Sair à noite

A liberdade está por todo o lado, disse ela, a gaiola é que existe num pequeno espaço e somente nesse espaço, pois essa é a essência de cada uma, da liberdade e da gaiola.

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Um gato, quando entramos em casa, quer fugir, quer sair, disse-nos um dia a Alexandra, começando assim um daqueles seus discursos inflamados. A liberdade está por todo o lado, disse ela, a gaiola é que existe num pequeno espaço e somente nesse espaço, pois essa é a essência de cada uma, da liberdade e da gaiola. Não faz sentido procurar algo tão imenso, tão óbvio na sua presença, faz sentido, isso sim, sair do pequeno lugar muralhado onde estamos: a expressão correcta para as nossas vidas seria, em vez de encontrar o Paraíso, sair para o Paraíso, em vez de encontrar a liberdade, sair da prisão. Relembro-te este discurso da Alexandra, disse o Flávio à Ana, porque o acho pertinente no que respeita à tua vida: creio que vives numa pequena gaiola construída por esse Eduardo, o mundo está cheio de eduardos, mudam-se os nomes, mas os muros são iguais, e a única coisa a fazer — e só exige um passo — é sair. Não te lembras da noite de sábado na discoteca, mas eu conto-te, e conto-te sabendo que poderás odiar-me, castigando o mensageiro pelo teor da mensagem: a música era péssima, como é costume naquele sítio, mas tu dançavas com alegria, parecias outra, parecia que não tinhas passado a tarde e a noite a discutir com o Eduardo, quando a certa altura te deste conta que ele dançava com outra rapariga, agarrado a ela, o que fez com que explodisses num ataque de ciúmes, correste para o Eduardo batendo-lhe no peito enquanto ele tentava agarrar-te os braços. Quando finalmente se afastaram, sentaste-te num sofá ao meu lado, muito nervosa, a fumar e a chorar. O Eduardo, entretanto, saiu com a tal rapariga, embora tu não tenhas reparado nisso. Quiseste beber mais e bebeste mais, voltaste à pista de dança, e pouco tempo depois, porque não conseguias andar sem que alguém te amparasse, pediste-me que te levasse a casa: foi isso que fiz. Ele ainda não tinha chegado e nem sei a que horas chegou. Perguntei-te se ficarias bem, disseste-me que sim, e adormeceste. Saí após algum tempo, não me lembro exactamente quanto, mas só depois de me assegurar de que ficarias bem. Era também o que deverias fazer de forma definitiva, sair dessa triste gaiola de pássaros. Só exige um passo.

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