Da incerteza à certeza
Somos construtores, fazedores, milagreiros, artilheiros, pessoas capazes de mudar a realidade precisamente porque é incerta.
Antes de decidirem sair para ir dançar, ainda em casa da Alexandra, a discussão entre a Ana e o Eduardo continuou acesa durante mais algum tempo. Precisamos é de bons políticos, disse o Eduardo, em quem confiar, em vez destes que temos e em quem votamos, ou mais à direita ou mais à esquerda, mas todos invertebrados. Esse discurso não é nada, disse a Ana. Precisamos, insistiu ele, de saber com o que contar, isso de montarmos cavalos selvagens em vez de cavalinhos de feira é muito bonito, mas nós precisamos de confiança, não é de esperança, que não passa dum optimismo ingénuo. Aliás, os cavalos fazem melhor do que nós, não têm esperança, em vez disso respondem às circunstâncias confiando na sua natureza e não nos seus sonhos. Não nos eleva, disse ela, não podemos, disse ela, não queremos, disse ela, ser meras testemunhas da tragédia, somos construtores, fazedores, milagreiros, artilheiros, pessoas capazes de mudar a realidade precisamente porque é incerta, está radicada na incerteza, a sua essência é essa, moldável ao sonho, pois só assim podemos acreditar, não porque sim, mas porque lutamos por isso, havemos de ter um Abril maior do que o sonho de Abril. Isso, disse ele, é o que defendo, mas... Não, não é, gritou ela, o que defendes é a aceitação da certeza, o discursozinho da torneira, do cavalinho que não saía do lugar a pensar que corria a pensar que saltava e trá lá lá. A primeira torneira, continuou ela, começou por ser uma ideia, não foi comprada numa loja de ferragens, foi da incerteza à certeza. Para bem de todos, disse ele. Sim, para bem de todos, concordou ela, mas sem esquecer que para acreditar num resultado incerto é preciso coragem, para acreditar numa torneira basta pagar a conta da água. Apagaste mal o cigarro, comentou ele. A Ana virou o cinzeiro: está bem assim?, perguntou.
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