Capa, batina e cartaz na mão: os estudantes saíram à rua e pediram “mais Abril”

Milhares de estudantes de todo o país manifestaram-se em Lisboa contra a falta de alojamento, o aumento do custo da habitação, as propinas e a falta de acção social.

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Milhares de jovens marcaram presença em Lisboa LUSA/ANTÓNIO COTRIM
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Carolina Bastos Pereira
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Foi ao som de canções de Abril que alguns milhares de estudantes de diferentes universidades do país desfilaram esta quinta-feira por Lisboa, do Rossio até à Assembleia da República, para reivindicar “bolsas sim, propina não” e maior acesso a alojamento e habitação.

O ponto de reunião inicial estava marcado para a baixa lisboeta, onde às 14h30 ainda não se indiciava a “maior mobilização de estudantes dos últimos 15 anos”, prometida ao P3 por Renato Daniel, presidente da Associação Académica de Coimbra. Foi só com o arranque da marcha que os estudantes que representavam a comunidade académica, desde Trás-os-Montes até ao Algarve, ou à Madeira, mostraram o seu peso nas ruas. Com cartazes coloridos, trajados ou "à civil", trouxeram palavras de ordem, dança e as canções simbólicas de José Afonso para as ruas da cidade, levando ao corte de várias vias.

Do céu, choveram cravos: era do elevador de Santa Justa que os lançavam, e de onde se estendeu uma longa faixa onde se lia que “Abril é o futuro”. E foi neste tom, com referências ao passado mas com os olhos postos no futuro, que os jovens, mesmo clamando que “a propina dói”, disseram também ser “muitos, muitos mil, para continuar Abril”.

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A convocatória para a manifestação partiu inicialmente dos estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. Ao P3, o presidente da respectiva associação de estudantes, Guilherme Vaz, explica contudo que a iniciativa foi idealizada por "um conjunto de nove associações estudantis”, incluindo duas do Porto e uma de Caldas da Rainha. Para Vaz, a manifestação, que também antecipa o dia nacional do estudante (este domingo, 24 de Março), “ganha outra cor” à luz dos 50 anos da revolução dos cravos. “O papel das associações de estudantes [perante o problema da habitação] é limitado, mas os meios que nós temos são estes, vir para a rua”, disse.

A iniciativa teve adesão nacional, como se viu e ouviu, por exemplo, pela presença de um estudante da Universidade da Madeira no palco em frente à Assembleia da República, onde se aguardava a chegada dos manifestantes. Mesmo os estudantes da Universidade do Porto — cuja Federação Académica (FAP) decidiu não aderir à marcha, optando antes por organizar um evento de alunos nos Aliados, na quarta-feira — marcaram presença com alunos da Faculdade de Belas Artes e da Faculdade de Arquitectura. Também estudantes da Escola das Artes da Universidade Católica estiveram presentes. “É preciso lutar não apenas contra a emigração dos jovens, mas, por exemplo, pelo fim da propina ou por mais acção social”, disse Constança Martins, da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, que criticou a ausência da FAP: “Deviam ter estado presentes aqui hoje com o resto dos estudantes”.

Também a exigência de melhores transportes se fez ouvir no protesto, nomeadamente pela voz de estudantes das universidades de Évora e de Aveiro. “Há pólos universitários na periferia, por exemplo na zona industrial, e só temos dois autocarros de manhã e dois à tarde para ir para lá”, contou Iria Andrade.

Em peso esteve também a Associação Académica de Coimbra (AAC), que mobilizou cerca de duzentos estudantes, quase todos trajados.

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Nota ainda, apesar do clima de fraternidade, para a tensão entre elementos do movimento estudantil e de outros grupos. Ao P3, Sofia Ramos, estudante da Universidade de Coimbra, explicou que faz parte de uma organização activista pró-palestiniana e que foi, no início do protesto, obrigada a ir “para o fim da marcha”, juntamente com o seu grupo e outros movimentos. “Nós estávamos a aderir aos cânticos e à manifestação, simplesmente achámos importante reivindicar os direitos dos alunos da Palestina, que também têm de ser protegidos”, justifica. À chegada à Assembleia da República, o grupo de Sofia terá sido “agressivamente expulso” por outros estudantes, afirma. Conta que ficou “enrolada na própria faixa”, que ostentava a bandeira da Palestina, e foi “empurrada”, bem como os colegas, por outros manifestantes. Também grupos de activismo climático, que estiveram presentes e lançaram para o ar fumo verde, terão sido empurrados. Segundo Sofia Ramos, a polícia, que estava presente em peso no local, não interveio.

“Verdes anos” de um Abril que “não falhou”

Nas redes sociais, a manifestação prometia como mote "tecto e habitação, um direito à educação”, mas a frase que mais se ouviu nos discursos proferidos em frente à Assembleia da República foi “queremos mais Abril aqui”. E houve uma miríade de reivindicações referidas: não só rendas mais acessíveis mas também a aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência na construção de residências públicas, o fim da propina, o travão à subida dos preços nas cantinas ("Em Lisboa, antes eram a 2,79 euros e agora vão ser 3 euros", explica ao P3 um estudante), a revisão do regime jurídico das instituições do superior (RJIES), ou o fim da “repressão policial” e da “homofobia e transfobia” nas escolas, mencionada por alunos como Marta Boavida, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que também referiu o mau estado geral dos edifícios onde se estuda.

Também houve reivindicações mais específicas. Margarida Isaías, presidente da Associação Académica da Universidade do Minho, contou ao P3 que as cantinas da sua instituição não estão abertas ao fim-de-semana, e que “não há cozinha das residências” que serviam de alternativa. Cecília Bastos, aluna da Escola Superior de Teatro e Cinema, na Amadora, alertou que o edifício onde estuda, por ter sido “construída em cima de água, está a afundar, e cada ano que passa as inspecções comprovam que está a ruir”.

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A marcha prolongou-se quase até às 18h, e ao longo do percurso, por várias vezes, foram-se escutando e lendo fragmentos de canções de José Mário Branco, Sérgio Godinho, José Afonso ou até mesmo José Pinhal, o cantor popular com o qual os jovens se identificaram quando cantou “porém não posso”.

No palco-carrinha montado em frente à Assembleia da República, vários representantes de órgãos estudantis sublinharam o momento político, com um novo Governo prestes a tomar posse, como uma oportunidade para passar os seus alertas.

Coube à presidente da Associação de Estudantes da Escola Superior de Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha, Violeta Santos, encerrar o comício com uma nova referência à efeméride histórica que se assinala no próximo mês: “Desta semente colheremos Abril”.

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E Abril ouviu-se, por exemplo, no “viva ao SAAL” entoado por alunos de Arquitectura e de Belas Artes, em referência ao programa de habitação social a custos reduzidos, o Serviço de Apoio Ambulatório Local, lançado durante o PREC, no pós-25 de Abril, e posteriormente abandonado. Como se ouviu nos Verdes anos, de Carlos Paredes, tocados por estudantes de Coimbra, na Grândola, vila morena cantada em uníssono, ou em Venham mais cinco. “Não me obriguem a vir para a rua gritar”, cantou-se em frente ao Parlamento. Em tom de desafio, ou de promessa.

Texto editado por Pedro Guerreiro

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