Na corrida para a sustentabilidade, “não podemos abandonar as PME à sua sorte”

Prevenir é melhor do que remediar, e é por isso que as PME estão a ser encorajadas a começar já a integrar padrões de sustentabilidade nas suas contas. Primeira fase de formação teve 1500 inscritos.

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A indústria têxtil é uma das indústrias exportadoras no foco das preocupações ambientais Nelson Garrido
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O calendário das grandes empresas europeias para aplicar critérios de sustentabilidade já começa a apertar, obrigando-as por lei a garantir que a sua cadeia de fornecedores cumpre as directivas europeias. Mas como ajudar as pequenas e médias empresas (PME) a acompanharem o ritmo desta transição? A Estratégia Nacional ESG para PME Exportadoras, lançada em Setembro do ano passado, iniciou este ano as primeiras formações e já tem cerca de 1500 pessoas inscritas, entre empresários, consultores e outros interessados.

“Isto é tudo uma ‘via verde’, um caminho para facilitar às PME portuguesas chegarem lá”, refere Bernardo Ivo Cruz, secretário de Estado da Internacionalização do governo de António Costa, referindo-se à aplicação de métricas ESG (Ambiente, Social e Governança) que estas empresas terão de estar preparadas para fazer nos próximos anos.

A Directiva de Reporte Corporativo de Sustentabilidade, aprovada em 2022, entra em vigor a partir do ano fiscal de 2024 e vai começar por obrigar as empresas cotadas em bolsa com mais de 500 trabalhadores a reportar as suas métricas de sustentabilidade. O que é que isto tem que ver com as PME? Os relatórios das empresas abrangem toda a sua cadeia de valor, o que significa que mesmo as empresas menores – em Portugal, são 1.396.335 micro e 55.890 pequenas e médias empresas têm de, pelo menos, estar aptas a fornecer a informação necessária para os reportes dos gigantes que abastecem.

Apesar de muitos dos impactos das directivas europeias só se aplicarem de forma abrangente a partir de 2026/2027, começa a tornar-se urgente as PME passarem a incluir os riscos ambientais, climáticos e sociais não apenas nas suas contas, mas também nas suas decisões sobre o futuro. Em jogo, no final das contas, está a competitividade das PME portuguesas perante a "revolução verde" que está a chegar pela secretaria.

A inércia, contudo, também tem peso, e foi para não correr riscos que a secretaria de Estado da Internacionalização planeou a Estratégia Nacional ESG para PME Exportadoras, posta no terreno pela AICEP. “As exportadoras, que são quase 40 mil PME, seriam mais impactadas por este exercício, mas não faria sentido fazer essa separação”, explica Bernardo Ivo Cruz, descrevendo como a estratégia se alargou para acolher qualquer PME.

Desmascarar o greenwashing

“ESG a sério é só se mudar mesmo a vida das pessoas, os padrões de consumo e a utilização dos recursos.” As palavras do antigo secretário de Estado do Ambiente, José Eduardo Martins, no final do “Curso ESG de A a Z do Relato de Sustentabilidade”, respondem a uma das principais preocupações de quem torce o nariz ao discurso da sustentabilidade empresarial: a integração de parâmetros ESG robustos no reporte das empresas vem, precisamente, evitar o greenwashing e desmascarar as “boas intenções que não mudaram a vida de ninguém”.

Lançado a 12 de Março, o curso online, desenvolvido pelo Instituto de Conhecimento da Abreu Advogados, tem a coordenação científica de Lucila de Almeida, da Nova School of Law, e ainda alguns módulos com colaboração de José Eduardo Martins (sócio da Abreu Advogados) e do ex-ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes.

Além de uma vista panorâmica muito prática sobre as normas existentes para os relatos de sustentabilidade das empresas e quais as métricas a que é preciso dar atenção, o curso chama a atenção para a "materialidade" do impacto não só dos riscos e oportunidades externas na actividade das empresas mas também do impacto que esta tem na economia, no ambiente e nas pessoas. “Quando alguma coisa for considerada material, a empresa deve comunicar”, explica Matos Fernandes, num dos módulos iniciais onde explica para onde olhar nos processos detidos ou controlados pela empresa.

O programa conta também um curso sobre “Fundamentos ESG”, em formato híbrido (online e presencial), em parceria com a UN Global Compact Network Portugal.

Cadeias de valor

Apesar de a lei europeia não se aplicar aos relatórios das PME portuguesas, explica o ainda secretário de Estado Bernardo Ivo Cruz, “as mudanças já estão a começar agora”, com as instituições financeiras a beneficiar os investimentos com melhores avaliações de sustentabilidade e novos trabalhadores que procuram empresas socialmente responsáveis.

Além disso, “o calendário das grandes empresas é agora, não é daqui a alguns anos”, o que pode significar um fim de linha para PME sem preocupações com sustentabilidade se forem abastecedoras de grandes empresas. “Não podíamos abandonar as PME à sua sorte”, resume Bernardo Ivo Cruz.

Esta “via verde” pretende ajudar as empresas a preencher “quatro sustentabilidades”: as três da sigla “ESG” ambiental, social e mecanismos de boa governação mas também a sustentabilidade económica e financeira das empresas, que pode ser posta em causa “se andarmos depressa demais”.

Tratando-se do sector privado, o receio inicial era se haveria interesse das empresas e associações. Mas elas vieram. Neste momento, entre organizações internacionais, universidades, instituições do estado e câmaras municipais, a iniciativa já conta com cerca de 160 parceiros. E as associações empresariais, às quais a AICEP recorreu para chegar às PME, responderam prontamente, cientes do longo caminho para a sustentabilidade ao qual muitas empresas sentem estar a chegar atrasadas.

Além dos cursos online de sensibilização para as normas ESG, haverá ainda uma segunda etapa de formação específica por sectores, como o têxtil ou o automóvel. No final de Abril, será lançado um livro sobre “Elementos para uma estratégia de ESG para as PME”, que pretende contribuir para a reflexão sobre os desafios de Portugal nesta matéria.

A AICEP ainda terá pela frente um périplo pelo país para apresentar a estratégia às associações empresariais, com uma apresentação prevista já para Abril em parceria com a CCDR Alentejo. Segue-se o apoio na aplicação das ferramentas de avaliação e reporte, uma fase em que a AICEP e a Agência para a Competitividade e Inovação (IAPMEI) irão identificar prestadores de serviços destas ferramentas. Por fim, o terceiro pilar desta estratégia são as mentorias, para as quais estão a ser chamadas grandes empresas que já neste momento estão em contacto com a sua cadeia de fornecedores para cumprir as directivas.

Com o fim precoce do governo de António Costa, Bernardo Ivo Cruz despede-se da estratégia quando esta ainda dá os primeiros passos. “Se chegássemos ao fim e víssemos que as PME não aderiram, era outra coisa. Mas com 1500 inscritos estou optimista”, remata o secretário de Estado, recordando a importância de infiltrar a perspectiva da sustentabilidade nas decisões das empresas: “Qualquer investimento que se faça vai ter sempre impacto ambiental, o que tentamos é encontrar um ponto de equilíbrio entre o impacto ambiental e o desenvolvimento económico.”