O mundo tem estado muito mais atento à poluição exterior do que à qualidade do ar que se respira em espaços fechados, pelo menos a medir pela legislação existente nos diferentes países. Para tentar mudar este panorama, um grupo de cientistas defende num artigo da revista Science que seja obrigatório o cumprimento de padrões de qualidade do ar interior (QAI) em edifícios públicos, como escolas e hospitais.
“Apesar de décadas de investigação e activismo, a maioria dos países não tem normas de desempenho de QAI para espaços públicos que considerem os níveis de concentração de poluentes. […] Nós propomos que os padrões de qualidade do ar interior sejam obrigatórios em espaços públicos”, lê-se num artigo publicado esta quinta-feira na revista Science.
Os autores, especialistas em qualidade do ar, sugerem no documento normas para a monitorização de três principais poluentes nocivos em recintos fechados: o dióxido de carbono (CO2), o monóxido de carbono (CO) e as PM2.5 (partículas finas em suspensão com um diâmetro inferior a 2,5 micrómetros).
Estas recomendações incluem referências a uma ventilação adequada, às actividades desempenhadas nos edifícios e à importância de equipar as novas construções com dispositivos que permitam monitorizar e renovar o ar interior. Os autores acreditam que, se alguns países começarem a dar o exemplo, estes padrões de QAI tenderão a tornar-se cada vez mais comuns.
“Para terem valor prático, as normas de QAI devem poder ser colocadas em prática através da concepção de novos edifícios que sejam construídos, geridos e conservados de acordo com as normas, ou então adaptados para cumprirem essas mesmas normas”, afirma Lidia Morawska, professora da Universidade de Surrey, no Reino Unido, citada numa nota de imprensa.
A cientista argumenta que, embora haja um custo a curto prazo, “os benefícios sociais e económicos para a saúde pública, o bem-estar e a produtividade irão provavelmente ultrapassar em muito o investimento realizado para conseguir um ar interior limpo”.
As pessoas que vivem em áreas urbanas ou industrializadas passam mais de 90% do tempo em ambientes fechados, referem os cientistas. A Organização Mundial da Saúde estima que o ar poluído em casas e edifícios provoca a morte de 3,2 milhões de pessoas anualmente, segundo dados de 2020, incluindo 237.000 crianças com menos de cinco anos.
Lição aprendida na pandemia
O artigo recorda que a pandemia de covid-19 fez com que toda a sociedade, incluindo os decisores políticos, percebessem a importância do ar que respiramos em espaços fechados para a saúde humana. Em 2020, as pessoas começaram a estar mais atentas à ventilação dos espaços, não só públicos, mas também privados.
Embora não seja possível impor regras no que toca ao ar que cada habitante respira na sua própria casa, os cientistas sublinham no documento a importância de as habitações serem construída e equipadas por forma a não exceder os níveis máximos de poluentes nocivos.
Lidia Morawska recorda que os sistemas de ventilação mecânica devem remover e diluir os poluentes – incluindo aqueles que são emitidos pelos seres humanos, como vírus e outros microrganismos – a um ritmo superior ao da sua produção, para que não se acumulem no ar interior.
“O CO2 pode servir como indicador de contaminantes e agentes patogénicos emitidos pelos ocupantes e também para avaliar eficazmente a qualidade da ventilação”, afirma a cientista que, segundo o comunicado, liderou em 2020 o apelo à Organização Mundial da Saúde para que fosse reconhecida a propagação do vírus pelo ar.
A União Europeia avançou com uma directiva sobre a qualidade do ar exterior em 2008, seguindo as indicações da Organização Mundial da Saúde, mas ainda não dispõe de um diploma semelhante para o ar interior.