Grupo Activistas em Tratamento quer testes às hepatites nos cuidados primários

Para o GAT é urgente ter estes testes nos cuidados de saúde primários, nomeadamente porque Portugal é um país em que muitos imigrantes vêm de zonas onde a hepatite B é endémica.

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O Grupo Activistas em Tratamento (GAT) aponta a falta de "uma política consistente de rastreio e vacinação dos adultos em risco Francisco Romão Pereira (arquivo)
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O Grupo Activistas em Tratamento (GAT) defendeu esta segunda-feira que os cuidados de saúde primários devem disponibilizar testes às hepatites, à semelhança do que já acontece para doenças sexualmente transmissíveis como a clamídia e a gonorreia. "Se calhar pressionados pelas notícias muito alarmistas das infecções sexualmente transmissíveis, e a hepatite B é uma infecção sexualmente transmissível, pela primeira vez os rastreios da clamídia e da gonorreia podem ser feitos nos cuidados primários de saúde. (...). É óbvio que a mesma coisa deve acontecer com a hepatite B e com a hepatite C", afirmou Luis Mendão, do GAT.

Sublinhando a urgência de ter estes testes nos cuidados de saúde primários, o responsável lembrou que Portugal é um país de imigração e que muitos imigrantes vêm de zonas onde a hepatite B é endémica e deveriam ser acompanhados de perto nos cuidados de saúde primários. "Temos de assegurar que rastreamos e diagnosticamos as pessoas nascidas fora de Portugal que têm hepatite B, que as tratamos, e que vacinamos aquelas que não estão infectadas, mesmo já em adultos", disse o responsável, considerando que a este nível há "um enorme atraso".

Apontando a falta de "uma política consistente de rastreio e vacinação dos adultos em risco", frisou que esta questão deve ser "uma prioridade" para que se consiga atingir os objectivos fixados na área da hepatite B.

Os responsáveis do Programa Nacional para as Hepatites Virais, da Direcção-Geral da Saúde, já tinham chamado a atenção para este problema, com o relatório divulgado no ano passado a apontar para um ligeiro aumento de internamentos por hepatite B crónica, justificado pelo aumento da migração forçada associada a conflitos armados. Segundo o relatório, divulgado em Julho, os internamentos por hepatite B crónica passaram de 17 em 2021 para 21 em 2022.

Na altura, o director do Programa Nacional para as Hepatites Virais, Rui Tato Marinho, apelou aos médicos de medicina geral e familiar que seguem esta população para pedirem o teste da hepatite B, C e HIV. Esta segunda-feira, em declarações à Lusa, voltou a insistir na necessidade de incluir nas análises de rotina uma análise ao fígado: "Hoje em dia quase toda a gente que vai ao médico faz análises, por uma razão ou por outra, portanto, é incluir", afirmou.

Por seu lado, Luís Mendão destacou o importante papel que as organizações de base comunitária com estas populações. "As organizações que trabalham com estas populações têm um papel fundamental de criar confiança e de promover junto dos líderes daquela comunidade a oferta de rastreio", disse o responsável, acrescentando: "O envolvimento de organizações de base comunitária, enquadradas pelas universidades e pelos especialistas em saúde pública, é determinante para resolver o problema, mas estas não podem substituir a ausência de uma política nacional".

Falta de dados

Luís Mendão alertou igualmente para a falta de dados sobre a situação das hepatites em Portugal, lembrando que não foram reportados dados nos últimos anos porque o sistema colapsou."Portugal não reportou as metas para o VIH, e para as hepatites também não (...) porque o sistema (...), de alguma maneira, colapsou e ainda não foi substituído", afirmou, sublinhando a importância de conhecer a real situação no país para se poder aplicar as políticas certas.

Questionado pela Lusa, o director do Programa Nacional para as Hepatites Virais, Rui Tato Marinho, reconheceu que a recolha de dados "pode sempre melhorar", que é um problema internacional, mas insistiu que, apesar de tudo, nos últimos dois anos, foi possível fazer, em relação às hepatites, dois relatórios. "Têm muitos dados sobre o que se passa com as hepatites e as suas repercussões, os dadores de sangue, testes feitos, os doentes internados, os transplantes", acrescentou.

Tato Marinho disse ainda que a nível internacional há igualmente um problema relativamente às hepatites agudas (a primeira vez que a pessoa tem hepatite), em que "o número de casos que são notificados às autoridades de saúde é inferior ao que existe na realidade". "Por outro lado, são doenças que, na maior parte dos casos, a pessoa não sabe que está a ter, portanto, não tem sintomas. E algumas delas são casos crónicos, que já vêm de há muitos anos, como hepatite B, hepatite A. A pessoa pode fazer o diagnóstico passado 20 ou 30 anos, e isto não é bem um caso agudo", justificou, para explicar a dificuldade da recolha de dados.

Luis Mendão, por seu lado, apontou a falta de um sistema de monitorização acordado com a Organização Mundial de Saúde e o Centro Europeu de Controlo de Doenças que permita que "todos os países da região Europeia usem os mesmos indicadores e os recolham" para determinar a situação actual e o que é preciso fazer. "Não é nada de transcendente, mas o problema é que os sistemas de informação em saúde em Portugal têm atrasos, muitos deles são incompatíveis uns com os outros e, além disso, os médicos queixam-se que têm pouco tempo para fazer o paperwork de notificações", explicou Luís Mendão, sublinhando a necessidade de encontrar um sistema que funcione.

O responsável falava à Lusa a propósito do encontro World Hepatitis Summit 2024, que decorre em Lisboa, de 9 a 11 de Abril, com profissionais de mais de 100 países. O principal objectivo é discutir e concretizar a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) de eliminar as hepatites até 2030.