Da terra ao mar, as bactérias escolhem “armas” contra os vírus conforme o ambiente
Equipa de cientista português descobriu que as bactérias escolhem estratégias de defesa contra os vírus dependendo do ambiente em que vivem. Pode haver contributos para a saúde e ambiente.
É como se fosse mesmo uma guerra, mas aqui os envolvidos são bactérias e vírus. Uma equipa de cientistas, liderada por um português, olhou para esse cenário, mas com especial atenção para a estratégia de combate das bactérias. E algo foi claro: os “exércitos” de bactérias escolhem as “armas” e adaptam-se conforme o ambiente em que operam – isto é o que acontece com os exércitos de humanos, que usam diferentes armas dependendo do teatro de guerra em que estão.
O cenário de guerra é este: bactérias que são infectadas por vírus, os chamados “fagos”, que são das entidades biológicas mais abundantes no planeta. As bactérias tentam proteger-se desses vírus ao desenvolverem sistemas de defesa e inactivar esses fagos. Assim, esses exércitos de bactérias “combatem” com essas armas para não ficarem infectados.
Uma equipa de cientistas coordenada por Pedro H. Oliveira, líder do grupo de Genómica e Epigenómica Microbiana do Centro Nacional de Sequenciação Francês, esteve a seguir microscopicamente essa guerra, ao fazerem um mapeamento minucioso do “arsenal de defesa” das bactérias.
Para isso, fez-se uma análise bioinformática de quase 8000 genomas de bactérias em três tipos de ambientes: marítimo, com amostras de todos os oceanos; no solo de vários países; e do intestino humano de pessoas saudáveis de 24 países de cinco continentes. Algumas das amostras marítimas pertencem à Zona Económica Exclusiva portuguesa. Esta foi a primeira vez que se fez uma análise desta escala aos mecanismos de defesa bacterianos de vários ambientes, de acordo os autores num resumo sobre o trabalho publicado recentemente na revista científica Nature Communications.
Nesse teatro de guerra, verificou-se que as bactérias têm mais de 100 tipos diferentes de armas, cada uma com a sua especificidade, contra os vírus. Esses diferentes armamentos eram usados conforme o ambiente em que estavam.
“Descobrimos que, nesta corrida ao armamento contra os vírus, as bactérias se adaptam e inovam constantemente, mas que, principalmente, escolhem diferentes estratégias de defesa dependendo do ambiente em que vivem”, explica ao PÚBLICO Pedro Oliveira. No fundo, essa estratégia é semelhante às técnicas modernas usadas por exércitos humanos, que têm diferentes armas conforme o teatro de guerra em que estão, compara o investigador.
Mais: a equipa observou ainda que alguns sistemas evoluem geneticamente de forma mais rápida do que outros. O que quer isto dizer? “Significa que a bactéria está constantemente a gerar armas adicionais diferentes das que tinha”, esclarece o cientista.
Contributos da saúde ao ambiente
Quanto a diferenças entre os ambientes estudados, verificou-se que as bactérias marinhas têm poucos sistemas de defesa. Pedro Oliveira indica que tal acontecerá porque as bactérias marinhas preferem genomas de pequena dimensão e os tempos de contacto com os vírus são inferiores comparativamente às que estão nos solos terrestres e no intestino humano.
E quais podem vir a ser os contributos deste trabalho? Um deles pode ser no combate das próprias bactérias, nomeadamente as que podem ser prejudiciais para a saúde e o ambiente. Pedro Oliveira refere que tal é possível porque, se se conhecer as suas armas de defesa, podem usar-se estratégias mais adequadas para se neutralizarem essas bactérias patogénicas.
Uma ideia para que esta estratégia possa ser posta em prática é através da terapia fágica, uma abordagem terapêutica em que se usam vírus (os tais fagos) que matam bactérias específicas no tratamento de doenças infecciosas. Conhecer as armas que as bactérias usam para combater os fagos pode ser uma forma de derrotar as próprias bactérias. “Os nossos resultados vão permitir que quem esteja a desenvolver fagos terapêuticos o possa fazer com o objectivo de ter um arsenal de ataque que consiga debelar o arsenal de defesa específico de cada espécie de bactéria”, refere o cientista.
Quanto ao ambiente, os resultados retirados deste trabalho podem vir a ser usados, por exemplo, no tratamento de efluentes ou na substituição de antibióticos na pecuária. Saber, de forma mais concreta, onde nos podem levar os conhecimentos sobre as estratégias de guerra conhecidas neste estudo será, por certo, uma das próximas missões de equipas de cientistas nos seus próximos combates, seja na saúde seja no ambiente.