No Porto, a comunidade muçulmana celebra o fim do Ramadão com o Eid al-Fitr (e muito açúcar)

Na casa de Mir Aziz, o mês sagrado termina à mesa com a família e amigos que vivem no Porto. “Todas as casas têm a mesma comida, como o bacalhau no Natal.”

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No Porto, a comunidade muçulmana celebra o fim do Ramadão com açúcar e o Eid al-Fitr Paulo Pimenta
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Mir Aziz trocou o Bangladesh por Portugal em 2010, à procura de uma vida melhor. Viveu em Lisboa durante um ano, depois mudou-se para o Porto, onde abriu lojas de recordações e mercearias. O apartamento onde vive com a mulher e os dois filhos fica num prédio na Rua da Porta do Sol, perto da Sé, a escassos passos da mercearia que à hora do almoço vai ficar ao cuidado do funcionário. “Quando eu voltar, ele vem almoçar a minha casa”, conta o homem de 34 anos, enquanto sai do trabalho para se encontrar com a família.

O convite não foi feito por acaso. Esta quarta-feira, 10 de Abril, a comunidade muçulmana em Portugal comemora o Eid al-Fitr, celebração que marca o fim do jejum do Ramadão. A data varia consoante o aparecimento da primeira lua nova do décimo mês e simboliza o fim do anterior, que é considerado sagrado na cultura islâmica.

“É uma festa doce e hoje só comemos carne. É diferente celebrar aqui e no Bangladesh, porque lá toda a gente sabe o que é. Todas as casas têm a mesma comida, como vocês e o bacalhau no Natal”, explica Aziz. Em casa, a mulher, Afsana, e a sobrinha Mahi acabam de pôr a mesa enquanto as crianças brincam. Na cozinha estão três grandes panelas ao lume. O cheiro a caril já se sente na sala e, enquanto esperam pelos outros convidados, ouve-se música.

Mir Aziz com o filho ao colo e os sobrinhos Paulo Pimenta
As crianças não foram à escola para festejar o fim do Ramadão Paulo Pimenta
Família vai receber mais convidados ao jantar Paulo Pimenta
Como não há cadeiras para todos, o almoço foi feito por turnos Paulo Pimenta
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Mir Aziz com o filho ao colo e os sobrinhos Paulo Pimenta

Mahi, de 18 anos, encostada ao fogão, conta que a tia demorou três horas a preparar a refeição e mais algumas da noite anterior para fazer as sobremesas. Para almoçar está a contar com 13 pessoas, incluindo os dois irmãos de Mahi e outros tantos amigos.

Às 13h30, as taças com o arroz basmati, o frango com caril e a carne de vaca e de borrego já estão na mesa, tal como o iogurte que foi ao forno, o pudim de ovos e leite, e duas variedades de shemai. “É o que vocês chamam aletria”, explica Mir Aziz, antes de começar a comer.

À excepção do filho Anas, de um ano, que usa um garfo, os pratos principais são comidos com a ajuda da mão direita. “Nós comemos muito rápido, mas demorem o tempo que quiserem. Não vão comer isto todos os dias, só o refrigerante é que encontram em todos os países”, brinca.

Enquanto come, vai explicando o que é cada prato e os ingredientes que foram utilizados. As coxas de frango têm um travo picante — não muito, segundo o comerciante —, por causa do pimento-verde picante. Os pedaços de vaca estão numa tigela com molho e as sobremesas são feitas à base de ovos, leite e, claro, açúcar. Muito açúcar.

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Afsana demorou três horas a cozinhar os pratos Paulo Pimenta

Para Mir Aziz, que tem nacionalidade portuguesa, o Eid al-Fitr não é muito diferente de algumas festas cristãs. Primeiro que tudo, é uma celebração religiosa que começa com uma oração por volta das 8h30 na cobertura do metro da Trindade, no caso do Porto. Em Lisboa, desde 2011 que o fim do Ramadão é comemorado bem cedo e ao ar livre por milhares de homens muçulmanos no Martim Moniz, um protocolo entre a Comunidade Islâmica do Bangladesh e a Câmara de Lisboa. As mulheres rezam em casa ou em espaços reservados da mesquita.

Depois, as celebrações duram entre dois e três dias, os familiares juntam-se na mesma casa e os que vivem longe, como a mãe e a sogra de Mir Aziz, que estão no Bangladesh, telefonam aos filhos por videochamada durante a refeição. “A minha mãe tem 70 anos e não quer vir para cá”, explica, depois de desligar o telemóvel.

