As amendoeiras estão a florir mais cedo. Como desacelerar o “relógio” do clima?
Os amendoais transmontanos estão a florescer cerca 15 dias mais cedo, tornando as colheitas incertas. Quando o clima baralha o “relógio” das plantas, a resposta possível é apostar na adaptação.
As flores das amendoeiras abriram este ano mais cedo do que era esperado em Trás-os-Montes — um fenómeno que começa a ser “o novo normal”. Com a subida das temperaturas do planeta, tanto a floração antecipada das fruteiras como outros desafios agrícolas tendem a ser cada vez mais comuns, tornando incerto o sucesso da produção. Da escolha criteriosa das variedades à subscrição de seguros de colheita, a adopção de medidas de adaptação é considerada “urgente” para garantir o futuro dos amendoais na região.
“A hora certa de começar a adaptação já passou. Estamos atrasados, é tudo para ontem”, afirma ao PÚBLICO Ana Paula Silva, do Centro de Investigação e Tecnologias Agro-Ambientais e Biológicas da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
A cientista nota que, este ano, a floração ocorreu 15 dias mais cedo na região. “É significativo. Bastam algumas horas com temperaturas abaixo dos zeros graus para as flores das amendoeiras ficarem queimadas”, afirma Ana Paula Silva. Como esta estrutura vegetal guarda os órgãos reprodutores da planta, os possíveis frutos ficam comprometidos quando as variações climáticas baralham o “calendário” vegetal.
“Nós não controlamos o clima, a floração pode variar 10, 15 dias, como aconteceu este ano. Estamos agora com 20 graus e, para a semana, se calhar vamos ter temperaturas negativas outra vez. Recomendamos que os produtores façam seguros de colheita — isto é como o seguro dos carros, que fazemos todos os anos, a torcer para nunca termos um problema”, explica ao PÚBLICO Armando Pacheco, presidente da Cooperativa dos Lavradores do Centro e Norte (CLCN).
Armando Pacheco lamenta que muitos agricultores continuem a ver os seguros de colheita como um gasto — e não como um investimento. E vê os seguros, que “contam com o co-financiamento do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas”, como uma forma de reduzir a imprevisibilidade imposta pela crise climática. Outra aposta que preconiza é a escolha de “variedades com a floração o mais tardia possível”.
Melhorar variedades nacionais
Em artigos científicos de que é co-autora, Ana Paula Silva tem defendido estratégias de adaptação, incluindo a aposta na selecção de variedades autóctones (ou seja, amendoeiras nativas de Portugal) que sejam mais resilientes, capazes de acompanhar as incertezas da “montanha-russa” climática.
“Seria interessante olhar para o património genético [das amendoeiras] e tentar perceber de que forma é que podemos melhorar alguns aspectos agronómicos menos bons. Nós temos nas nossas variedades características de adaptabilidade que se calhar as espanholas não têm, não temos feito esse esforço de melhoramento”, diz a investigadora da UTAD.
Ana Paula Silva lamenta que, à medida que vemos os termómetros planetários a subir, não estejamos em Portugal a trabalhar para garantir os amendoais do futuro. A cientista afirma que “não se colhem dados, não se fazem registos e, o mais importante, não há melhoramentos [genéticos]” das variedades portuguesas.
“Não há nenhum pomar em Portugal com variedades portuguesas. É um grande problema porque, se calhar, seria possível estarmos mais bem preparados para enfrentar as alterações climáticas se o nosso material vegetal autóctone fosse estudado e valorizado. Isto não está a acontecer. Neste momento, os serviços de agricultura estão esvaziados de funções. Antes, nós tínhamos os técnicos em todo o lado, faziam-se registos”, lamenta Ana Paula Silva.
Horas acumuladas de frio
A exemplo de outras culturas de clima temperado — a pereira e o pessegueiro, por exemplo —, as amendoeiras precisam de acumular um determinado número de horas de frio. É como um piloto na aviação civil: se não somar uma certa quantidade de horas de voo, não estará devidamente preparado para navegar em segurança.
O somatório de horas de frio no Inverno é fundamental para as flores nascerem e se desenvolverem seguras. Agora, com temperaturas altas no primeiro trimestre do ano, as árvores entram em floração numa época mais antecipada, estando mais expostas a riscos.
“Estas culturas precisam de um somatório de temperaturas geralmente abaixo dos sete graus. Se não passarem pelo frio, acabam por florir mal, com uma floração arrastada e, portanto, ficam mais susceptíveis a qualquer problema climático e alguns problemas ao nível do vingamento dos frutos”, refere Ana Paula Silva. O vingamento é o primeiro estágio em que a flor se transforma em fruto.
A ocorrência de outros fenómenos naturais, como a queda de granizo ou ventos fortes, também pode provocar danos nos ramos, na floração e na fecundação, interferindo com o ciclo anual das fruteiras.
Reter água com charcas e barragens
Além de interferir com a floração, as alterações climáticas podem condicionar a disponibilidade de água. A reutilização de águas residuais e a criação de sistemas de irrigação ou reservatórios de água — como as charcas — também são possíveis exemplos de adaptação climática.
A cientista da UTAD defende um licenciamento mais fácil de charcas e pequeninas barragens (“não é uma coisa grande como o Alqueva”). “O problema da nossa falta de água é que nós não sabemos aproveitar a água que cai das chuvas. E, portanto, nós deixamo-la fugir para o oceano. É por isso que pequenas charcas devem ser incentivadas. Ou seja, nós temos água suficiente para suprir as necessidades da fruticultura, mas precisamos de saber aproveitá-la”, afirma.
Os novos amendoais no Alentejo só são possíveis graças à água assegurada pela barragem do Alqueva. Ao contrário do amendoal de sequeiro transmontano, que depende sobretudo da chuva, as culturas de amêndoa no Sul são irrigadas e, por isso, apresentam uma produtividade muito maior. No Algarve, onde a falta de água é um problema cada vez mais grave, o amendoal de sequeiro tem sido abandonado para dar lugar a citrinos e abacateiros.
Havendo disponibilidade para maiores investimentos, o uso de modelos matemáticos pode constituir uma boa ferramenta de apoio para melhor prever e gerir a produção. Existem ainda adaptações climáticas mais simples, como a aplicação de sebes corta-vento e coberturas contra a geada. Quando o clima baralha o “relógio” das plantas, a resposta possível é sempre a adaptação. “Mas tem de ser rápido, tudo para ontem. As mudanças climáticas estão aí”, alerta Ana Paula Silva.