Quem é Steve Martin, antes e agora?

STEVE! (martin) a documentary in 2 pieces é um documentário da Apple TV+ assinado por Morgan Neville e dividido em duas partes que conta a história de um dos grandes nomes da comédia americana.

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Steve Martin agora em STEVE! (martin) a documentary in 2 pieces DR
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Em 1989, Steve Martin assinalava os 20 anos dos Monty Python num especial televisivo. Na sua narração, falava de "uma força cómica que era tão original", "pateta" e "fabulosamente diferente" que "muitas pessoas sentiram que o mundo do entretenimento tinha mudado para sempre". Era "inteligente, alguns diriam até intelectual", mas também "popular". "Subtil, mas também simples", "perigosa, mas calorosa", "visual", mas também "letrada", "com um coração grande, generosa, anárquica e, acima de tudo, hilariante". "Mas chega de falar de mim", rematava. Era verdade. Martin era tudo isso quando apareceu, mesmo que tenha demorado quase mais dez anos do que os Monty Python a tornar-se um fenómeno, a primeira pessoa a fazer stand-up em estádios. Ao mesmo tempo, era também uma ilustração perfeita da persona Steve Martin em palco: uma paródia de um mau cómico com a arrogância extrema de um idiota que se acha especial, mesmo não tendo particular talento.

Morgan Neville, o realizador que assinou o oscarizado A Dois Passos do Estrelato, conta a vida de Steve Martin em STEVE! (martin) a documentary in 2 pieces, um novo documentário da Apple TV+ estreado na passada sexta-feira. Está dividido em duas partes distintas, cada uma à volta de uma hora e meia, não só no conteúdo, mas na forma. Neville pediu aos montadores de cada parte, ou filme, que não falassem uns com os outros e não vissem o que estavam a fazer, para marcar a diferença entre os dois tomos.

A primeira parte, Then, abrange o início de vida de Martin e a sua carreira até ao final dos anos 1970. Ou seja, os tempos em que foi gigante em palco e na televisão, tornando-se uma celebridade e um bocado daquilo com que estava a gozar: um cómico com bordões repetidos por toda a gente. É um impacto cultural gigante que pode não ser óbvio ou sequer conhecido de quem cresceu a ver Martin como actor de comédias familiares, como O Pai da Noiva ou À Dúzia É mais Barato, ou até mesmo de quem só o identifica como uma das caras de Homicídios ao Domicílio. A história, muita dela familiar a quem quer que tenha lido (ou ouvido, narrado pelo próprio com interlúdios de banjo) Born Standing Up, o excelente livro de memórias de Martin de 2007, passa pelos tempos em que trabalhava na Disneylândia, o interesse por magia, o estudo de filosofia e o gosto em desconstruir tudo.

É contada com imagens de arquivo e depoimentos (só de voz) do próprio e de algumas pessoas que o rodearam. Algumas até já desaparecidas, como Bob Einstein, amigo e colega. Einstein era irmão de Albert Brooks, outra força desconstrutiva do mundo do espectáculo e da comédia em geral. É então estranho que Martin, na narração, fale da estreia de Saturday Night Live como um momento em que encontrou gente que fazia o mesmo que ele estava a fazer, no início de um novo movimento, e Brooks, que fez parte da primeira temporada do programa, não seja sequer mencionado – o documentário que Rob Reiner fez sobre Brooks no ano passado poderá ajudar a cruzar informação. Tudo culmina em O Tonto, de Carl Reiner, a entrada de Martin no cinema, que coincide mais ou menos com o fim da sua carreira na stand-up.

Já no segundo filme, Now, vemos Martin, e alguns colaboradores e amigos, em carne e osso. Temos a continuação da história no cinema, com todos os altos e baixos, de flops como Dinheiro do Céu a Três Amigos, que lhe deu Martin Short, uma parceria e amizade que perduram até hoje. Vemo-lo, por exemplo, em casa em Nova Iorque e Los Angeles, a ouvir gravações antigas de stand-up, a falar sobre arte e filmes, a trabalhar com Short nos espectáculos ao vivo que ambos fazem e a andarem de bicicleta. Apanhamo-lo a olhar para trás: a experimentar o casaco de Três Amigos, a ver os guiões dos filmes que fez e a recordar John Candy em Antes Só Que Mal Acompanhado, bem como a trabalhar no livro de cartoons – que aqui ganham vida e até espelham as ansiedades e medos do próprio em revelar-se no documentário – sobre a sua carreira no cinema. Também fala com Jerry Seinfeld. Tem muita melancolia e períodos de depressão, solidão extrema mesmo quando era tão famoso que não conseguia sair à rua, um anseio e desejo que permeiam quase todas as suas personagens no cinema. E recorda-se, por exemplo, o momento em que Dennis Pennis, a personagem do cómico britânico Paul Kaye, lhe perguntou em 1996 porque é que ele já não tinha piada.

Tenta-se perceber um mistério: quem é Steve Martin fora da persona Steve Martin? Esta parte tem, também, a reinvenção dele não só como músico que toca banjo, mas também como homem de família, que se casou com Anne Stringfield em 2007, e teve uma filha numa fase muito tardia da vida, em 2012. A filha só é mostrada num desenho de um boneco de palito, para preservar a privacidade. Tenta-se mostrar como, aos 76 anos – isto foi rodado em 2022 –, Steve Martin é finalmente um homem feliz, que quando pensa na morte que sabe estar perto lida muito melhor do que aos 40 anos.

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