Dúvida: os painéis solares em fim de vida vão acabar numa montanha de lixo?

Os painéis solares a chegar ao fim de vida vão crescer nos próximos anos. Serão, assim, uma fonte relevante de lixo electrónico. Empresas como o Electrão estão a preparar-se para reciclá-los em massa.

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Uma central de painéis solares em Alcoutim, no Algarve Nuno Ferreira Santos
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O relatório publicado na semana passada sobre a produção mundial de resíduos eléctricos e electrónicos (REE), produzido por duas agências da Organização das Nações Unidas, advertia para os resíduos advindos da expansão planetária dos painéis fotovoltaicos. Estes aparelhos são uma componente importante da transição energética, que está a ajudar as sociedades a substituírem fontes de energia fósseis por renováveis. Mas, daqui a uns anos, serão uma fonte de lixo.

Em 2022, o ano sobre o qual o relatório se debruçou, chegaram ao fim de vida 0,6 milhões de toneladas de painéis solares. Esse valor vai quadruplicar para 2,4 milhões de toneladas em 2030, de acordo com o estudo. “É expectável que o equipamento devidamente mantido dure 20 anos”, diz ao PÚBLICO Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (Apren).

As empresas que vendem os painéis solares dão uma garantia de 20 anos aos painéis, adianta o responsável. Ao fim de duas décadas, prevê-se que os painéis fotovoltaicos já não funcionem com a mesma capacidade. Ao mesmo tempo, é expectável que a capacidade acrescida da nova tecnologia entretanto desenvolvida torne mais rentável a substituição dos painéis. No entanto, Pedro Amaral Jorge diz que os antigos painéis podem continuar a funcionar como deve ser mais “cinco ou dez anos”.

Mas nem sempre estes objectos duram o tempo estabelecido. “Há sinistros, há painéis com menor qualidade que atingem o fim de vida mais rápido”, aponta, por sua vez, Pedro Nazareth, director executivo do Electrão, o operador que recolhe, separa e põe para reciclar a maior fatia de REE de Portugal. Pedro Nazareth também refere a importância da substituição tecnológica. “Já testemunhámos haver gestores de parques a optarem por substituir painéis antes do previsto no seu plano de investimento inicial. A evolução tecnológica pode precipitar o fim de vida antecipado de painéis solares”, diz.

De qualquer forma, a previsão é que haja um aumento anual do número de painéis fotovoltaicos que irão para o lixo. Em 2050, poderão ser produzidas entre 60 e 78 milhões de toneladas deste tipo de resíduo, segundo uma estimativa divulgada num relatório de 2016 da Agência Internacional de Energia Renovável. Por comparação, em 2022 foram produzidos 60 milhões de toneladas de todo o tipo de REE, tais como frigoríficos, computadores, telemóveis ou câmaras de vídeo.

Será que esta enorme quantidade deste novo tipo de resíduos vai produzir montanhas de lixo não-reciclado em aterros? Pedro Nazareth não acredita neste cenário, pelo menos em países como Portugal.

“Numa perspectiva muito nacional, diria que esse risco está muito controlado pelo simples facto de os painéis solares serem abrangidos pela responsabilidade alargada do produtor”, responde o responsável. “Existe uma responsabilidade por parte das empresas que vendem e colocam estes painéis solares no mercado de contratarem a gestão de fim de vida destes painéis com entidades como o Electrão. As empresas têm um contrato, na sua grande maioria com o Electrão, declaram as quantidades de equipamento que estão a vender para o mercado nacional e financiam a actividade do Electrão para que nós, com esses recursos, consigamos recolher, triar e reciclar os painéis fotovoltaicos.”

Pedro Amaral Jorge reforça esta ideia dizendo que as empresas “têm sempre previsto o custo do desmantelamento dos painéis” e que estes “não podem ser depositados no aterro sanitário”. O presidente da Apren recorda que a política da União Europeia dá prioridade ao reforço da “economia circular porque não só é lógico e sustentável, mas também, do ponto de vista económico, permite ter independência” nas matérias-primas que existem nos REE.

Os painéis fotovoltaicos contêm metais ou ligas como o alumínio, o cobre e o aço e componentes como o vidro que podem ser reciclados. Em 2023, as empresas que têm um contrato com o Electrão declararam a entrada no mercado português de mais de 35.000 toneladas de painéis fotovoltaicos, adianta Pedro Nazareth. Ao mesmo tempo, o Electrão recolheu nesse mesmo ano 200 toneladas de unidades em fim de vida.

Os parceiros da empresa já iniciaram os ensaios para aprimorar o ciclo de reciclagem deste material. “Não há propriamente recicladores de painéis fotovoltaicos de grande escala porque os volumes ainda não estão disponíveis. O que há são estes ensaios, este trabalho técnico que é feito com o Electrão e alguns dos seus parceiros nacionais de reciclagem”, diz Pedro Nazareth. Neste momento, já conseguiram taxas de reciclagem acima dos 80% dos painéis solares, afirma. “Vamos procurando afinar e preparar o país para estar dotado de tecnologia que, amanhã, quando os números em fim de vida arrancarem, vai servir para termos capacidade de saber o que fazer com as diferentes tecnologias de painéis fotovoltaicos”, explica.

O responsável antevê que vão ter de ser construídas centrais de reciclagem dedicadas aos painéis fotovoltaicos em fim de vida. Por isso, não acredita em novas montanhas de lixo: “Ao nível de Portugal, ou ao nível de países onde há este tipo de política pública de ambiente, há uma salvaguarda muitíssimo grande de que tal cenário não irá acontecer.”