Criatura baptizada em homenagem ao Sapo Cocas dá pistas sobre a evolução dos anfíbios

Cientistas estudaram o crânio fossilizado de um animal chamado Kermitops gratus, que viveu há cerca de 270 milhões de anos e pertencia a uma linhagem que se crê ter dado origem aos anfíbios.

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O crânio fossilizado do Kermitops gratus ao lado da marioneta do Sapo Cocas, em exibição no Museu Nacional da História Americana James D. Tiller e James Di Loreto/Smithsonian
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É certo que não havia Os Marretas durante o período Pérmico (entre há cerca de 290 milhões e 248 milhões de anos), mas havia um Sapo Cocas — ou, pelo menos, um precursor dos anfíbios modernos que foi baptizado com o nome do sapo estrela do conhecido programa de televisão infantil.

Os cientistas descreveram, na quinta-feira, o crânio fossilizado de uma criatura chamada Kermitops gratus que viveu no actual Texas (EUA) há cerca de 270 milhões de anos. O animal pertencia a uma linhagem que se crê ter dado origem aos três ramos vivos dos anfíbios — as rãs, as salamandras e as cecílias.

Embora apenas o crânio com cerca de três centímetros de comprimento tenha sido descoberto, os investigadores acreditam que o Kermitops gratus tinha um corpo semelhante ao de uma salamandra, com cerca de 15 a 18 centímetros de comprimento, embora as salamandras só tenham evoluído há cerca de 100 milhões de anos.

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Crânio fossilizado do Kermitops gratus (à esquerda) ao lado do crânio de uma rã moderna (Lithobates palustris , à direita) Brittany M. Hance/Smithsonian

Os anfíbios são um dos quatro grupos de vertebrados terrestres vivos, juntamente com os répteis, as aves e os mamíferos. As características únicas do crânio do Kermitops gratus uma mistura de características arcaicas e mais avançadas estão a fornecer informações sobre a evolução dos anfíbios.

O Kermitops ajuda-nos a compreender a história inicial dos anfíbios, revelando que não existe uma tendência clara de se tornarem, passo a passo, mais parecidos com os anfíbios modernos, explica Calvin So, estudante de doutoramento em paleontologia da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, e autor principal do estudo publicado na revista Zoological Journal of the Linnean Society.

Uma anatomia única

O fóssil foi recolhido em 1984 perto do Lago Kemp, no Texas (EUA), e guardado na extensa colecção do Museu Nacional de História Natural da Instituição Smithsonian, em Washington, mas não tinha sido estudado em profundidade até recentemente.

O Kermitops tinha um focinho arredondado, não muito diferente das rãs e das salamandras. Preservados nas órbitas oculares estavam os ossos palpebrais ou ossos das pálpebras —, uma característica que não existe nos anfíbios actuais. O seu crânio é constituído por ossos em forma de telhado, em contraste com os ossos finos e em forma de escora dos anfíbios modernos.

O comprimento do crânio à frente dos olhos é maior do que o comprimento do crânio atrás dos olhos, o que difere dos outros fósseis de anfíbios que viveram na mesma altura. Pensamos que isto pode ter permitido ao Kermitops fechar as mandíbulas mais rapidamente, permitindo a captura de presas rápidas como os insectos, destaca Calvin So.

O registo fóssil dos primeiros anfíbios e dos seus precursores é irregular, o que dificulta a compreensão das origens dos anfíbios modernos.

O Kermitops, com a sua anatomia única, exemplifica realmente a importância de continuar a acrescentar novos dados fósseis para compreender esta questão evolutiva, nota o paleontólogo do Museu Nacional de História Natural da Instituição Smithsonian e co-autor do estudo, Arjan Mann.

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Os investigadores Arjan Mann e Calvin So com o fóssil ao lado da marioneta do Sapo Cocas, que está em exposição no Museu Nacional da História Americana do Smithsonian James D. Tiller e James Di Loreto/Smithsonian

Cara de Cocas

O Sapo Cocas foi criado pelo falecido marionetista norte-americano Jim Henson em 1955, e uma marioneta do Sapo Cocas feita na década de 1970 encontra-se na colecção do Museu Nacional da História Americana do Smithsonian como um importante objecto cultural.

Kermitops significa cara de Cocas, uma alusão ao aspecto da personagem de Os Marretas. Pensámos que os ossos das pálpebras davam ao fóssil um aspecto de insecto e, combinados com um sorriso torto produzido por um ligeiro esmagamento durante a preservação do fóssil, achámos mesmo que se parecia com o Sapo Cocas, frisa Calvin So.

O Kermitops pertencia à ordem dos temnospôndilos (Temnospondyli), que surgiu algumas dezenas de milhões de anos depois de os primeiros vertebrados terrestres terem evoluído a partir de antepassados dos peixes. Os maiores temnospôndilos assemelhavam-se superficialmente a crocodilos, incluindo dois que tinham cada um cerca de seis metros de comprimento, o Prionosuchus e o Mastodonsaurus.

Os temnospôndilos são considerados a linhagem progenitora dos anfíbios modernos, de acordo com Arjan Mann.

O Kermitops existiu cerca de 20 milhões de anos antes da pior extinção em massa da história da Terra (no final do período Pérmico) e cerca de 40 milhões de anos antes dos primeiros dinossauros. Viveu ao lado de outros membros da linhagem dos anfíbios, bem como do impressionante Dimetrodon, um predador da linhagem dos mamíferos.

O ambiente em que o Kermitops viveu parece ter alternado entre estações quentes e húmidas e estações quentes e áridas. Este ambiente seria semelhante às monções actuais que ocorrem no Sudoeste dos EUA e no Sudeste da Ásia, conclui Calvin So.

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