Vai haver duas ninhadas gigantes de cigarras nos EUA, o que não acontecia há 200 anos

Espera-se que surjam mais de um bilião de cigarras nas próximas semanas nos EUA. “Da última vez que um evento como este aconteceu, Thomas Jefferson era o Presidente dos Estados Unidos”, refere a BBC.

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Uma cigarra depois de ter estado 17 anos debaixo de terra, nos Estados Unidos Reuters/Kevin Lamarque
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No final deste mês de Abril, duas ruidosas ninhadas de cigarras sairão em simultâneo de baixo da terra nos Estados Unidos da América, um acontecimento que não se regista desde 1803. Os habitantes do Midwest (zonas do Centro e Oeste) e do Sul dos EUA, onde estes insectos emergirão, podem esperar mais de um bilião de cigarras que se farão ouvir alto e bom som, com um ruído audível a longas distâncias.

Ainda que algumas destas cigarras já sejam visíveis nos EUA, as ninhadas que se desenvolvem a ciclos de 13 e 17 anos surgirão como uma grande onda nas próximas semanas, em estados como a Luisiana, Alabama e Georgia, seguindo-se estados mais a norte. “Não há nenhum outro sítio no mundo em que seja possível ver algo assim, portanto recomendo sempre às pessoas que tratem estas maravilhosas criaturas com respeito e admiração”, afirmou o biólogo John Cooley, da Universidade do Connecticut, citado pela Reuters. “Elas fazem naturalmente parte do ecossistema.”

As cigarras, insectos pertencentes à vasta família Cicadidae (dentro da qual se destaca em Portugal a Cicada orni ou cigarra-comum), têm um interessante ciclo de vida. Estes pequenos animais iniciam a época de acasalamento na Primavera com um estridente som que pode chegar aos 120 decibéis, um som equivalente à descolagem de um avião a jacto. Após depositarem os ovos nos troncos das árvores, as fêmeas morrem com o seu dever reprodutivo cumprido. Tudo isto no curto período de um mês.

Mas umas suas parentes, as cigarras periódicas (Magicicada), de um outro género, podem passar entre 13 e 17 anos debaixo da terra depois de eclodirem. Das mais de 3000 espécies de cigarras que existem no Mundo, só nove são periódicas – e, dessas, sete podem ser encontradas na América do Norte.

Enquanto estão debaixo de terra, as ninfas (estado juvenil dos insectos) das cigarras alimentam-se dos sucos das plantas e das raízes de árvores e arbustos. Depois, por norma, emergem da terra à noite, quando o solo atinge uma determinada temperatura, e transformam-se em cigarras adultas, com asas.

"Elas só vivem como adultas durante poucas semanas e morrem depois de se reproduzirem. No total, a porção adulta das suas longas vidas totaliza menos de 0,5% das suas vidas – 99,5% das suas vidas é passada debaixo de terra", afirmou o entomólogo John Lill, citado pela Reuters.

Estas cigarras não existem em Portugal. Só se encontram no Canadá e em várias regiões dos Estados Unidos da América, regiões essas que serão palco deste fenómeno que não acontecia há mais de 200 anos (desde 1803): a ascensão simultânea de duas ninhadas de cigarras periódicas acima do solo. Já em Portugal, encontramos apenas a cigarra anual, aquela que ouvimos nos meses quentes de Verão, e que, ao contrário das cigarras periódicas, tem um ciclo de vida mais curto, de apenas três anos.

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Uma cigarra adulta nos Estados Unidos Carlos Barria/REUTERS/ARQUIVO

No final do mês de Abril, as ruidosas ninhadas de insectos surgirão predominantemente na região Norte do estado de Illinois – ninhada XIII, com 17 anos – e no Sul do Illinois, Missouri, Arkansas, Tennessee, Alabama, Georgia, as Carolinas – a ninhada XIX, com 13 anos. Haverá áreas dispersas onde poderão sobrepor-se ambas as ninhadas, diz o site da Universidade do Connecticut dedicado ao fenómeno. Refere um artigo publicado na BBC que, “da última vez que houve um evento como este, Thomas Jefferson era o Presidente dos Estados Unidos”.

É muito raro que surjam exactamente ao mesmo tempo ninhadas com ciclos de vida diferentes: isso acontece normalmente a intervalos de 221 anos. É o que acontece este ano.

Quando estiverem preparadas, as cigarras farão o seu caminho até à superfície através de túneis por elas construídos, onde concretizarão a sua plena forma adulta com a obtenção das asas. Neste período, que dura entre quatro a seis semanas (as últimas do ciclo de vida da cigarra periódica), o principal objectivo é o acasalamento, no qual as cigarras macho produzem o ruído estridente que servirá para atrair uma parceira. Por fim, os ovos são depositados nos troncos e ramos das árvores, que chegam até a cair devido ao peso.

As cigarras são insectos relativamente grandes, atingindo os 2,5 a cinco centímetros de comprimento. Têm corpos robustos e olhos salientes. Apesar de estarmos a falar de animais inofensivos que não constituem perigo para os humanos, o surgimento das cigarras periódicas poderá ser um problema para os habitantes locais, já que resultará num ruído imenso e num grande número de cadáveres de insectos com cheiro fétido para limpar à porta de casa.

Por outro lado, ficam a ganhar as aves e pequenos mamíferos da região, que contarão com alimento e consequente aumento da taxa de reprodução e sobrevivência. Constatar-se-ão ainda melhorias no solo que, segundo o site de ciência cidadã Cicada Safari, citada pela revista Time, beneficiará de arejamento promovido pelos túneis das cigarras.

Os comportamentos das cigarras periódicas, contudo, estão a mudar. Estão a emergir da terra mais cedo, na Primavera, do que há um século, disse à BBC Gene Kritsky, especialista em cigarros da Universidade de Monte São José, no Ohio. "E há ninhadas a emergir quatro anos mais cedo", completou. Os efeitos das alterações climáticas poderão estar na base da alteração de horários de subida à terra destes insectos, diz a BBC.

Em contacto com Paula Simões, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (Ce3c)​ e colaboradora no projecto Cigarras de Portugal, entendemos que esta é apenas uma das teorias que tentam justificar o surgimento precoce das cigarras acima do nível do solo, que tem por base a influência da temperatura no ciclo de vida das cigarras, um factor determinante para a sua subida até à superfície da terra.


Texto editado por Claudia Carvalho Silva