Corrida ao lítio e outros minerais está a ameaçar grandes símios em África

Transição energética global faz aumentar procura por minerais raros em África, deixando em risco mais de um terço de toda a população de gorilas, bonobos e chimpanzés, diz estudo.

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Bonobos estão entre os símios ameaçados pela crescente exploração mineira em África Martin Harvey
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O impacto da exploração mineira nos grandes símios em África tem sido largamente subestimado, deixando em risco mais de um terço de toda a população de gorilas, bonobos e chimpanzés. Esta é a principal conclusão de um estudo, publicado na quarta-feira na revista científica Science Advances, que alerta para os efeitos colaterais da corrida aos minerais necessários à produção de baterias para carros eléctricos.

“Há muito que suspeitávamos que a ameaça da mineração aos grandes símios, e ao seu habitat, estava subestimada. No entanto, fiquei surpreendida ao descobrir que aproximadamente 180.000 chimpanzés, gorilas e bonobos poderão enfrentar futuras ameaças relacionadas com a extracção de minerais”, afirma ao PÚBLICO Jessica Junker, primeira autora do estudo e investigadora da Re:wild, uma organização dedicada à conservação da vida selvagem.

Elementos como o lítio, o níquel e o cobalto são essenciais para o fabrico de baterias ​(e outros dispositivos necessários à transição energética), cujo uso massivo poderá reduzir a queima de combustíveis fósseis e, como consequência, a emissão de gases com efeito de estufa. Se, por um lado, os autores do estudo aplaudem e encorajam esta aposta em energias limpas, por outro temem que a corrida aos minerais raros deixe um rasto de destruição em África.

“Devemos estar conscientes de que os nossos esforços para uma transição energética verde podem ter custos para a biodiversidade noutros locais. É crucial que adoptemos uma mentalidade de redução do consumo e que os governos e os decisores políticos abracem políticas de reciclagem mais eficazes, de modo a facilitar a reutilização sustentável de metais. Sem esta mudança na sociedade, imagino um futuro sombrio para os espaços selvagens que restam [no planeta]”, alerta Jessica Junker.

Destruição de florestas tropicais

A procura desenfreada por elementos como o lítio, alerta o estudo da Science Advances, pode provocar um aumento exagerado da exploração mineira em África, onde uma parte substancial desses recursos permanece intacta. Este interesse comercial crescente está associado à destruição das florestas tropicais que albergam grande biodiversidade, incluindo populações de grandes símios.

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Para elaborar o estudo, os cientistas recorreram a dados sobre projectos de exploração mineira (em curso ou em fase inicial) situados em 17 países africanos, incluindo a Libéria, o Mali e a Guiné. Foram definidos perímetros de 10 quilómetros para considerar impactos directos, como a poluição sonora ou luminosa, e de 50 quilómetros para aferir consequências indirectas (a abertura de estradas que facilitam o acesso a florestas outrora remotas, por exemplo).

“Combinámos dados espaciais relativos à distribuição dos [grandes] símios com as localizações dos projectos de mineração e perímetros de 10 e 50 quilómetros para representar ameaças directas e indirectas à mineração, respectivamente. A partir daí, medimos a sobreposição espacial entre essas camadas para estimar o impacto potencial das actividades de mineração sobre os grandes símios e a proporção da população total afectada”, esclarece Jessica Junker.

No perímetro de maior proximidade, a exploração mineira traz incómodos imediatos para as populações de grandes símios: o barulho das máquinas, a iluminação artificial, a perda de habitat. E existem ainda os potenciais impactos indirectos: de cada vez que uma nova estrada é construída para dar acesso a um centro de mineração, surgem novas dinâmicas socioeconómicas que antes não existiam.

Haverá pessoas que migram mais facilmente para a zona à procura de emprego ou novas oportunidades. Um centro de mineração vai exigir motoristas capazes de assegurar o transporte de mercadorias ou máquinas, por exemplo. Estas novas realidades perturbam o quotidiano dos grandes símios de diferentes formas — desde o aumento da caça ilegal ao maior risco de transmissão de doenças.

Os cientistas verificaram nos países da África Ocidental — incluindo a Libéria, a Serra Leoa, o Mali e a Guiné — as maiores sobreposições geográficas das zonas de alta densidade de grandes símios e áreas de mineração. A sobreposição mais significativa de mineração e densidade de chimpanzés foi identificada na Guiné, onde mais de 23.000 chimpanzés (ou seja, até 83% da população nacional de símios) poderia ser directa ou indirectamente afectada pelas actividades mineiras.

“As empresas de mineração devem evitar ao máximo ter impacto nos grandes símios, usando mecanismos de compensação apenas como último recurso, pois actualmente não há nenhum exemplo de compensação de grandes símios que tenha sido bem-sucedida”, explica a co-autora Genevieve Campbell, investigadora sénior da Re:wild, citada numa nota de imprensa.

Poucos dados, poucos estudos

Jessica Junker explica que as empresas mineiras não são obrigadas a disponibilizar publicamente os dados sobre a biodiversidade. Esta opacidade faz com que os cientistas temam que o impacto nos ecossistemas africanos (e, em particular, nos grandes símios) seja ainda maior do que se pode hoje estimar.

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Camiões transportam bauxite em estradas na Guiné Genevieve Campbell/DR

“Os principais desafios residem nas deficiências substanciais de dados. Actualmente, não existem estudos científicos que avaliem adequadamente o impacto da mineração nos grandes símios e nos seus habitats em África. Sem dados abrangentes de referência e de acompanhamento relativos a estas ameaças, torna-se difícil responsabilizar as empresas mineradoras”, afirma a investigadora da Re:wild, numa resposta por e-mail.

Jessica Junker, antiga investigadora de pós-doutoramento no Centro Alemão de Investigação Integrativa da Biodiversidade, confessa que também ficou surpreendida com “a enorme falta de estudos para quantificar o impacto das actividades mineiras sobre esses animais em África”.

No estudo, os autores defendem “uma maior transparência no sector mineiro” e encorajam os bancos credores, incluindo o Banco Mundial, a garantir a acessibilidade dos dados ambientais. “Especificamente, propomos que os projectos apoiados pelo Banco Mundial compartilhem dados de pesquisas sobre primatas numa plataforma centralizada como a base de dados Populações, Ambientes e Estudos de Primatas (​​APES, na sigla em inglês). Isto permitiria avaliações mais abrangentes dos riscos da mineração para a flora e a fauna ameaçadas”, recomenda Jessica Junker.