Estamos a escrever mais haikus sobre percevejos, dizem cientistas
Cientistas estudaram referências a artrópodes em quase 4000 haikus, poemas breves de origem japonesa. E descobriram que andamos a escrever mais sobre percevejos com o regresso das infestações.
Dois cientistas que estudam insectos tentaram responder a uma pergunta incomum no domínio da entomologia: como é que certos animais estão representados nos haikus, poemas de versos curtos de origem japonesa? A dupla descobriu, entre muitas outras coisas, que houve um aumento de haikus sobre percevejos entre 2010 e 2022 – coincidindo com o regresso das pragas de percevejo (Cimex lectularius).
“Podemos ver no nosso conjunto de dados que houve um aumento de haikus sobre percevejos nos últimos anos, correspondendo ao ressurgimento das infestações de percevejos em todo o mundo (que está relacionado com a evolução da resistência aos pesticidas). Até ao início deste século, pelo menos na nossa amostra, não havia haikus sobre percevejos (Cimex spp)”, explica ao PÚBLICO o entomólogo Andrew R. Deans, primeiro autor do estudo sobre as referências a artrópodes em haikus, publicado esta semana na revista científica Plos One.
Andrew R. Deans conta que, numa amostra de quase 4000 haikus, também foram identificados muitos textos antigos sobre pulgas (ordem Siphonaptera), textos que “remontavam a séculos atrás”. Contudo, “quase nenhum” haiku sobre pulgas foi localizado depois de 1900.
“Talvez isto esteja relacionado não só com uma melhor higiene dos nossos animais [domésticos], mas também com melhores métodos de controlo de insectos? Pergunto-me que outros padrões poderíamos encontrar num conjunto de dados mais alargado”, indaga-se o cientista, que dá aulas na Universidade do Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e dirige o Museu Entomológico Frost na mesma instituição.
Outra observação histórica com interesse é o facto de, na amostra estudada, as pessoas não escreverem muitos haikus sobre aranhas até à década de 1950. Por que razão? Não se sabe muito bem. “As aranhas estão muito bem representadas noutros produtos culturais. O mesmo se passa com as vespas, as abelhas e as formigas. Há muito poucos haikus sobre estes animais antes dos anos 1950, embora as formigas sejam abundantes em quase todos os habitats (incluindo dentro das nossas casas) e as abelhas sirvam de polinizadores e nos forneçam mel e cera”, observa o entomólogo.
Como numa pintura pontilhista
Juntamente com a curadora Laura Porturas, Andrew R. Deans concluiu ainda que as borboletas, as abelhas, as formigas e as moscas são os artrópodes mais referidos numa amostra de haikus. Estas referências no corpus estudado descrevem muitas vezes a cor, o voo e ecologia destes animais.
“Ler um só haiku é quase como olhar de perto para uma pintura pontilhista. É difícil ver padrões mais alargados. Ao reunirmos milhares de haikus, ao longo do tempo e de diferentes poetas, naquilo a que chamamos um corpus, podemos aplicar ferramentas linguísticas para ver padrões mais alargados. É como se déssemos alguns passos atrás perante uma pintura pontilhista, para ver um quadro mais alargado”, explica Andrew R. Deans.
O entomólogo acredita que podemos aprender muito sobre a forma como os humanos percepcionam o mundo natural estudando produtos culturais, a exemplo da literatura ou das artes plásticas. “O conhecimento adquirido através deste tipo de investigação, por vezes designado por ‘culturómica’, pode dizer-nos algo sobre o nosso estado de espírito colectivo, ou mesmo sobre a forma como as nossas interacções com a natureza mudaram num mundo em rápida transformação”, diz o cientista.
Os autores reuniram a amostra de haikus na Internet, procurando páginas e revistas que publicam exclusivamente estes poemas de versos curtos, e também recorrendo a cerca de 1200 haikus que fizeram parte de um concurso organizado de 2008 a 2012. Esta competição destinava-se apenas a poemas breve sobre insectos.
“O Heron's Nest é uma revista de haiku acessível ao público, por exemplo. Procurámos nestes recursos haikus sobre artrópodes (insectos, aranhas, centopeias, milípedes, etc.) e encontrámos cerca de 2600 poemas”, refere Andrew R. Deans, numa resposta por e-mail.
De acordo com o autor, as pessoas que escrevem haikus parecem “reparar nos comportamentos (voar, rastejar, procurar alimento, ou emitir sons)” e “na forma como os artrópodes interagem com outras espécies (por exemplo: polinizar uma flor ou sugar o sangue de um ser humano)”. Por outro lado, os escritores não parecem estar minimamente interessados na reprodução nem na fisiologia dos artrópodes – processos biológicos como a digestão ou a metamorfose, por exemplo.
E os insectos aquáticos?
Um dos resultados que surpreendeu Andrew e Laura foi o facto de praticamente não haver haikus com referências a insectos aquáticos. “Só vimos uma mão-cheia de haikus sobre Efeméridas (Ephemeroptera) e outras espécies aquáticas. Talvez haja aqui uma oportunidade para uma maior divulgação por parte dos cientistas, de modo a sensibilizar as pessoas para esta fauna atraente e muito importante”, sugere o entomólogo.
Outra surpresa está relacionada com o tom dos versos. Perante a crise climática e o declínio dos insectos no planeta, os autores pensavam que poderiam encontrar a expressão de emoções negativas ou positivas nas referências às diferentes espécies.
“Esperava ver mudanças mais dramáticas no tom ou na emoção ao longo do tempo, quer positivas (porque sabemos mais sobre os insectos e nos preocupamos mais com eles agora) quer negativas (por exemplo, porque estamos preocupados com o declínio dramático da biodiversidade), mas os haikus são demasiado curtos e subtis para transmitir muita emoção”, conclui Andrew R. Deans.