Pagar por uma medalha de ouro olímpica? O atletismo é o primeiro a avançar
Os campeões olímpicos em Paris 2024 vão receber 46,5 mil euros, numa medida inédita em 128 anos de Jogos Olímpicos.
Nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, em 1912, Jim Thorpe, norte-americano, foi celebrado como o melhor atleta da sua era. Ele ganhara duas medalhas de ouro no atletismo olímpico que comprovavam as suas capacidades multidisciplinares, no decatlo e no pentatlo. Sete meses depois, retiraram-lhe essas medalhas porque se descobriu que Thorpe tinha ganho cinco dólares para jogar basebol numa liga semi-profissional e isso, de acordo com a noção de desportista amador que estava na génese do movimento olímpico na altura, não podia ser. Isso aconteceu há mais de um século e os atletas olímpicos já podem ser desportistas profissionais, mas continuavam a não ser pagos por serem campeões olímpicos. Até hoje.
A World Athletics, organização que gere o atletismo internacional, anunciou nesta quarta-feira que vai premiar os campeões olímpicos do atletismo em Paris 2024 com um prémio de 50 mil dólares (46,5 mil euros). O organismo liderado por Sebastian Coe anunciou que terá um “prize money” global de 2,4 milhões de dólares (2,2 milhões de euros) para distribuir pelos vencedores das 48 finais olímpicas da modalidade – os vencedores das seis provas de estafetas terão de dividir o prémio. Para já, apenas os medalhados com ouro têm direito a este bónus, mas em Los Angeles 2028 também os medalhados com prata e bronze estarão abrangidos.
A World Athletics é a primeira federação internacional de um desporto olímpico a premiar os campeões olímpicos da sua modalidade em 128 anos de Jogos. Nem o próprio Comité Olímpico Internacional (COI) premeia os campeões olímpicos com mais do que a medalha, algo que é assim desde os Jogos de Atenas em 1896. Coe garante que este assunto não foi discutido com o COI e que eles só foram avisados desta medida durante a manhã desta quarta-feira, mas acredita que o organismo liderado por Thomas Bach não irá opor-se.
“A única coisa que o COI tem reconhecido é o primado das federações internacionais no que diz respeito a decidirem sobre o futuro de cada modalidade. Espero que o COI partilhe deste princípio, dado o seu compromisso de que as receitas obtidas através do movimento olímpico sejam reencaminhadas para a linha da frente. Penso que eles dizem que isso acontece com 80 ou 90 por cento”, referiu Coe, antigo atleta que foi bicampeão olímpico dos 1500m, em Moscovo 1980 e Los Angeles 1984.
Para o líder da World Athletics, esta será mais uma pedrada na aura de amadorismo que tem envolvido o olimpismo desde que foi transportado da antiguidade para os tempos modernos. “Devo ser da última geração que tinha um vale de refeição de 75 pence e um bilhete de comboio de segunda classe para representar o meu país. Percebo a natureza da transição que estamos a atravessar. Este é um planeta completamente diferente. Quero que os atletas mais jovens olhem para o nosso desporto e pensem que é financeiramente viável para eles”, frisou Coe.
Da parte do COI, e ainda sem se saber o que pensa Thomas Bach do assunto, veio um comunicado a sublinhar aquilo que Coe disse sobre a redistribuição das receitas: “O COI redistribui 90% daquilo que recebe, em particular para os comités nacionais e para as federações internacionais. Isto quer dizer que, todos os dias, o equivalente a 4,2 milhões de dólares é entregue para ajudar atletas e organizações internacionais a vários níveis e no mundo inteiro. Cabe a cada comité e cada federação determinar como melhor servir os seus atletas e desenvolver o desporto.”
Entre os atletas, não há ninguém que seja contra esta decisão da World Athletics. Karsten Warholm, por exemplo, dá as boas-vindas a esta medida. “É uma coisa boa e quero saudá-los por isto. Mas isso não muda a minha motivação de ganhar porque eu não estou nos Jogos pelo dinheiro. A medalha de ouro vale mais para mim”, frisou o norueguês, campeão olímpico dos 400m barreiras.
Em Portugal, o Estado paga por medalhas olímpicas e não apenas pelas de ouro. A Portaria n.º 332-A/2018, de 27 de Dezembro, define um prémio de 50 mil euros para os vencedores em finais de Jogos Olímpicos e Paralímpicos, 30 mil euros para o segundo classificado e 20 mil euros para o terceiro.