As alterações climáticas fazem subir não só as temperaturas, mas também o preço dos alimentos. Se o ambiente e os animais têm sido prejudicados pela crise climática, a economia também está a ser afectada — e isso reflecte-se na inflação. “Os impactos climáticos na produtividade económica indicam que as alterações climáticas podem ameaçar a estabilidade dos preços”, lê-se num comunicado da revista científica Nature.
Um estudo publicado nesta quinta-feira na revista Nature Communications Earth & Environment mostra que “o aquecimento global pode levar a um aumento da inflação alimentar até 3,2 pontos percentuais por ano e a um aumento da inflação global até 1,2 pontos percentuais por ano”, caso se confirme o aumento das temperaturas previsto até 2035.
O aquecimento projectado para 2035 poderá conduzir a uma inflação alimentar de 1,49% por ano até 2035, num cenário de baixas emissões, em média, em todo o mundo. Esta inflação seria maior, de 1,79% por ano, num cenário de emissões mais elevadas”, conta ao PÚBLICO Maximiliam Kotz, autor do estudo e investigador na área do impacto climático. Numa previsão até 2060, Maximilian diz que, de acordo com as condições climáticas projectadas, “estes impactos poderiam ser muito maiores num cenário de emissões elevadas (superior a 4%)”.
Os cientistas analisaram os índices nacionais mensais de preços ao consumidor e os dados meteorológicos de 121 países entre 1991 e 2020. Apesar de a situação ter um impacto uniforme em países mais e menos ricos, os investigadores dizem que terá, em geral, um maior impacto no Sul global, especialmente nos países de África e da América do Sul. Segundo o comunicado, as projecções sugerem que “a subida das temperaturas aumenta a inflação durante todo o ano nas regiões de baixa latitude, ao passo que este efeito só ocorre no Verão em latitudes mais elevadas”.
As inundações, a seca e o calor extremo causados pelas alterações climáticas podem ser uma das razões para a crise do aumento dos preços de alguns produtos alimentares, como já tem sido noticiado. No ano passado, em Espanha, o azeite registou uma subida de 52% no preço para o consumidor, em virtude das quebras nas colheitas por causa da seca.
Recuando ao período entre 2020 e 2021, também o fenómeno de aumento de preços se fez sentir no Brasil, com o preço do café a aumentar 70%, devido às secas e geadas que destruíram as plantações. No Canadá, por exemplo, a produção (e exportação para França) em 2022 de sementes de mostarda foi também afectada pelas alterações climáticas.
Na Índia, o governo proibiu as exportações de trigo em 2022, devido às fortes ondas de calor que se fizeram sentir em Maio passado. A decisão foi tomada depois de a capital Nova Deli ter registado uma temperatura de 49ºC, o que fez com que os preços disparassem ainda mais do que já tinham desde a guerra na Ucrânia.
Este ano, a seca no Zimbabwe foi agravada pelo fenómeno climático El Niño, e a insegurança alimentar aumentou. As produções agrícolas foram perturbadas e a colheita de milho pode mesmo diminuir para metade durante 2024.
Avaliação dos riscos é fundamental
No artigo, os investigadores mencionam que “o potencial impacto das alterações climáticas na dinâmica da inflação é cada vez mais importante para a condução da política monetária e para a capacidade de os bancos centrais cumprirem o seu mandato de estabilidade dos preços no futuro”. Por isto, fazer uma avaliação dos riscos climáticos em relação à inflação é uma medida importante para “orientar os esforços de atenuação e adaptação dos governos, bem como para informar a política monetária relativamente aos riscos colocados pelas alterações climáticas”.
“Os aumentos de temperatura provocam aumentos não lineares e persistentes da inflação alimentar e da inflação global”, lê-se no novo estudo. Ao PÚBLICO, o autor Maximilian Kotz destaca que a principal conclusão do estudo é “que as alterações climáticas exercerão uma pressão ascendente sobre os alimentos e a inflação global” daqui em diante. Mais ainda, diz que “os efeitos são de magnitude considerável do ponto de vista dos objectivos de inflação da maioria dos bancos centrais (2%)”.
“O sinal mais forte e mais consistente” do impacto das alterações climáticas nos preços “surge das flutuações nas temperaturas médias mensais”, esclarecem os especialistas no relatório. No relatório consta que “os bancos centrais poderão ter de tomar decisões de política monetária também em resposta a choques climáticos e meteorológicos”. Para além disso, “as pressões persistentes no sentido da subida da inflação podem ter efeitos adversos no poder de compra, muitas vezes com efeitos distributivos regressivos e potenciais impactos no sector social”.
Países ao mesmo nível
Os investigadores relatam ter verificado “que os efeitos do aumento da temperatura são consistentes tanto nos países com rendimentos mais elevados como nos países com rendimentos mais baixos”. Isto significa que “a adaptação histórica ao aumento da temperatura através do desenvolvimento socioeconómico tem sido limitada”.
Esta aproximação relativamente ao impacto das alterações climáticas na inflação nos países com mais e menos rendimentos foi mesmo o factor mais surpreendente para Max Kotz. “O que mais me surpreendeu foi descobrir que os países mais ricos não parecem ser menos afectados do que os países mais pobres — é o que normalmente se encontra na literatura sobre o impacto do clima, mas para a inflação não parece haver uma grande diferença”, revela o autor.
Em relação aos passos seguintes, o investigador afirma que “seria óptimo explorar mais os canais específicos através dos quais os impactos climáticos afectam a inflação. Por exemplo, será principalmente através dos produtos alimentares em bruto?”, questiona.
Além disso, o autor do estudo destaca a intenção de explorar “a forma como os impactos se podem propagar ao longo das cadeias de abastecimento”. E, de um ponto de vista político, Max Kotz sublinha que “existe necessidade de reduzir as emissões para limitar as alterações climáticas e os seus potenciais efeitos negativos na economia e na vida das pessoas”.
De modo a tentar mitigar os efeitos das alterações climáticas, Max diz que o principal factor que a equipa considera preponderante nesse sentido é o de “limitar as próprias alterações climáticas. A redução das emissões para manter o aquecimento global dentro dos limites estabelecidos no Acordo de Paris teria grandes benefícios do ponto de vista da inflação”. Em adição, afirma que “a adaptação pode desempenhar um papel na redução destes impactos”.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva