Rodrigo quer pôr mais diversidade (e autores nacionais) nas estantes dos jovens

Aos 19 anos, Rodrigo é criador e editor de uma nova chancela dedicada aos leitores jovens e quer trazer mais “vozes” brasileiras e portuguesas — que, diz, “fazem muita falta” neste segmento.

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Rodrigo Manhita estudou organização de eventos, mas acabou por aceitar o desafio de ser editor Rui Gaudêncio
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Num par de anos, Rodrigo Manhita passou de estudante da área de organização de eventos a editor num dos maiores grupos editoriais a nível mundial — tudo isto antes de completar os 20 anos. Pelo meio, há um percurso profissional “muito atípico e estranho” e em nada relacionado com livros ou com o mundo editorial, pelo menos nos primeiros tempos. Há um ano no cargo de editor e a dirigir a chancela dedicada em exclusivo aos leitores mais jovens que ajudou a criar, Rodrigo tem objectivos muito bem traçados para o futuro. Acredita que as editoras têm "alguma responsabilidade social" nos livros que publicam, por isso quer pôr os jovens a ler mais autores portugueses, espanhóis e brasileiros e (continuar a) trazer mais livros de autores diversos e histórias protagonizadas por personagens queer.

Comecemos pelo início do percurso profissional "precoce" de Rodrigo, muito inspirado pelos pais, ambos empreendedores, que desde cedo lhe deram “muita liberdade” para tentar perceber o "mundo do trabalho". Aos 16 anos, criou uma empresa dedicada à cultura asiática que juntava uma loja online, um site de entretenimento com produção de conteúdos próprios e uma vertente de organização de eventos. Acabou por se enamorar por este último ramo e decidiu encerrar a empresa e seguir para um curso técnico-profissional.

“Queria explorar outra coisa. Era muito novo, tinha a vantagem de o poder fazer sem ter de pensar duas vezes", recorda. No projecto final, a turma foi desafiada a organizar um evento “à séria”, e depois de muitos planos escritos e rescritos, Rodrigo decidiu aliar o amor antigo por livros e o fascínio mais recente pela cultura asiática. "O mercado asiático é muito bom a trabalhar a cultura do fandom e a parte visual, a conseguir ter uma audiência muito estável e especialmente jovem. Comecei a pensar em como é que os dois mundos podiam juntar-se, porque gostava muito de livros, mas não gostava necessariamente daquilo que acontecia à volta dos livros em Portugal."

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Depois de várias tentativas, conseguiu que a Penguin Portugal comprasse a sua ideia e ficou responsável pelo evento de lançamento do livro Shore Desvendado, da autora portuguesa M. G. Ferrey. "Foram quase seis meses a preparar este lançamento e o evento, que juntou mais de 300 pessoas no Porto. Desenvolvi toda a parte gráfica, com um plano de marketing muito estruturado. Sou uma pessoa muito aberta e muito espontânea também por causa da experiência na organização de eventos", garante o jovem de 19 anos.

O sucesso do evento foi tanto que recebeu uma proposta para ficar a estagiar na Penguin e, depois, para integrar em definitivo a equipa de marketing e comunicação em part-time. "Com estas experiências todas acabei por descobrir um amor mais profundo por marketing. Ia entrar para a universidade, para estudar marketing e publicidade, e aceitei ficar a fazer tudo o que estivesse relacionado com a comunicação dos nossos livros mais jovens", conta Rodrigo. Só que não foi bem assim: seguiu para a universidade, sim, mas não gostou da experiência e desistiu ao fim do primeiro semestre, ficando a trabalhar na editora a tempo inteiro.

No início de 2023, já consciente do impacto (que não é assim tão recente) dos jovens na compra e venda de livros, procurava-se um editor para dar um novo fôlego e chefiar uma futura chancela — a Secret Society — dedicada ao género young adult na Penguin. Rodrigo, que não tinha experiência na área, acabou por "abraçar" mais um desafio.

"Tive de perceber o que é que eu trazia para a mesa de diferente enquanto editor. Todo o meu percurso é muito precoce e muito jovem e acho que isso faz com que tenhamos sempre de provar o porquê de estarmos ali e não outra pessoa que estudou para aquilo e tem vários anos de experiência. Cheguei à conclusão de que o que eu trazia para a mesa era justamente esse olhar de marketeer muito mais incisivo e estratégico que o segmento young adult exige", recorda. "No início foi estranho, mas empolgante. Gosto muito de mudar e de coisas novas, mas nunca tinha pensado em ir para a área editorial. Aceitei porque queria explorar uma área nova e não necessariamente porque o meu sonho era ser editor, mas acho que me adaptei muito bem e até mais rápido do que pensava".

O dia-a-dia de um editor

O facto de ser uma "borboleta social" contribuiu para que a adaptação a uma profissão que "está a mudar bastante" fosse mais suave. Procurou desde o início fazer contactos internacionais e conseguiu criar uma rede de editores do segmento juvenil com quem troca ideias todas as semanas. No dia-a-dia, desdobra-se entre vários papéis: há o Rodrigo que está a editar texto quando o livro que tem em mãos é de um autor português, o Rodrigo que analisa tendências e faz pesquisas nas redes sociais, para "perceber de que é que as pessoas estão a falar e o que querem ler", e ainda o Rodrigo que é quase um leitor.

"Parte do meu trabalho é filtrar as propostas de manuscritos que recebo e pedir livros aos agentes dos autores. Depois tenho simplesmente de ler. A maior parte dos editores gosta de ler os textos na íntegra, mas no segmento young adult e com a quantidade de trabalho que tenho isso é quase impossível. Leio entre dez e 20% dos livros."

Depois, é preciso perceber como vender cada livro: como será a capa, o design, o preço, os conteúdos para as redes sociais e delinear uma estratégia para que "toda a gente possa trabalhar em conjunto". "O young adult mexe muito rápido, segue muito as tendências e é preciso conseguir acompanhar o público e perceber como chegar até ele", refere o jovem editor.

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Num mercado tão exigente, como se decide que livros pôr cá fora? Rodrigo acredita que a "responsabilidade social" tem de ser tida em conta. "Acho que enquanto grande grupo editorial temos alguma responsabilidade social e por isso tento não olhar os livros num prisma de lucro. Sei que quero ter livros que fazem sentido no mercado e que ainda não existem, que se calhar não vão vender tão bem, mas que fazem falta. Autores brasileiros, por exemplo. São livros que, por norma, não têm tendência a correr bem, mas acho que é preciso fazer esse trabalho de trazer outras culturas que não as anglo-saxónicas."

Outra das "regras" do jovem editor é ter livros queer, com personagens diversas e autores também eles diversos, e mais "vozes" espanholas e portuguesas, que "fazem muita falta" neste segmento. "Há um trabalho para entender o que faz falta no catálogo. Há uma avalanche tão grande de livros nos Estados Unidos e no Reino Unido e muita coisa é parecida ou chega ao mesmo público. Posso usar esse espaço para preencher com algo diferente", diz.

Explicar os desafios do mundo editorial a quem compra e lê livros "nem sempre é um trabalho fácil", mas Rodrigo tenta desmistificar alguns conceitos desta área no seu Instagram, com publicações que explicam o que é um relançamento ou um leilão de um livro, por exemplo. "Uma editora não deixa de ser um negócio em que é preciso entregar resultados financeiros para o resto poder acontecer. Acho que as pessoas não percebem o quão precário é o mercado editorial a nível financeiro. Os números de vendas no final do ano, divulgados pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros no final de cada ano, são incríveis. O problema é a quantidade de títulos que têm de ser lançados para atingir essa quantidade de unidades."

E em vez de "tentar contrariar" a pressão do mercado norte-americano e britânico, o objectivo será "tentar acompanhar": publicar obras nas mesmas datas que os mercados do Reino Unido e EUA e lançar séries e trilogias sem meses ou anos de espera entre livros, por exemplo.

"Acho que temos de perceber o que é que o nosso produto tem a mais em relação à edição dos outros países. Os livros em inglês vão sempre ser mais baratos porque o mercado editorial é muito diferente, não vamos conseguir concorrer com isso. Há que adicionar algo mais", explica. "Foi por isso que quisemos ter a dupla lombada, o marcador especial, os elementos gráficos e até os avisos de gatilhos em todos os nossos livros e acho que ganhamos com essa diferença. Deixa de ser só uma questão de preço. O leitor pode comprar a edição em inglês por ser mais barata, mas sabe que vai estar a perder todos estes detalhes."

No futuro, Rodrigo quer continuar o trabalho de aproximação do mercado editorial aos leitores mais jovens e criar uma comunidade que começa mas não acaba nos livros — que se expande para eventos, avatares, web series e tecnologia de realidade aumentada nas obras publicadas sob esta nova chancela. "Nos últimos anos assistimos a um processo natural onde o livro se aproximou dos jovens porque existiu também uma democratização na comunicação. Antes tudo era responsabilidade das editoras e a comunicação era muito institucionalizada e séria. De repente temos as redes sociais que permitem que as pessoas façam partilhas muito espontâneas. Os jovens começaram a olhar para o livro de outra forma, e ainda bem."

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