Prescrição social. “Já foram beneficiadas mais de 800 pessoas e referenciadas mais de 1500”
Há projectos em diferentes fases de implementação no país, explica a directora da Escola Nacional de Saúde Pública, para quem a prescrição social deve ser “considerada uma política pública”.
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Em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa, actualmente há mais de dez projectos de prescrição social em curso nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, no Alentejo, no Algarve e no Norte, adianta a directora, Sónia Dias. "Há uma grande diversidade de iniciativas."
Como é que a Escola Nacional de Saúde Pública entrou nesta aventura da prescrição social?
A escola está, desde o início, a seguir este projecto que Cristiano Figueiredo trouxe para Portugal. Conheci-o num concurso do tipo shark tank [lago dos tubarões] e comprei logo a ideia. Há um conjunto muito abrangente de actividades e de respostas que enquadramos no contexto da prescrição social. O termo pode ir variando, o social não é a ideia do social mais assistencialista, tem muito a ver com as respostas na comunidade, que podem ser sociais ou de promoção de estilos de vida mais saudáveis, com actividade física, caminhadas, aulas de dança, de hidroginástica, ou ainda actividades culturais, por exemplo a integração em grupos de teatro, de música ou de pintura.
A escola tem acompanhado a maioria dos projectos e começamos a ter diferentes modalidades de prescrição. Hoje, temos um conjunto variado de experiências com diversos modelos de aplicação em que a coordenação é feita pelos municípios ou comunidades intermunicipais, ou então por organizações do terceiro sector. Há uma grande diversidade de iniciativas. Em parceria com a ENSP, actualmente existem mais de dez projectos em curso nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve e Norte. Estão em diferentes fases de implementação. Já foram beneficiadas mais de 800 pessoas e referenciadas mais de 1500.
Porque é que decidiram lançar a rede Prescrição Social Portugal?
Queremos partilhar competências e as experiências que têm surgido e permitir que a estratégia de prescrição social se vá robustecendo e, quem sabe, consiga seguir o caminho que está a ser seguido noutros países – que possa ser considerada uma política pública e permita uma integração entre o sector social e da saúde. Organizada desde 2023, a rede integra investigadores, profissionais multidisciplinares, utilizadores de serviços, gestores e decisores políticos. E conta com o apoio institucional da Direcção Executiva do SNS, do Portugal Inovação Social, do Instituto da Segurança Social, da Direcção-Geral da Saúde, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo e da Plataforma Saúde em Diálogo.
A ENSP tem vindo a dar formação aos profissionais que no Reino Unido se chamam “link workers”. Quem são estes profissionais em Portugal?
Dentro dos cuidados de saúde, este trabalho tem vindo a ser feito pelos assistentes sociais. Mas temos estado a trabalhar com um conjunto alargado de profissionais dos municípios, não só assistentes sociais, mas também psicólogos, farmacêuticos, animadores sociais, todos os que conhecem as respostas disponíveis na comunidade. Na ENSP temos dois tipos de formação: uma aplicada aos projectos em concreto, que se foca no que são as competências necessárias, e, depois, temos blocos individuais de formação para os diferentes níveis de prescrição – para os profissionais que vão referenciar, para os prescritores e para os elementos dos pontos focais na comunidade.
Já é possível perceber que tipo de mais-valias é que a prescrição social traz?
No Reino Unido, onde começou há cerca de 20 anos, já existe evidência de mais-valias, desde logo um aumento do bem-estar e da qualidade de vida e a melhoria do estado de saúde, com um impacto muito significativo na área da saúde mental. Em Portugal, os dados ainda preliminares que temos indicam que parece ter benefícios a três níveis. A nível individual, começamos a ter alguns indicadores de redução do isolamento social, da ansiedade e de alguns sintomas depressivos. Algumas pessoas reportaram também sentir menos dor e um maior sentido de pertença à comunidade, graças ao contacto social.
Começamos também a ter alguns indicadores que parecem apontar para uma utilização mais adequada dos cuidados de saúde e a redução de consumo de alguns medicamentos, nomeadamente na área da saúde mental. Por outro lado, há um impacto ao nível das instituições e do funcionamento em rede – a articulação intersectorial tem melhorado muito. A prescrição social permite uma maior integração das respostas nos diferentes sectores que podem contribuir para saúde.