A contaminação por substâncias perfluoroalquiladas (PFAS) das fontes de água do mundo, tanto superficiais como subterrâneas, tem sido subestimada, revela um estudo publicado na segunda-feira na revista Nature Geoscience. Estes compostos químicos ficaram informalmente conhecidos como “eternos” porque não se deterioram com facilidade, acumulando-se no ambiente e nos organismos vivos.
“Até hoje, ninguém havia analisado a extensão global das PFAS presentes nas nossas fontes de água e comparado [esses valores] com as normas internacionais relativas à água para consumo humano. Verificámos que muitas amostras apresentavam concentrações superiores às normas relativas à água potável”, afirma ao PÚBLICO o co-autor Denis O’Carroll, professor de engenharia na Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália.
Os cientistas estudaram dados de concentração de PFAS oriundos de 273 estudos ambientais realizados ao longo dos últimos 20 anos. Estes trabalhos desdobram-se em informação proveniente de mais de 12.000 amostras de água superficial e 33.900 subterrânea recolhidas em diferentes geografias. Não há dados sobre Portugal.
“Procurámos dados em todo o lado sobre as concentrações de PFAS na água. Isto incluiu revistas científicas, relatórios e páginas governamentais. Comparámos as concentrações de PFAS nessas amostras de água com os parâmetros internacionais. Também comparámos os tipos de PFAS analisados com o que encontrámos nos produtos de consumo. Muitas vezes, medimos uma variedade muito mais ampla de PFAS em bens de consumo do que nas nossas águas. Isto quer dizer que não temos realmente uma boa ideia da gama de PFAS que existem nas águas”, afirma Denis O’Carroll.
Como o estudo recorreu à literatura científica existente, é provável que muitas amostras tenham sido recolhidas em locais onde as autoridades já suspeitassem da contaminação por PFAS – e daí haver muitos resultados com valores acima dos limites considerados seguros. Por exemplo: bases militares, onde são usadas espumas de combate a incêndios durante treinos, terão maior probabilidade de apresentar reservatórios subterrâneos de água contaminados por PFAS.
Contudo, mais de 15% das amostras de águas superficiais testadas apresentavam níveis perigosos de PFAS apesar de não estarem perto de nenhuma fonte conhecida dessas substâncias.
PFAS repelem água e gordura
O objectivo dos investigadores era avaliar a extensão global da contaminação por PFAS e estimar os riscos ambientais futuros. As PFAS constituem hoje um grupo de mais de 14.000 produtos químicos que foi inicialmente desenvolvido em laboratório nos anos 1950. Tornaram-se substâncias extremamente populares na indústria porque possuem propriedades físico-químicas muito interessantes: um objecto revestido com PFAS pode resistir ao calor e às manchas, além de repelir a água e as gorduras.
Aos poucos, as PFAS passaram a integrar incontáveis itens do nosso quotidiano: panelas antiaderentes, maquilhagens, roupas impermeáveis, sofás antimanchas, dispositivos médicos, embalagens take away e até espuma de combate a incêndios. Diferentes estudos sugerem que estes compostos químicos estão associados não só a impactos no ambiente, mas também na saúde humana.
De acordo com um relatório publicado há dois anos pelo HBM4EU, um projecto financiado pela União Europeia, a água potável e os alimentos são considerados as principais vias de contaminação para a maior parte da população. E daí a preocupação com o facto de a contaminação das fontes de água no planeta ser mais comum do que pensávamos. A omnipresença das PFAS nas nossas vidas é tal que estas substâncias já foram identificadas no sangue humano. Já foram feitos exames a 11 líderes europeus e todos tiveram teste positivo para a presença de PFAS no sangue. A União Europeia pretende banir estes compostos a partir de 2026.
Os cientistas sublinham no estudo da Nature Geoscience como a regulação está a “evoluir rapidamente” ao considerar não só uma gama mais ampla de PFAS (e não apenas substâncias isoladas como os compostos PFOA e PFOS), mas também limites cada vez mais baixos daquilo que é considerado uma concentração segura de PFAS.
O facto de estarmos a subestimar os níveis de PFAS na água potável não significa, contudo, que a água engarrafada é mais segura. A mensagem a reter está mais direccionada para o uso indiscriminado de PFAS e para a necessidade de uma monitorização mais apertada da presença de PFAS na água para consumo humano.
“As PFAS são apenas uma das substâncias químicas que utilizamos no nosso quotidiano. Enquanto sociedade, temos de ter em conta os produtos químicos que utilizamos e reduzir a utilização de alguns deles. O facto de podermos utilizar um produto químico de forma barata não significa que o devamos fazer”, conclui Denis O’Carroll.