Um Inverno invulgarmente quente no Canadá este ano atrasou a abertura de uma estrada de gelo de 400 quilómetros que é reconstruída todos os anos como a principal via de acesso da Rio Tinto, Burgundy Mines e De Beers às suas minas de diamantes na remota região do Árctico.
A Estrada de Inverno, que serve a região que apenas fica acessível por via aérea durante dez meses do ano, abriu com um atraso de duas semanas em meados de Fevereiro, perturbando a circulação de mercadorias ao longo da estrada de gelo construída sobre 64 lagos congelados.
No início desta semana, o governo tlicho dos Territórios do Noroeste (NWT) restringiu a circulação de camiões comerciais durante alguns dias numa das estradas de Inverno, devido à previsão de tempo mais quente na região de North Slave.
Embora a produção de diamantes não tenha sido afectada, o atraso sublinha os desafios que as empresas enfrentam quando as minas que fazem do Canadá o terceiro maior produtor mundial de diamantes chegam ao fim da sua vida produtiva. Além disso, salienta também o obstáculo em termos de infra-estruturas para o NWT e o Nunavut, que se estão a posicionar como as próximas fronteiras na exploração de metais essenciais, como as terras raras, o cobalto e o lítio, na transição para um futuro mais verde.
Os atrasos na construção da Estrada de Inverno, que começou a funcionar em 1982, já ocorreram no passado, mas o atraso deste ano é o mais longo dos últimos anos, segundo Tom Hoefer, conselheiro da Câmara de Minas de NWT e Nunavut. "Como resultado, começámos o caminho um pouco mais tarde", afirmou.
O papel da crise climática
As alterações climáticas, impulsionadas pela queima de combustíveis fósseis, juntamente com o surgimento do padrão climático natural El Niño, empurraram o mundo para vários episódios de calor recorde em 2023.
O impacto do El Niño este ano fez com que Yellowknife, a capital da NWT, registasse uma temperatura máxima de zero graus Celsius em Dezembro e menos 8,7 graus Celsius em Fevereiro, o que fez com que fossem os dias de Inverno mais quentes numa década, de acordo com dados do Environment Canada.
A Estrada de Inverno abre entre o final de Janeiro e o início de Abril e requer um mínimo de 74 cm de gelo para os veículos que podem transportar 26.000 kg de peso bruto, para transportar o gasóleo e a dinamite necessários ao funcionamento das minas. Nos dias mais quentes, os engenheiros descobriram formas de “enganar a natureza”, criando gelo artificial através de aspersores gigantes para pulverizar água no ar, de modo a arrefecer e formar uma espessa camada de gelo quando cai a água.
Paul Gruner, director executivo da companhia indígena Tlicho Investment Corp & Group of Companies, afirma que este ano o Inverno foi quente no início.
A “Winter Road”, como é vulgarmente conhecida, é explorada conjuntamente pela Burgundy Diamond Mines, Rio Tinto e De Beers do grupo Anglo American, que exploram as minas de diamantes de Ekati, Diavik e Gahcho Kue, respectivamente. A De Beers e a Burgundy Diamonds afirmaram que as operações nas suas minas não foram afectadas pelo Inverno ameno. A empresa de mineração Rio Tinto não quis comentar.
A Estrada de Inverno custa 25 milhões de dólares canadianos (aproximadamente 17 milhões euros) para funcionar durante dois meses, valor que é partilhado pelas três empresas com base nas mercadorias transportadas na estrada e na distância percorrida. No entanto, as minas têm uma vida operacional de cerca de 20 anos e, quando chegam ao fim da vida útil, têm de ser encerradas.
A Rio Tinto declarou que encerrará a mina de Diavik em 2026 e a De Beers planeia encerrar Snap Lake no final deste ano, enquanto procura prolongar a vida de Gahcho Kue.
História do ovo e da galinha
A remota região árctica do Canadá, onde vivem cerca de 86.000 pessoas, enfrenta o encerramento total de todas as minas de diamantes até 2030 e está a procurar formas de manter a actividade mineira viva. A falta de infra-estruturas é um desafio e a redução da utilização sazonal da estrada de gelo pode prejudicar os investimentos necessários para a extracção de minerais essenciais.
"Se estivermos na fase de exploração (...) e considerarmos a utilização da Estrada de Inverno como parte do nosso modelo de negócio principal, os riscos começam a entrar (...) na nossa decisão de avançar ou não com um projecto", afirmou Gruner, da Tlicho Investment.
Tom Hoefer, da NWT e da Câmara de Minas de Nunavut, disse que os dois territórios do Norte, que são tão grandes como a Europa, têm os défices de infra-estruturas mais elevados do Canadá – uma das razões para os custos de vida e de actividade muito elevados na região.
"É a situação da galinha e do ovo, as empresas mineiras provavelmente não virão a menos que haja alguma infra-estrutura, é simplesmente demasiado caro", disse Heather Exner-Pirot, directora do programa de Energia, Recursos Naturais e Ambiente do Instituto Macdonald-Laurier. A construção de estradas de cascalho custa 3 milhões de dólares canadianos por quilómetro, fez saber Heather Exner-Pirot.
Os grupos mineiros estão a insistir num megaprojecto de infra-estruturas que ligue NWT a Nunavut e que atravesse as minas de diamantes, o que poderia ajudar a desbloquear as riquezas minerais da região. Pelo menos 23 dos 31 minerais cruciais enumerados pelo Governo canadiano encontram-se no NWT.
"Quando o projecto surgir, substituirá as estradas que serviram a exploração mineira durante 40 anos, mas, até que isso aconteça, as estradas de gelo são necessárias", explicou Tom Hoefer.