Um almoço de amigos num dia que é como um feriado

No Bangladesh, tal como em todos os outros países muçulmanos que festejam o fim do Ramadão, é feriado no dia do Eid al-Fitr. “Em Portugal, é complicado ter mais pessoas para almoçar porque estão a trabalhar”, explica Mahi, que frequenta o 12.º ano numa escola pública e, como os irmãos, foi autorizada a faltar às aulas. Está em Portugal há um ano e juntamente com o tio é a tradutora da família. Os pais, que trabalham e vivem na zona dos Clérigos, só vêm para o jantar.

Às 14h, meia hora depois do início do almoço, começam a chegar mais convidados, desta vez amigos que também escolheram o Porto para viver. Como não há lugares à mesa para toda a gente, o almoço é feito por turnos. Quando o primeiro grupo termina, as mulheres levantam a loiça da mesa, lavam os pratos e voltam a colocá-los nos lugares para os três amigos que estão à espera no sofá.

Mat Akash, de 25 anos, e a mulher Th Nobobi, de 18, estão a celebrar pela primeira vez o Eid al-Fitr juntos. Conheceram-se no Bangladesh e casaram-se há três meses no país (numa cerimónia que se prolongou por quatro dias e incluiu pratos como os que estão na mesa da família), por isso, o fim do Ramadão deste ano tem um significado especial.

Entretanto, Mir Aziz aproveita a restante hora de almoço para passar tempo com os dois filhos na sala. No corredor, alguém bate à porta para almoçar. Se aparecer mais alguém entretanto, será servido, garantem.

O que é o Ramadão?

A palavra “Ramadão” ilustra o acto de um crente “queimar” os seus pecados, libertar-se deles, e corresponde ao nono mês do calendário islâmico. Para a comunidade muçulmana é um mês sagrado, de jejum, oração e abstinência desde o nascer ao pôr do Sol. É uma forma de autocontrolo profundo, em que os crentes devem provar todos os dias que são donos dos seus instintos mais mundanos, livrando-se de pecados, falhas e erros.

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Mir Aziz e a família Paulo Pimenta

Durante este mês, há espaço para duas refeições por dia – antes e depois do jejum, ou seja, antes de o nascer do Sol e depois de o Sol se pôr. O suhoor é uma refeição idêntica ao pequeno-almoço que antecede o período de jejum e o iftar acontece no final de cada dia, antes da oração da noite e é um momento de convívio e partilha de fé. É frequente haver música à volta da mesa e todos contribuem para o resultado final. Estão dispensados do jejum obrigatório crianças, idosos e doentes e pessoas grávidas, quem esteja a amamentar ou a menstruar.

As datas diferem de ano para ano porque o calendário muçulmano rege-se pela lua, estando dependente das suas fases. O Ramadão tem início na última lua nova do oitavo mês e termina aquando da lua nova seguinte (29 ou 30 dias depois). Este ano, iniciou-se na tarde de dia 10 de Março e terminou na tarde desta terça-feira, 9 de Abril. Ao longo do tempo, o Ramadão varia de estação do ano – por exemplo, em 2030, estima-se que o Ramadão seja celebrado duas vezes: uma logo no início do ano e outra já perto do final.

A passagem de dia 26 para dia 27 é uma das datas mais importantes do mês: terá sido nessa noite que Maomé recebeu a primeira revelação do Corão e há quem acredite que os pedidos feitos nessa noite serão concretizados por Alá.

Por todo o mundo, as celebrações do Eid al-Fitr estão a ser marcadas pelo cenário de guerra em Gaza. Na Palestina, a comunidade muçulmana uniu-se para celebrar o fim do Ramadão envolta em escombros, em Rafah. Esta é geralmente uma altura de abundância, em que famílias se unem rodeadas de comida, envergando as melhores roupas, mas este ano as celebrações são abafadas pela ofensiva militar israelita.

Em Istambul, ergueram-se bandeiras da Palestina e as palavras de ordem, fora da Mesquita Hagia Sophia (Santa Sofia), eram de apoio ao povo de Gaza. Na Indonésia, país com a maior comunidade muçulmana do mundo, o Presidente do Conselho de Mesquitas afirmou: “Este é o momento para muçulmanos e não-muçulmanos mostrarem solidariedade humanitária, porque o conflito em Gaza não é uma guerra religiosa, é um problema humanitário”. Com Marta Sofia Ribeiro

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