Daesh-Khorasan: quem são os extremistas responsáveis pelo ataque a Moscovo?

Dissidentes da al-Qaeda e dos taliban, fundamentalistas e violentos: um retrato da facção do autoproclamado Estado Islâmico que atacou Moscovo nesta sexta-feira.

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O Crocus City Hall depois do ataque de sexta-feira, numa imagem de um vídeo divulgado pelas autoridades russas EPA/Ministério das Emergências russo
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Na noite desta sexta-feira, um grupo de homens armados entrou numa sala de espectáculos em Moscovo e disparou sobre centenas de pessoas, no ataque terrorista mais violento das últimas décadas na capital russa. O Daesh reivindicou, entretanto, o atentado, que terá sido levado a cabo por um dos seus ramos regionais: o Daesh-Khorasan.

Nos últimos anos, desde a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão, em 2021, que o grupo Khorasan tem mostrado a sua força e violência para lá das fronteiras afegãs e paquistanesas. É, neste momento, a facção mais capacitada do Daesh. Só no último ano, foram responsáveis por cerca de 50 ataques, que provocaram mais de 650 mortos e feridos. Em média, 14 vítimas por ataque — mais do que qualquer outro ramo regional do autoproclamado Estado Islâmico.

O berço: Afeganistão

É possível ver na Síria os primeiros sinais de vida do que seria o Daesh-K, onde jihadistas paquistaneses e afegãos lutaram contra o regime de Bashar al-Assad. Meses depois da criação do "califado" do Daesh na Síria e no Iraque em 2014, muitos desses combatentes voluntários regressaram ao Afeganistão para fundar a sua própria "província".

Fossem ex-membros da al-Qaeda, dos taliban ou de outras milícias islamistas, o que os uniu foi uma interpretação ainda mais fundamentalista do Alcorão e a vontade de endurecer a aplicação da sharia, com o propósito de expandir o seu território de influência e a fé islâmica.

No início de 2015, o Daesh reconheceu a criação da wilayah (província) de Khorasan — antigo nome dado à região que abrange partes do actual território do Afeganistão, Paquistão, Irão e Ásia Central —, liderada pelo emir Hafiz Saeed Khan, paquistanês dissidente dos taliban. O fundador do Daesh-K acabaria por ser assassinado pelas tropas norte-americanas poucos meses depois, em 2016.

O objectivo último dos islamistas será a criação de um califado na Ásia Central e do Sul, governado pela sharia, que acolherá muçulmanos de todo o mundo. O grupo rejeita as fronteiras modernas, evocando a glória dos antigos impérios muçulmanos.

Nos últimos anos, o Daesh tem reforçado o apoio à wilayah de Khorasan, à medida que perde poder no Iraque e na Síria, e de modo a reafirmar-se como estrutura jihadista global (apesar de não se saber se os autores do ataque em Moscovo agiram por ordem do comando central do Daesh).

Embora registe uma diminuição do número de membros desde 2018, o Daesh-K continua a recrutar antigos taliban insatisfeitos com o regime, desertores ou membros de outros movimentos jihadistas na região. Terá actualmente menos de 2000 homens, não sendo claro quem os lidera.

Novos alvos, para lá da província

A 26 de Agosto de 2021, dias depois da tomada do poder pelos taliban, os homens de Khorasan atacaram o aeroporto de Cabul, mataram 13 soldados norte-americanos e cerca de 170 civis. Apesar de serem ambos islamistas, o Daesh-K sobrevive no Afeganistão em confronto com os taliban, principalmente por disputas territoriais e por discórdias quanto à aplicação da sharia, sendo o Daesh mais radical.

A interpretação mais rígida da lei islâmica pode significar, por exemplo, que ouvir música é proibido, mas também que os actos criminosos podem ser punidos com castigos corporais, como amputações, ou com execuções em praça pública.

É pela repressão e constrangimentos provocados pelo novo regime afegão que os membros do Daesh "procuram uma imposição através de operações mais violentas". "Precisam de reagir para demonstrar que continuam a ter essa capacidade", explica Felipe Pathé Duarte, professor e investigador da Nova School of Law, e autor do livro Jihadismo Global: das Palavras aos Actos.

No seu último grande ataque antes de Moscovo, em Janeiro passado, o Daesh-K matou 84 pessoas que participavam numa homenagem ao general Qassem Soleimani, no Irão. Já no início deste mês, tinha planeado um ataque a uma sinagoga em Moscovo, travado pelo Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB).

A "província" do autoproclamado Estado Islâmico acusa o Kremlin de ter sangue muçulmano nas mãos, pelas intervenções militares no Afeganistão, Tchetchénia e Síria, mas a inimizade é histórica.

"A inimizade à Rússia e àquilo que a Rússia representa, seja o antigo czar, a União Soviética ou o Putin anti-jihad, é muito forte. Portanto [este ataque] não é nada surpreendente", acrescenta Felipe Pathé Duarte.

Segundo o general Michael E. Kurilla, do Comando Central dos Estados Unidos, o Daesh-K "tem a capacidade e a vontade de atacar os EUA e os interesses ocidentais" e pode fazê-lo em poucos meses "com pouco ou nenhum aviso".

"Há essencialmente dois grupos que representam a Jihad global, que continua bastante activa: de um lado, a al-Qaeda; do outro, o Daesh", que competem entre si, lembra Felipe Pathé Duarte. Mesmo sendo uma facção de pequenas dimensões, o Daesh-Khorasan será hoje uma das mais violentas do mundo jihadista.

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