"Não há fome que não dê em fartura!" O provérbio adequa-se à actual capacidade de armazenamento de água que se observa nas albufeiras públicas e privadas no Norte, no centro e também no Sul do país. A realidade actual contrasta com a que afrontava o mundo rural, há poucos meses, fustigado com sucessivas ondas de calor e a consequente seca meteorológica e hidrológica, severa e extrema, em grandes extensões do território nacional, com destaque para o Alentejo e Algarve.
Com efeito, a intensa precipitação atmosférica provocada pela depressão Nelson deixou em 56 das 82 albufeiras públicas nacionais um nível de armazenamento acima dos 80%. Apenas uma única barragem, a do Arade, na bacia com o mesmo nome, no Algarve, ainda se encontra "no vermelho", mas, muito provavelmente, deixará de o estar ao longo da semana em curso, por força das escorrências que ainda debitam para as albufeiras elevados volumes de água.
Abaixo dos 50% encontram-se apenas 11 albufeiras: uma na bacia do Tejo (Minutos — 46%); duas na bacia do Sado (Campilhas — 47%) e Monte da Rocha — 21%) que desde 2019 permaneciam "no vermelho"; albufeira de Santa Clara (40%) na bacia do Mira, fornecedora de água às culturas em estufa de Odemira; na bacia do Guadiana, as albufeiras de Beliche (39%) e Odeleite (47%); a problemática bacia do Arade, onde se encontra a única albufeira marcada pela cor vermelha, a do Arade (17%) e Odelouca (41%).
No Barlavento algarvio, a albufeira da Bravura (21%), finalmente, dá jus ao nome, ao abandonar "o vermelho" que a destacou no universo mediático como o testemunho mais chocante do pesadelo da seca em Portugal. E, no Sotavento algarvio, a albufeira de Beliche apresenta 39% da sua capacidade máxima de armazenamento, mas, tal como as outras reservas de água existentes na região, o volume de água que apresentam ainda está longe de garantir as necessidades na agricultura, no turismo e no consumo humano.
Espera-se a todo o momento o anúncio de que Alqueva atingiu a cota máxima de enchimento aos 152 metros acima do nível do mar. Faltam 55 centímetros e 208 hectómetros cúbicos (hm3) para que a água cubra os cerca de 250 quilómetros quadrados, que é a área ocupada pela albufeira de Alqueva. Às 15 horas de 2 de Abril, e a partir do açude de Badajoz, estavam a ser debitados para Alqueva, através do rio Guadiana, 216 metros cúbicos por segundo (m3/s). Há três dias que a grande barragem recebe um volume de água constante, superior a 200 m3/s.
Entre os dias 25 e 31 de Março, a depressão Nelson deixou nas 82 albufeiras públicas nacionais um acréscimo de 350 hm3. O volume armazenado, a nível nacional e até ao dia 31 de Março, era de 11.806 hm3, que representa 89% da capacidade máxima (13.299 hm3).
Rios ibéricos
De Espanha também chegam boas notícias quanto às reservas de água que neste momento estão retidas nas barragens públicas construídas nas bacias dos três grandes rios ibéricos. Assim, nas 18 represas instaladas na bacia do Douro em território espanhol, o volume total armazenado é de 84%. As reservas hídricas das 48 represas localizadas na bacia do Tejo atingem os 76% e nas 35 barragens da bacia do Guadiana o volume de água retido era, no dia 1 de Abril, de 47%. Pela primeira vez em dois anos, as 23 barragens da bacia do Guadiana em Espanha têm mais água armazenada (4527 hm3) que a barragem de Alqueva (3942 hm3).
No entanto, as albufeiras do Chança (50%) e do Andévalo (30%), que são determinantes para a garantia de recursos hídricos na província espanhola de Huelva, não registam ganhos acrescidos com a passagem da depressão Nelson. O benefício foi apenas residual.
O maior contributo da depressão Nelson foi dado aos pântanos de Doñana. No início da Primavera, estavam secos, o que augurava um desfecho dramático sobretudo para a avifauna. Mas, com as últimas chuvas, as lagoas foram de novo inundadas.
As chuvas intensas desta semana de Páscoa ressuscitaram o rio Guadalquivir, cuja bacia é a que regista dos mais baixos níveis de armazenamento de todo o território espanhol, cerca de 30%.
Desta forma, para 2024, está prevista alguma margem de conforto no acesso aos recursos hídricos na maior parte das regiões peninsulares. Mas, como tem acontecido ao longo das últimas décadas, o cenário pode mudar no prazo de um ano, tomando como referência os elevados consumos de água na actividade agrícola e pecuária. Quando se observa um acréscimo nas reservas de água, tanto o regadio clandestino como o alargamento das áreas regadas anulam a margem de segurança nas reservas de superfície e subterrâneas.