A agricultura intensiva no Alentejo continua a dar maus resultados

Embora os impactes ambientais negativos da agricultura superintensiva estejam a ser demonstrados por cientistas e denunciados por jornalistas, ainda há quem tente provar que este modelo é eficiente.

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A construção da barragem do Alqueva terminou durante a minha licenciatura e lembro-me de forjar uma discussão sobre as vantagens e desvantagens deste projeto numa aula de Hidrologia, persuadindo o professor a deixar as aborrecidas equações para outra aula. Foi por essa altura que visitei Beja pela primeira vez a convite da minha melhor amiga da faculdade. Quase dez anos mais tarde acompanhei um grupo de cerca de 30 alunos de Geografia de uma universidade escocesa a Moura, Beja e arredores, para que estes investigassem a opinião dos atores locais sobre a eficácia dos vários mecanismos de desenvolvimento rural utilizados na região, sendo a barragem do Alqueva um dos projetos tidos em conta. Naquela altura lembro-me que os vários agentes turísticos estavam ainda na expetativa de que hotéis, restaurantes e campos de golfe fossem construídos e criassem prosperidade e trabalho na região. Lembro-me também de ouvir agricultores desanimados, ainda sem a prometida inclusão das suas propriedades no perímetro de rega do Alqueva.

Mais dez anos passados voltei a Beja e desta vez vi, finalmente, transformação. O céu outrora azul esteve sempre cinzento, havia um cheiro estranho no ar, encontrei pessoas de origem asiática no jardim da cidade e visitei uma novíssima praia nascida no meio de campos intermináveis de plantações superintensivas de oliveira. Pensei que as pessoas estavam finalmente felizes com a mudança. A agricultura tinha agora toda a água que precisava para continuar a crescer e trazer prosperidade à região, os alentejanos tinham uma praia à altura das praias do litoral para atrair turistas e haveria agora trabalho em abundância. O país assegurava certamente a sua segurança alimentar e todos teriam ao seu alcance azeite, e frutas e legumes nutritivos a preços acessíveis. Mas parece que não.

Embora os impactes ambientais negativos da agricultura superintensiva estejam a ser demonstrados por cientistas e denunciados por jornalistas, ainda há quem tente provar que este modelo é bastante eficiente na utilização dos recursos naturais, consumindo menos água e menos energia e emitindo menos gases de efeito estufa (GEE) por cada quilograma de alimentos produzido. No entanto, a área licenciada para exploração de agricultura intensiva continua a crescer e, por isso, o total de energia e de água consumida, assim como as emissões de GEE aumentam, e o que conta é mesmo o total.

Em termos de segurança alimentar também não parece ser com a agricultura superintensiva a crescer no país que temos baixos preços de azeite, frutas e legumes. Pelo contrário, Portugal regista a subida mais acentuada do preço do azeite entre os países da União Europeia e as frutas e legumes têm subidas de preço acima dos 30% –​ veja-se o exemplo da couve-coração, com subida de preço acima de 70%, e o da laranja, com cerca de 33%, de acordo com a Deco Proteste.

A guerra na Ucrânia tem contribuído (e servido como desculpa) para o aumento de preço da energia e dos fertilizantes e, sendo a agricultura superintensiva muito dependente de energia para a rega, e de fertilizantes, é muito vulnerável à subida de preços dos mesmos, havendo assim a inevitável subida dos preços das frutas, legumes e azeite. O que é produzido em Portugal é vendido a quem pode pagar mais, nomeadamente aos que habitam nos países do Norte da Europa, e não aos portugueses, sendo que as exportações nacionais de frutas e legumes continuam a bater recordes. Os efeitos das alterações climáticas também não têm dado descanso, causando quebras de produção que contribuem para a subida dos preços. Lá se vai o argumento da eficiência deste modelo na utilização de recursos naturais.

Por último, a agricultura superintensiva tem sido muito eficaz a importar mão-de-obra imigrante, principalmente vinda de países asiáticos, que respondem ao chamamento para virem trabalhar onde esta existe, sendo que não pararão de chegar enquanto este chamamento existir.

O desenvolvimento sustentável assenta em três pilares fundamentais, a economia, o ambiente e o social, sendo que, se apenas um desses pilares não se verificar, não há sustentabilidade no desenvolvimento. No modelo de crescimento económico para o Alentejo, baseado na agricultura superintensiva, nenhum dos pilares ficou de pé e, por isso, o modelo fracassou. E a julgar pelo resultado das últimas eleições, os alentejanos exigem uma mudança, para outro modelo económico. Espera-se que os políticos tenham agora tempo para refletir na necessidade de promover e apoiar um novo modelo de desenvolvimento sustentável, que crie trabalho qualificado e bem pago na agricultura, no turismo, no mar, ou no setor das energias renováveis, para que os jovens tenham interesse em fixar-se no território.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico