arquivar ou acusar. Isto é o funcionamento da Justiça. Ainda bem que assim é.

Se o primeiro-ministro for constituído arguido neste caso, que consequências políticas haveria?
Tem que perguntar ao primeiro-ministro. Acho que vivemos um tempo em que nos estamos todos a deixar condicionar demasiadamente por aquilo que é o normal funcionamento das instituições. É a Justiça a funcionar.

Luís Montenegro tem defendido, ainda como líder da oposição, o referendo à eutanásia. Essa ainda é uma possibilidade?
Não consta do programa eleitoral, não consta do Programa do Governo, não é uma questão que se coloque em cima da mesa. Estamos à espera de uma decisão do Tribunal Constitucional sobre essa matéria e depois da decisão do Tribunal Constitucional o Governo tomará uma posição.

Mas a questão do referendo à eutanásia pode ser suscitada, não pelo grupo parlamentar do PSD, mas por outro.
Se o PSD vier a ser confrontado com essa posição, terá uma posição. Neste momento, não está confrontado com ela.

Será a posição do líder do PSD ou haverá liberdade de voto?
O PSD sempre teve liberdade de voto nessas matérias.

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