Também viu joaninhas este fim-de-semana?

Enxames de joaninhas registados nos últimos dias no Porto são fenómenos comuns do início da Primavera, consistindo em migrações sazonais após um período de hibernação.

Foto
Avistamentos de joaninhas em Portugal podem ser partilhados na aplicação European Ladybird, um projecto europeu de ciência cidadã Martin Ruegner/GETTYIMAGES
Ouça este artigo
00:00
04:24

Rita andava a regar as plantas quando, ao mudar vasos e cadeiras de lugar, viu “centenas” de joaninhas a voar de repente na última sexta-feira. “Era como uma nuvem, fiquei surpresa e afastei os miúdos para perceber melhor de onde vinham”, explica ao PÚBLICO Rita Gigante, de 34 anos, que vive numa rua próxima do Parque da Cidade, no Porto.

Joaninhas como aquelas que a família de Rita Gigante avistou, pertencentes à espécie Coccinella septempunctata, foram vistas e fotografadas em diferentes partes do Porto, incluindo a Foz do Douro e o Parque das Águas, e também noutras partes do país. Estes enxameamentos são fenómenos comuns no início da Primavera, consistindo em migrações sazonais após um período de “descanso” invernal.

“Chama-se diapausa, ou seja, passam o Inverno em inactividade. Agora, no início da Primavera, saem desses locais [de hibernação] e dispersam à procura dos seus habituais habitats para se alimentarem e começarem a época da reprodução”, explicou ao PÚBLICO o cientista António Onofre Soares, professor do Departamento de Biologia da Universidade dos Açores.

Foto
Joaninhas fotografadas sexta-feira numa zona residencial da Boavista, no Porto Rita Gigante/DR

O biólogo refere que a Coccinella septempunctata, pelo menos na Europa Central, é uma espécie univoltina – ou seja, tem apenas uma geração anual. “Portanto, ela vai começar agora à procura dos seus habitats, onde vai encontrar os seus pulgões preferidos. Trata-se de uma espécie afidífaga, ou seja, consome afídeos [pulgões das plantas]. Então ela vai procurar os seus habitats, não só costeiros, mas também arborícolas, e mais raramente vai também deslocar-se para campos de cultura, podendo ser encontrada em zonas de cultivo de centeio, cevada e trigo”, precisa António Onofre Soares.

Foto
Enric Vives-Rubio/ARQUIVO

Nesses locais “favoritos”, as joaninhas terão oportunidade de se reproduzirem, fazendo uma nova geração anual e, depois, no fim do Verão, os novos adultos iniciam a preparação da nova época da diapausa e encetam uma nova migração à procura de sítios de hibernação. “Estas dispersões em larga escala são normais. Trata-se de um percurso normal das espécies que, às vezes, são mais visíveis”, afirma António Onofre Soares.

Precisamente por ser uma devoradora de pulgões, estas joaninhas são consideradas aliadas dos jardineiros e agricultores, ajudando a “evitar o uso de produtos químicos no controlo de pragas”, refere Sónia Magalhães, educadora ambiental da Câmara do Porto, num episódio da série Binóculos de Sofá.

O marido de Rita Gigante chegou a ter receio de que os espécimes que visitaram o jardim da família fossem joaninhas-asiáticas (Harmonia axyridis), considerada uma espécie invasora. “Cheguei a tirar fotos e ampliar as imagens – mas aquilo que vi não me parecia de todo uma joaninha-asiática, que é mais alaranjada e tem uma mancha negra na forma da letra M”, explica.

Foto
Joaninhas avistadas sábado na Foz do Douro, no Porto Mariana Correia Pinto

O PÚBLICO enviou a imagem registada por Rita Gigante ao biólogo António Onofre Soares, que confirmou não se tratar de joaninhas-asiáticas, mas sim da Coccinella septempunctata, uma espécie muito comum na Europa. O nome científico – estabelecido em 1758 pelo pioneiro da taxonomia moderna, o botânico sueco Carlos Lineu – remete para o facto de estes insectos apresentarem sete pontos pretos nas asas vermelhas.

Aplicação incentiva partilha de fotos

A gaiense Isabel Gomes, de 31 anos, também viu muitas joaninhas no Parque das Águas, na zona oriental do Porto, onde o filho, Tendai, de três anos, participava numa actividade para crianças na última sexta-feira. “Havia mesmo muitas, e os miúdos andavam à procura delas. Reparámos que muitas que encontrávamos estavam pousadas nos ramos de hortelã e até comentámos com as crianças: será que elas gostam de hortelã?”, recorda a mãe.

O investigador António Onofre Soares sugere que os avistamentos de joaninhas em Portugal sejam partilhados na app European Ladybird, uma aplicação para telemóveis que o biólogo ajudou a desenvolver. Trata-se de um projecto de ciência-cidadã liderado pelo Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido em articulação com parceiros europeus, incluindo a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade dos Açores.

“As pessoas podem contribuir registando na aplicação de ciência-cidadã, onde os cidadãos contribuem com dados. É muito fácil reconhecer ali a espécie e encontrar informação sobre a sua biologia e morfologia. Estes registos são muito interessantes porque depois acabam por nos dar uma [visão] panorâmica, de longo prazo, de qual é a abundância destas espécies em Portugal”, conclui o investigador da Universidade dos Açores.

Notícia actualizada a 26 de Março: foi incluída, no quinto parágrafo, a informação de que no fim do Verão os novos adultos iniciam a preparação da nova época da diapausa.