Coronel condenado por querer enganar investigadores das mortes nos Comandos

Dores Moreira foi sentenciado a pena suspensa por mandar forjar documento que entregou ao Ministério Público. Objectivo: alijar responsabilidades.

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Comandante do Regimento de Comandos, coronel Dores Moreira ANTÓNIO COTRIM
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Foi condenado a um ano e sete meses de pena suspensa de prisão o ex-comandante do Regimento de Comandos Luís Dores Moreira, por ter tentado enganar o Ministério Público no caso das mortes de dois recrutas do curso de 2016.

Apesar do calor intenso que se fazia sentir naquele dia de Setembro no campo de tiro de Alcochete, onde se realizou a prova, houve instruendos que, entre o início da instrução e as 16h, apenas beberam dois litros de água. A prova começou no dia 3 de Setembro de 2016 à noite. Na manhã de dia 4, as temperaturas atingiam já os 35 graus a meio da manhã, tendo mais tarde acabado por ultrapassar os 40 graus Celsius. Dylan da Silva e Hugo Abreu, ambos de 20 anos, não resistiram à falência de órgãos causada por golpe de calor e desidratação extrema.

No início deste mês o Tribunal da Relação de Lisboa agravou as penas de vários arguidos implicados nas suas mortes, tendo condenado o médico responsável pela equipa sanitária a sete anos e meio de prisão. Outros quatro militares que tinham sido ilibados em primeira instância foram agora sentenciados, embora na sua maioria a penas suspensas.

No caso do coronel Dores Moreira está em causa o facto de ter sido da sua autoria o documento que estabelecia as regras e condições em que se desenrolava a chamada Prova Zero. Quando o Ministério Público lhe pediu o guião da prova em que morreram os dois recrutas, o comandante entregou um documento que fixava em cerca de cinco litros de água – cinco cantis – o mínimo diário a distribuir a cada instruendo.

Porém, o que concluiu o tribunal na passada sexta-feira é que o documento foi mandado forjar por Dores Moreira, para que o coronel pudesse enjeitar responsabilidades no sucedido, e que o guião efectivamente usado neste curso e distribuído aos oficiais instrutores não previa mais do que três cantis, como de resto sucedeu nas provas anteriores.

“Esse documento que o arguido Luís Moreira juntou ao processo foi elaborado a seu mando por indivíduo não concretamente identificado; o arguido aprovou-o e autenticou-o depois”, pode ler-se na sentença. “Pretendia fazer crer à autoridade judiciária que da sua parte nenhuma responsabilidade do que sucedeu aos instruendos do 127.º Curso lhe poderia ser assacada e, assim, empurrar a responsabilidade das mortes para os instrutores da Prova Zero”.

Porém, vários militares ouvidos em tribunal como testemunhas garantiram que o guião usado tinha sido o mesmo dos anos anteriores, que limitava aos três litros a quantidade de água distribuída.

Uma das juízas que fez parte do colectivo que no início deste mês agravou as condenações relacionadas com as mortes, Cristina Almeida e Sousa, deixou expresso um voto de vencida a defender penas mais pesadas, tendo escrito que os instrutores “praticaram durante horas consecutivas verdadeiros actos de tortura contra pessoas a quem tinham especiais deveres de proteger, dada a perigosidade intrínseca aos exercícios” militares. A magistrada descreve a “grande crueldade, frieza de ânimo e enorme persistência” com que as vítimas foram maltratadas, tanto “nos seus corpos e saúde” como na sua dignidade de seres humanos.

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