Identificar insectos só pelo som é difícil, mas a inteligência artificial ajuda
A inteligência artificial é capaz de descobrir espécies de insectos através da bioacústica. Este novo passo pode ser essencial para a monitorização dos insectos e a conservação da biodiversidade.
Os insectos estão por todo o lado, mas nem sempre os conseguimos identificar ouvindo apenas o som que reproduzem. Um novo estudo descobriu que a inteligência artificial (IA) pode “dar uma ajuda” neste campo e contribuir para proteger os ecossistemas, a biodiversidade e a saúde humana. O estudo realizado por investigadores da Universidade de Massachusetts (UMass) Amherst e publicado no Journal of Applied Ecology nesta semana permite avaliar “até que ponto a machine learning pode identificar diferentes espécies de insectos pelo seu som, desde os mosquitos transmissores da malária aos gorgulhos famintos de cereais até às abelhas polinizadoras de culturas e às cigarras sugadoras de seiva”.
A bioacústica estuda os sons produzidos por organismos vivos e pela natureza. Esta área de estudo “tem sido utilizada para monitorizar insectos importantes do ponto de vista económico (como pragas de alimentos e madeira), ecológico (incluindo o funcionamento interno das colónias de abelhas) e epidemiológico (mosquitos vectores de doenças humanas)”, relata Laura Figueroa, investigadora e autora do estudo ao PÚBLICO.
O relatório sustentou-se numa profunda revisão científica e recorda que os insectos desempenham “papéis ecológicos fundamentais”. Alguns deles “fazem o ciclo de nutrientes no solo, polinizam as plantas com flores do mundo e fornecem uma importante fonte de alimento para muitas espécies”. Por outro lado, outros são “pragas agrícolas significativas e propagam doenças humanas”. Os autores dizem que as pragas podem “danificar as culturas no campo e após a colheita”, o que resulta em perdas de alimentos em grande escala.
Há alguns insectos que se estão a multiplicar, como os mosquitos, que podem transportar malária, dengue e outras doenças, refere o relatório, numa altura em que se sabe que as alterações climáticas estão a contribuir para propagar doenças infecciosas. No entanto, existem outros insectos cuja reprodução está a decair, como é o caso dos polinizadores. Assim, torna-se necessário fazer um controlo das espécies: quer para bem das próprias, quer para o que a sua existência representa na preservação do ambiente.
“Há muitos insectos com os quais nos preocupamos profundamente e que queremos conservar (por exemplo, abelhas polinizadoras ou joaninhas, ambos importantes para a agricultura sustentável)”, exemplifica Laura Figueroa ao PÚBLICO. Mas nem só de aparências vive a conservação da natureza, e também é importante preservar os insectos menos queridos.
Monitorizar os insectos que “dominam o mundo”
"Os insectos dominam o mundo", afirma Laura Figueroa, professora assistente de conservação ambiental na UMass Amherst e autora do artigo científico. "Alguns são vectores de doenças e pragas, enquanto outros polinizam culturas nutritivas e fazem o ciclo dos nutrientes”.
Além disso, “são a base dos ecossistemas em todo o mundo, servindo de alimento a animais que vão desde aves e peixes a ursos e seres humanos. Para onde quer que olhemos, há insectos, mas é difícil ter uma noção de como as suas populações estão a mudar", realça a investigadora, citada pelo comunicado da Universidade de Massachusetts Amherst.
(Ouça alguns dos sons captados por Laura Figueroa)
De facto, os autores explicam no estudo que “na era dos pesticidas químicos, das alterações climáticas e de outros factores de stress ambiental, as populações de insectos estão a mudar drasticamente”.
E onde entra a inteligência artificial no meio disto tudo? Estas preocupações sobre o declínio dos insectos conduziram a uma nova estratégia que permite monitorizar os insectos, baseada em inteligência artificial, que está cada vez mais presente na realidade actual. O novo caminho é a bioacústica, explicam os cientistas.
"A bioacústica automatizada é uma ferramenta fundamental num conjunto de ferramentas multifacetadas que podemos utilizar para monitorizar eficazmente estes organismos importantes em todo o mundo", diz Anna Kohlberg, principal autora do estudo.
Os insectos emitem sons em determinados comportamentos, como na atracção de parceiros e defesa, mas também incidentalmente quando voam ou se alimentam. Esta actividade permite que sejam monitorizados de forma eficaz.
Na investigação, foram encontrados modelos bioacústicos para 302 espécies diferentes distribuídas por nove ordens taxonómicas. Os modelos foram divididos em três grandes categorias: non-machine learning, machine learning e deep learning. O método de machine learning é uma forma de inteligência artificial que permite a sistemas informáticos realizarem tarefas com base na análise de muitos dados, aprendendo a reconhecer padrões. Já o deep learning é uma subcategoria de machine learning e consiste na utilização de redes neurais, interpretando uma grande quantidade de dados de uma forma parecida com a do cérebro humano.
Segundo o estudo, ambos os métodos têm uma elevada precisão, mas os autores verificaram que os “modelos que se baseiam no deep learning foram os mais bem-sucedidos”. Alguns conseguiram classificar “centenas de espécies com mais de 90% de exactidão”, referem. Ainda de acordo com o estudo científico, os modelos deep-learning para identificar mosquitos “tiveram estimativas de precisão que atingiram 100%”.
Não obstante a eficácia da inteligência artificial, os investigadores ressalvam que “não significa que a IA possa ou deva substituir todas as abordagens tradicionais de monitorização". E há limitações no que pode fazer: em contextos ruidosos, há sons que podem ser confundidos.
A investigadora Laura Figueroa reconhece o potencial da inteligência artificial, uma vez que consegue identificar mais de 300 espécies de insectos só pelo som e a tendência é melhorar. No entanto, diz que, actualmente, a IA “é subutilizada para monitorizar as populações de insectos”.
Sobre os próximos passos da investigação, a autora explica ao PÚBLICO que o estudo “destacou a necessidade de os investigadores trabalharem em conjunto com os profissionais (por exemplo, pessoas que trabalham em ONG de conservação, agências de saúde pública e agricultura) para descobrir a melhor forma de implementar tecnologias existentes e emergentes para melhor servir as necessidades globais prementes”.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva